História da Luta Pelo Socialismo
A História de uma Grande Luta
A Classe Operária passa a publicar uma série sobre a História da luta pelo socialismo. Cada edição enfocará um episódio, um tema, um aspecto, um capítulo desta gigantesca epopéia dos assalariados para libertarem a si próprios e a toda a humanidade.
O método de análise do marxismo é um grande método. Lênin dizia, já em 1919: "O mais seguro em ciências sociais, o mais necessário para adquirirmos realmente o hábito de abordar com acerto o problema, sem nos perdermos em um monte de miudezas ou na enorme quantidade de conceitos em luta, o mais importante para abordarmos a questão de um ponto de vista científico é não esquecermos a ligação histórica fundamental, considerarmos cada questão sob o ponto de vista de como surgiu aquele fenômeno histórico, quais as etapas principais que ele atravessou no seu desenvolvimento, até vermos em que ele se transformou na atualidade".
Como veremos, nossa luta renasce sempre
Poderíamos dizer que este método nos mostra "o filme" e não apenas "a fotografia". "A fotografia" é estática, parada, e neste sentido sempre enganosa. Já "o filme" é dinâmico, mostra as coisas no seu ininterrupto desenvolvimento, permite descobrir as suas tendências.
O tema que nos ocupará é uma grande história de uma grande luta, que abarca todo o planeta e não conhece um minuto de trégua. É a obra coletiva de incontáveis estômagos famintos, mãos hábeis, corações generosos, cérebros talentosos, criativos e ousados. O capitalismo, que enxerga o seu fim como se fosse o fim do mundo, emprega contra ela todos os seus recursos. Enfrentamos, em um combate desigual, o poder conjugado do dinheiro, dos meios de comunicação de massas, do aparato estatal, da repressão e quando preciso do terror. No entanto, como veremos, nossa luta renasce sempre, empurrada pelas contradições do próprio capitalismo.
Nossa série evitará ao máximo as aborrecidas listas de nomes e datas que são o pavor de todo estudante. Falará de grandes homens (e grandes mulheres!), mas sobretudo das multidões anônimas, das grandes massas, dos personagens coletivos que são os grandes heróis desta epopéia. Acompanhará os movimentos, greves, batalhas sociais e políticas, insurreições e guerras, sem esquecer a história das idéias, das polêmicas, das teorias e da luta teórica. Tratará dos avanços, êxitos e vitórias, mas também dos retrocessos, dos erros e derrotas, extraindo tanto de uns como de outros os ensinamentos que trouxeram.
Um convite a enfrentar a opressão cultural
Procuraremos usar uma linguagem acessível inclusive aos companheiros que dão seus primeiros passos na luta. Sabemos que a tarefa nem sempre é fácil. Uma das cargas mais sufocantes que pesam sobre nosso povo é a da opressão cultural. Durante séculos e séculos o trabalhador brasileiro foi proibido de estudar. O primeiro panfleto da nossa história surgiu há apenas 200 anos, na Conjuração Baiana, revolucionária, abolicionista e republicana. A primeira escola aberta a escravos surgiu há 160 anos, no quilombo maranhense do Itapicuru, durante a rebelião popular da Balaiada. A primeira edição brasileira do Manifesto do Partido Comunista só veio à luz em 1924, com 76 anos de atraso. Enfrentar e vencer essa opressão cultural é uma frente da luta de classes tão importante como a da luta econômico-social e a da luta política. E esperamos que esta breve História da luta pelo socialismo contribua neste sentido.
Uma tarefa desta ordem reclama mais que um esforço individual para ser cumprida a contento. E uma forma de auxiliá-la é enviar à Classe, ou à Comissão de Formação, todas as dúvidas, perguntas, críticas, opiniões e sugestões.
Dores do Parto de uma Classe
Estamos na Inglaterra do século 18: uma revolução tecnológica, econômica e social sacode a maior potência comercial da época. O camponês é expulso da terra. O artesão se arruina, vencido pela concorrência da indústria. Diversos progressos técnicos impulsionam a mudança: a máquina a vapor, a máquina de fiar algodão, o tear mecânico. Em 1785 nasce a primeira indústria, com a produção multiplicada pelas máquinas e pela socialização do trabalho (cada trabalhador realiza determinada tarefa). A inovação prova sua superioridade. Em 1837 o socialista Louis Blanc deu a este movimento o nome de Revolução Industrial.
Ocorre o divórcio entre propriedade e trabalho
Antes da Revolução Industrial, muitos trabalhadores ganhavam a vida por conta própria, com seus próprios meios: o camponês tinha sua terra, o tecelão, seu tear, o ferreiro, sua oficina. Trabalho e propriedade estavam casados, integrados na figura do pequeno trabalhador-proprietário.
A Revolução Industrial acaba com isso. Uma fábrica custa muito dinheiro, e exige muitos braços para funcionar. Ocorre então o divórcio entre a propriedade e o trabalho. A propriedade fica com a burguesia, a classe dos proprietários capitalista. O trabalho fica com o proletariado, a classe dos trabalhadores que ganham a vida vendendo aos capitalistas o único bem que lhes resta: a força dos seus braços e das suas mentes. O trabalho assalariado se instala sobretudo nas fábricas têxteis, minas, transporte marítimo e ferroviário; os operários desses ramos formam o núcleo inicial do proletariado.
A Revolução Industrial é um inferno para o ex-artesão ou camponês. Ele perde a independência, é o patrão quem decide o que produzir, como e quando. A jornada de trabalho atinge até 17 horas diárias, seis dias por semana. Só em 1810 uma lei inglesa a reduz, no caso das mulheres e crianças, para dez horas. Não há descanso remunerado, férias, aposentadoria, amparo em caso de doença ou acidente. Os lares operários lembram nossas favelas. A alimentação é a base de batatas, não raro só batatas. O jovem Engels descreve o quadro em A situação da classe operária na Inglaterra (1845): nas cidades industriais, metade das crianças morre antes dos cinco anos. Morre também o grêmio corporativo, multisecular forma de organização dos trabalhadores. A perplexidade e o desespero contagiam a classe recém-nascida. Miséria, mendicância, alcoolismo, prostituição, criminalidade e suicídios se alastram.
Mas a legião dos proletários continua a crescer, e não só na Inglaterra. Lenta e dolorosamente, eles constatam que não há caminho de volta. Pertencem a uma nova classe social. Precisam de novos caminhos para defenderem seus novos interesses de classe. Durante duas gerações debatem-se em busca desses caminhos. Atacam as máquinas, no movimento luddista ( de Ned ou King Ludd, nome do seu iniciador). Seitas religiosas e campanhas de reerguimento moral indicam que a salvação está na temperança e na abstinência. Muitos, desesperados, fazem do crime o seu protesto. Só em 1824 a lei libera a associação em sindicatos, e as greves tomam impulso. A partir daí, o sindicato e a greve se afirmam como armas indispensáveis à nova classe.
A greve e o sindicato, seu valor e seus limites
No entanto, estas armas, feitas para resistir à exploração burguesa, não conseguem acabar com ela. Logo fica clara a necessidade de outras. Ainda na Inglaterra, ganha força até a década de 1840 o cartismo – primeiro movimento político do proletariado, reivindicando o direito de voto, na época negado aos pobres. Na França, os tecelões de Lyon partem para a rebelião aberta em 1831 e 1834. Os operários da Boêmia e da Silésia seguem o mesmo rumo em 1844. A nova classe não se contenta em lutar apenas para ser menos explorada.
O Pensamento Socialista Pré-1848
Há muito séculos, pensadores avançados como Thomas Morus, autor de Utopia (1518), sonham com uma sociedade comunista e fraterna. Estas idéias ganham força com a Revolução Industrial na Inglaterra e sobretudo a Revolução Francesa de 1792. A saída socializante começa com a Conspiração dos Iguais, esmagada com a decapitação de seu líder, François Babeuf, em 1797.
Primeiras denúncias da ordem social burguesa
Henri de Saint-Simon (1760-1827) é um desses teóricos. Nascido conde, renuncia ao título. Aos 17 anos luta na Guerra de Independência dos EUA. Volta à França, denuncia em seus escritos as "classes parasitárias", e enaltece as "classes produtoras". Propõe a reconstrução da sociedade e o trabalho social, com base em um plano único.
Charles Fourier (1772-1837), filho de um comerciante francês, aponta com ironia os absurdos da economia de mercado. "Sob o capitalismo, o médico deseja que haja o maior número de doenças, o arquiteto sonha com incêndios que destruam a cidade…". Propõe comunidades de trabalhadores, os falanstérios, criados inclusive em Saí, Santa Catarina (1842) e na Colônia Cecília, Paraná (1891).
Robert Owen (1771-1858), de origem humilde, chega a possuir uma grande fábrica na Escócia . Ali, reduz a jornada de trabalho para 10,5 horas diárias, ergue casas, escolas para os operários, o primeiro jardim-de-infância e a primeira cooperativa. Em 1817 evolui da ação assistencial para a crítica frontal ao capitalismo. Funda, nos EUA, a colônia socialista de Nova Harmonia.
Saint Simon, Fourrier e Owen são considerados os expoentes do socialismo utópico (do grego utopia, que significa nenhum lugar). Ao lado deles, outros buscam a crítica e superação da ordem burguesa. Auguste Blanqui (1805-1881) escolhe a via revolucionária. Tenta várias vezes a tomada do poder na França; perseguido, passa metade da vida no cárcere. Ele e seus discípulos são a força majoritária na Comuna de Paris (1871). Porém o blanquismo confia a revolução não às massas trabalhadoras mas a pequenos grupos conspirativos. Já Pierre Proudhon, tipógrafo na juventude, denuncia o sistema burguês com audácia provocante em O que é a propriedade? ("A propriedade é um roubo"). Mas defende a pequena propriedade agrícola e artesanal, vendo nela o futuro da humanidade. Sua obra, depois de inspirar o anarquismo, tende à conciliação e ao conservadorismo.
Limites e impotência do socialismo utópico
As idéias dessa fase apontam os males do capitalismo, pregam sua superação. Imaginam às vezes em detalhe como será a sociedade futura. Neste sentido, tiveram valor no seu tempo. Mas não compreendem as leis, contradições e tendências da sociedade burguesa. Sobretudo, desconhecem o proletariado enquanto classe capaz de superar o capitalismo. Simpatizam com ele, mas apenas como classe sofredora. Na lugar da luta de classes, confiam no apelo à "razão humana". Saint Simon mistura industriais e operários como "classes produtoras". Fourier busca apoio dos ricos e poderosos, escreve a Napoleão, ao banqueiro Rotschild, publica anúncios nos jornais e espera anos por uma resposta que nunca chega. Os falanstérios de Fourrier, a Nova Harmonia de Owen e outras tentativas de criar miniaturas da nova sociedade também fracassaram.
Essas teorias já mostram seus limites e sua impotência quando em 1848, dois acontecimentos quase simultâneas apontam uma alternativa. De um lado, surge o Manifesto do Partido Comunista, tema do próximo artigo. De outro, explode na França e em toda a Europa o ciclo de revoluções batizado Primavera dos Povos. Dentro dele, nas barricadas de Paris em junho, o proletariado mundial vive seu batismo de fogo como classe independente. Para Marx, elas "foram a primeira grande batalha entre as duas classes que formam a sociedade moderna".
"Proletários, Uni-vos!"
Em fevereiro de 1848, poucos dias antes da onda revolucionária da Primavera dos Povos, saiu do prelo em Londres uma pequena brochura em alemão, com vários erros tipográficos e tiragem de apenas mil exemplares. O texto fora encomendado pela Liga dos Comunistas – um círculo clandestino formado por meio milhar de artesãos e operários, na maioria alemães. Os autores, cujo nome não aparecia na edição original, eram dois jovens intelectuais alemães – Karl Marx, 29 anos de idade, e Friedrich Engels, 27 anos. Era o Manifesto do Partido Comunista.
O sucesso do Manifesto em um primeiro momento foi tão modesto como sua tiragem, mas cresceu irresistivelmente com o correr dos anos. As traduções e edições se sucederam – em 1869 para o russo, e bem mais tarde, em 1923, para os trabalhadores brasileiros, por iniciativa do recém-fundado Partido Comunista do Brasil. Na Europa e no mundo, os setores mais avançados do proletariado e muitos intelectuais progressistas tomavam consciência de que ali estava um grande livro, um dos maiores se não o maior que a humanidade já produzira.
A luta pelo socialismo transforma-se em ciência
O Manifesto foi a pedra fundamental de todo um vasto edifício teórico que ficou conhecido pelo nome de marxismo (contra a vontade de Marx, que preferia o termo socialismo científico). Com ele, a luta dos trabalhadores pelo socialismo elevou-se ao patamar de uma ciência – tendo como ponto de partida o pensamento mais avançado de sua época, a filosofia alemã, a economia política inglesa, o socialismo francês.
Dos filósofos alemães, em especial G. W. Friedrich Hegel, o marxismo tomou a dialética – a concepção que analisa as coisas em seu incessante desenvolvimento, a partir de suas contradições internas. No entanto, pôs a dialética hegeliana "de cabeça para cima", libertando-a de seu vício de origem idealista, para construir assim sua visão do mundo, o materialismo dialético, e da evolução social, o materialismo histórico.
Em economia, o marxismo partiu do pensamento de estudiosos como Adam Smith e David Ricardo, expoentes da escola clássica. Essa escola, surgida na Inglaterra, berço do capitalismo, estava impregnada de uma concepção burguesa mas chegara a conclusões verdadeiras e importantes, como a teoria do valor. Com base nela, e a partir de outra ótica de classe, Marx e Engels desenvolveram a teoria da mais-valia, desvendando o mecanismo da exploração do trabalho pelo capital.
O socialismo pré-1848 florescera sobretudo na França, onde era maior a experiência revolucionária das massas do povo pobre. O marxismo desenvolveu-o, desvencilhou-o das ilusões utópicas, dotou-o de uma base de classe bem definida, de um programa claro e revolucionário.
A teoria e a prática da revolução proletária
O corpo teórico do marxismo, porém, não parou aí. Desde antes mesmo do Manifesto, Marx e Engels haviam proclamado que "os filósofos até hoje se contentaram em explicar o mundo, mas trata-se agora de transformá-lo".
A jovem ciência da revolução proletária nasceu, portanto, em íntima relação com a prática de sua classe. Acompanhava passo a passo a experiência, a vida e a luta dos trabalhadores, extraindo daí ensinamentos sempre renovados para aperfeiçoar-se – e sempre que necessário corrigir-se. Era um guia para a ação, um método que consistia essencialmente na análise concreta da situação concreta. Daí seu caráter vivo e dinâmico, em permanente desenvolvimento.
"O Capital é um Vampiro"
O capitalismo mudou em profundidade as relações entre as classes sociais.
Nos modos de produção anteriores, as classes trabalhadoras – escravos, servos feudais – eram sujeitadas através de meios não econômicos. E o mercado, embora existisse desde a Antigüidade, jogava um papel marginal: e produção, em geral, visava o consumo direto e não a comercialização.
No capitalismo, o mercado se agigantou até tornar-se a espinha dorsal de toda a economia. O mundo virou uma enorme feira livre global, onde tudo está à venda. À primeira vista, tanto o proletário como o burguês comparecem a esta feira em igualdade de condições: o primeiro é vendedor e o último comprador de determinada mercadoria – a força-de-trabalho. A contratação de um pelo outro é uma operação comercial como tantas outras. O burguês compra a força-de-trabalho de que precisa e paga o proletário com um salário.
Só o trabalho humano opera o "milagre da produção"
O valor da força-de-trabalho acompanha a lei do valor: como qualquer mercadoria, a força-de-trabalho vale o equivalente ao trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, no caso, para alimentar, vestir, abrigar e, numa palavra, manter vivo o assalariado e sua família. Se a força-de-trabalho é qualificada, o salário é maior, pois deve cobrir também os custos da qualificação do assalariado.
De posse da força-de-trabalho que comprou, o capitalista emprega-a no seu negócio – por exemplo uma indústria de tecidos. Ali já se encontram outras mercadorias, igualmente adquiridas na feira livre do mercado, o galpão da fábrica, os motores, os fusos, os teares, e a matéria-prima, algodão, lã, linho. Nosso proletário e seus colegas são postos para operar as máquinas, fiar, cardar, tecer, em uma palavra, produzir.
O trabalho humano opera aí o que poderia se chamar "o milagre da produção": ele cria valor. Sozinha, nenhuma das outras mercadorias que o burguês comprou teria esta capacidade. Mas o tecido fabricado pelas mãos e pelas mentes dos trabalhadores vale mais que a matéria-prima, mais o combustível, o desgaste das máquinas, etc., mais os salários.
Marx mostrou o mecanismo oculto da mais-valia
O valor assim criado forma o lucro do burguês, e a taxa de lucro é a relação entre ele e o capital investido. Porém a produção capitalista traz embutida uma outra relação, que Marx trouxe à luz em obras como Trabalho assalariado e capital, Salário, preço e lucro e principalmente O capital. Marx considerou a matéria-prima, o combustível, o desgaste das máquinas, etc. como capital constante, que, sozinho, não cria valor. E analisou o capital variável, agregado pelo trabalhador: uma parte é gasta no pagamento do salário; mas outra, embora criada pelo proletário, vai para o bolso do burguês, engordar seu capital. Esta segunda parte é a mais-valia; a taxa de mais-valia é a taxa da exploração do trabalho pelo capital.
Marx mostrou o mecanismo oculto dessa exploração. Explicou o porquê da acumulação crescente da riqueza, no pólo burguês, enquanto o pólo proletário só consegue o indispensável para sobreviver. "O capital – dizia – é trabalho morto, que, como um vampiro, só se anima sugando o trabalho vivo, e quanto mais ele suga mais alegre é sua vida".
Ao longo da segunda metade do século passado, essa análise foi convencendo parcelas crescentes do proletariado nos países onde o capitalismo se impunha. Quando Marx morreu, em 1883, milhões de trabalhadores já engrossavam os sindicatos e partidos operários de inspiração marxista.
Batismo de Fogo
A França em 1871 já vivia em grande medida em uma economia capitalista – embora a maioria da população vivesse no campo. Além disso, as transformações políticas burguesas tinham seguido ali um caminho radical e conturbado: a grande Revolução de 1792-1799, as Guerras Napoleônicas, a Revolução de 1830 e a de 1848 (ver o artigo 2 desta série). Em seu conteúdo básico esses movimentos tinham sido antifeudais, democrático-burgueses. Mas tinham também contado com maciça participação das classes trabalhadoras, inclusive o jovem proletariado francês, escolado como nenhum outro em insurreições e barricadas.
Apesar de tantas revoluções, o processo francês terminara truncado, desembocando no golpe de 1852 e no regime imperial "cesarista" (ditatorial) de Napoleão III. Em 1870 "Napoleão, o Pequeno" (apelido dado pelo escritor Victor Hugo) envolve-se numa desastrosa guerra com a recém-unificada Alemanha. Após a derrota estratégica de Sedan, o imperador cai, vem a República, mas a guerra continua e os alemães já estão às portas da capital. Os operários se armam, na Guarda Nacional, para defender Paris. Já o governo republicano de Thiers foge para Versalhes e assina um armistício com os alemães que é uma capitulação.
Uma semana de heroísmo até cair a última barricada
Uma tentativa de desarmar os operários precipita a insurreição. Em 15 de março de 1871 o Comitê Central da Guarda Nacional, em aberto desafio a Thiers, convoca a eleição do Conselho da Comuna, realizada dia 26. Os deputados eleitos ganham o mesmo que um operário comum e seus mandatos podem ser revogados a qualquer momento pelos eleitores. A influência marxista é minoritária no movimento, predominam os blanquistas.
O movimento começa a se estender às cidades de Marselha, Lyon, Toulouse e Saint-Étienne, mas a grande massa camponesa permanece apática. Já o governo de Versalhes, tão cordato no tratamento com o invasor alemão, trata os comuneiros a ferro e fogo. Thiers proclama, declara e repete que "a conciliação é impossível". O exército francês, com a ajuda das tropas alemãs que ainda ocupam os arredores de Paris, entra na cidade em 21 de maio. A resistência comuneira é heróica, mobilizando homens, mulheres, crianças. O combate desigual dura uma semana, até a queda das últimas barricadas nos bairros operários, dia 28. Desde o dia 24, começa o fuzilamento sumário dos revoltosos: o governo fala em 17 mil mortos, outras fontes em até 35 mil. Uma minoria (9.950 homens, 132 mulheres e 80 crianças) obtém o privilégio de comparecer aos conselhos de guerra, que decretam 270 condenações à morte e 7.523 à deportação.
Marx saúda a tentativa de "tomar o céu de assalto"
Termina assim, afogado em sangue, o primeiro e breve ensaio – apenas 74 dias – de um poder político dos trabalhadores. A burguesia européia – mesmo a mais liberal – aplaude a carnificina sem nenhum pudor. Já Marx e a Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) saúdam a ousadia dos comuneiros ao tentarem "tomar o céu de assalto". Marx estuda detidamente a experiência no livrete A guerra civil na França, aprendendo com ela, especialmente, a necessidade da revolução "quebrar" a máquina estatal do velho regime, construindo um novo aparelho de Estado, com um novo conteúdo de classe.
A Comuna serve de batismo de fogo para a luta do proletariado. A onda repressiva se espalha por outros países e termina obrigando a dissolução da Internacional. Mas o heroísmo e a dignidade dos derrotados, em contraste com a sanha assassina dos vitoriosos, contribuem fortemente para lançar luz sobre "a guerra civil mais ou menos subterrânea" (palavras do Manifesto comunista) que dilacera a sociedade moderna.
Acúmulo de Forças
A fase entre a Comuna de Paris (1871) e a I Guerra Mundial (1914) foi de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo. Uma burguesia cada vez mais possante enriqueceu "pacificamente", às custas de um proletariado cada vez mais numeroso. As guerras e revoluções ficaram confinadas na periferia do sistema.
O movimento operário inventa os partidos
Para o movimento operário e socialista esta foi uma fase de acúmulo de forças. O crescimento numérico e a relativa prosperidade industrial permitiam-lhe avanços, na economia e na política.
Os sindicatos cresciam em tamanho e prestígio. Greves e manifestações popularizavam – e, às vezes, impunham – a causa dos direitos trabalhistas, tendo como carro-chefe a luta pela jornada de oito horas: ao nascer, em 1890, o 1º de Maio era uma espécie de dia de greve geral internacional pelas oito horas. A extensão do direito de voto (embora quase sempre só para os homens) abria brechas para a participação dos trabalhadores na política institucional. A I Internacional dos Trabalhadores, sob forte perseguição policial, fora dissolvida em 1876, mas em 1889 nascia a II Internacional. Na sua base estavam os partidos operários, de orientação ou ao menos sob influência marxista, em geral adotando o nome de social-democratas. O padrão dos partidos modernos, do século 20, nasceu sobretudo dessas experiências.
O Partido Operário Social-Democrata da Alemanha (SPD), fundado em 1869, era o mais importante: mais sólido teoricamente, mais enraizado nos trabalhadores, nos sindicatos e entidades populares, com organização mais estruturada, imprensa mais ativa e uma legião de eleitores em rápido crescimento. Em 1871 o SPD tinha pouco mais de 1% do eleitorado alemão; em 1877, 7%. Em 1878-1890, o governo perseguiu-o com a lei contra o socialista, manteve encarcerado por cinco anos seu líder, August Bebel, mas o tiro saiu pela culatra: os votos social-democratas subiram para 20% do total em 1890 e 35% (110 deputados) em 1912.
Na virada para o século 20, o clima entre os socialistas era otimista: os trabalhadores continuariam crescendo em número, avançando em seus direitos, elevando sua consciência e organização… até realizar mais ou menos tranqüilamente, pela própria lógica desse avanço, a proposta do Manifesto comunista.
Surge o revisionismo: "O movimento é tudo…"
O conflito entre revolucionários e revisionistas mostraria que as coisas não eram tão simples. Ele veio à tona em 1899, quando o dirigente do SPD Eduard Bernstein publicou o livro O socialismo teórico e o socialismo prático.
Sem romper às claras com o marxismo, Bernstein pregava a revisão (daí o termo revisionismo) da sua essência revolucionária: julgava que o capitalismo se capacitara a superar suas crises, que o socialismo era possível mas não inevitável, e seria fruto da acumulação gradual e pacífica de pequenas conquistas. Seu lema – "O movimento é tudo, o objetivo, nada" – sintetizava o conteúdo de todas as tendências reformistas no movimento operário.
Contra Bernstein ergueram-se numerosas vozes, desde o então prestigiado Karl Kautsky e a jovem Rosa Luxemburgo, no próprio SPD, até Lênin, na Rússia. Ao menos na teoria, o marxismo revolucionário venceu essa primeira batalha contra o revisionismo. A fase de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo levara o movimento a certa acomodação. Quando a I Guerra inaugurou uma nova fase, de turbulência e crise revolucionária, o dilema entre o caminho da revolução e o do reformismo retornou com toda força, abrindo a primeira grande divisão do movimento.
O mundo sob o imperialismo
Na virada para o século 20, o mundo parecia relativamente tranqüilo (ver o artigo 6 desta série), mas era só aparência. Nas profundezas da base econômica, ocorriam transformações de grande vulto, destinadas a fazer a tranqüilidade saltar pelos ares. O capitalismo entrava em uma nova etapa, a do imperialismo.
Hoje, esta palavra ganhou uma carga ideológica tão forte que quem a profere é logo excomungado pelo "pensamento único" neoliberal. Há cem anos, porém, imperialismo era um termo de uso geral , inclusive pelos círculos oficiais imperialistas, e também por inúmeros estudiosos do fenômeno. Entre estes, merece destaque o dirigente marxista Vladimir Ilich – que usava o "nome de guerra" Lênin -, autor do livro O imperialismo, fase suprema do capitalismo (1916).
O capitalismo da época dos monopólios
Em resumo, Lênin encarava o imperialismo não como uma política, arquitetada pelos governantes das grandes potências, mas como uma realidade objetiva, fruto inevitável do próprio desenvolvimento capitalista. O capital, pelos mecanismos da concorrência no mercado, tende a se concentrar e centralizar. Já no fim do século 19 isso engendrara enormes conglomerados empresariais, com atuação global, na época chamados trustes, mais tarde multinacionais. Com uns poucos mega-grupos controlando os ramos-chave da produção, a livre concorrência dos velhos tempos cedia lugar a uma economia dos monopólios. O imperialismo – dizia Lênin – é o capitalismo da época dos monopólios. Os grandes grupos industriais foram também fundindo seus capitais com os dos grandes bancos, gerando o capital financeiro – uma poderosa oligarquia, verdadeira nata da burguesia.
Os monopólios atuavam no mundo todo, sem fronteiras. Além de exportarem produtos, passaram à exportação de capitais, inclusive na vasta periferia asiática, africana e latino-americana. O planeta foi repartido entre as mega-empresas. E, para garantir maiores privilégios, elas levaram os governantes de seus países a dominarem os países periféricos também politicamente. A forma típica de domínio era o colonialismo, em que as metrópoles governavam diretamente suas áreas de influência. Mas, já então, países formalmente independentes, como a China ou o Brasil, na prática caíam na "esfera de influência" de uma ou várias potências.
A guerra e as crises revolucionárias
Chegou um momento em que o mundo inteiro estava dividido entre as potências imperialistas – Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Japão e, com atraso, a Rússia. A expansão dos monopólios reclamava mais e mais domínios, porém não havia para onde se expandir a não ser avançando sobre áreas que já tinham "dono". Os conflitos decorrentes daí levaram à Grande Guerra (a I Guerra Mundial), que ceifou perto de 20 milhões de vidas entre 1914 e 1918.
O imperialismo e a guerra tiveram enorme impacto no movimento operário e socialista. Ao lado da contradição entre o capital e o trabalho, pelo menos duas outras entravam na ordem do dia: a que opõe os países dependentes às metrópoles; e a que opõe as potências e blocos imperialistas entre si. Era preciso enfrentar problemas completamente novos. A fase de desenvolvimento gradual e mais ou menos pacífico acabara. Com a guerra, crises revolucionárias instalaram-se em numerosos países. Os socialistas estavam chamados a, finalmente, realizarem o programa revolucionário do Manifesto comunista. Mas para isso deveriam primeiro superar sua própria crise interna, como veremos na próxima edição.
1914: a Grande Divisão
A Guerra de 1914-18 não foi surpresa. A II Internacional Socialista há muito debatia o tema, assumindo uma atitude internacionalista: os trabalhadores não deviam se matar uns aos outros em defesa dos interesses de "suas" burguesias, mas sim se opor à carnificina por todos os meios, sob o lema "guerra à guerra".
Porém, quando o conflito começou, aumentou brutalmente a pressão guerreira de cada bloco burguês sobre "seus" trabalhadores. E os partidos da II Internacional racharam de alto a baixo, em três tendências principais e incontáveis nuances.
A ala chauvinista, a de centro, a internacionalista
Em quase toda parte a maioria dos social-democratas aderiu à febre belicista: os alemães alegavam a necessidade de combater o absolutismo russo; os franceses, a urgência de libertar os povos oprimidos pelos impérios austríaco e otomano. Cada um tinha sua boa desculpa. A votação dos créditos especiais de guerra simbolizou essa atitude social-chauvinista (do francês chauvin, nacionalista reacionário, adepto do lema "Minha pátria, certa ou errada").
Uma facção de centro, minoritária mas com nomes famosos como Kautsky (ver o artigo 6), pregava a volta da paz, sem levar em conta as causas de fundo do conflito inter-imperialista. Tentava, em vão, colar os cacos da II Internacional.
Por fim, a ala esquerda manteve o internacionalismo. Propunha que os operários voltassem as armas contra "seus" burgueses, transformassem a guerra imperialista em guerra revolucionária. E denunciava sem piedade os social-chauvinistas e centristas.
Esta tendência era minoritária. Na Alemanha, a votação dos créditos de guerra só teve o voto contrário de um deputado, o jovem Karl Liebknecht – que em 1916 fundou com Rosa Luxemburgo a Liga Espártaco. Sua força era maior na Bulgária e especialmente na Rússia.
O papel do bolchevismo russo e de Lênin
A Rússia, um imenso império semi-asiático, atrasado mas em rápida industrialização, vivia sob a tirania dos tzares. Em 1905 passara por uma grande revolução operária e camponesa, projetando-se como referência internacional. O movimento operário e o partido marxista eram jovens, muito perseguidos, mas vigorosos. Havia também um ativo partido de base camponesa, o Social-Revolucionário.
A esquerda era forte na Rússia, tanto que fora apelidada de bolchevique (maioria). Tinha ligação de massas, imprensa atuante, tradição de luta em condições difíceis, a experiência de 1905 e uma direção muito firme, onde avultava a figura de Lênin.
A luta entre reformistas e revolucionários seguira ali um caminho próprio, mais nítido e precoce. O choque de idéias já era aberto em 1902, quando Lênin escreveu Que fazer?. Desde a Conferência de Praga (1910) os bolcheviques tinham sua organização própria , separada dos mencheviques (minoria).
Face à cisão do movimento, Lênin e os bolcheviques proclamaram as claras a "falência da Internacional" e a necessidade de se criar outra. Em relação à guerra, defendiam a luta pela derrota da "sua" burguesia.
Depois da histeria, o cansaço e a revolta
No início da guerra, os internacionalistas ficaram isolados. Uma ensurdecedora propaganda belicista embriagava as massas. Militantes bolcheviques linchados ao fazerem propaganda entre os soldados.
Esse clima foi mudando conforme o conflito se arrastava, com seu cortejo de mortes e mutilações, fome e barbárie. A histeria dos primeiros anos transformou-se em cansaço e a seguir em revolta. A esquerda começou a ganhar adeptos. Em 1917 passaria à ofensiva, tendo a Rússia como centro.
A Revolução de Outubro
Em fevereiro de 1917 uma revolução popular derrubou o Tzar. Sus forças motrizes foram os operários, camponeses e soldados (na maioria, camponeses fardados); as formas de luta, greve geral, protesto de massas, rebelião na tropa.
Nascem os soviets exemplo de democracia direta
A Rússia saiu da tirania tzarista para uma fervilhante liberdade. Os exilados retornaram. O governo passou aos cadetes (partido liberal-burguês, de oposição moderada) e em maio aos social-revolucionários e mencheviques.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores criavam os soviets (conselhos). Nascidos na Revolução de 1905, eles eram uma organização revolucionária de massas, ágil, desburocratizada, uma típica democracia direta, onde o trabalhador não só elegia representantes, mas participava. Agiam como verdadeiro poder paralelo.
Os soviets exprimiam a revolta dos trabalhadores com uma revolução que não resolvera seus problemas. Em especial, exigiam o fim da guerra. Após novas derrotas no front, as enormes Jornadas de Julho mostraram que o ímpeto revolucionário russo estava longe do fim. O livro Dez dias que abalaram o mundo, do jornalista norte-americano John Reed, reporta o clima reinante.
Da revolução democrática à revolução socialista
Após a Revolução de Fevereiro, os bolcheviques ainda eram minoritários. Até no Soviet de Petrogrado não chegavam a 20% dos votos. Essa correlação de forças se inverteu com uma rapidez que só a crise revolucionária permite.
Lênin voltou do exílio dando vivas ao socialismo. Defendeu, nas Teses de abril, que a revolução democrático-burguesa bem ou mal estava feita, era hora de passar à revolução socialista, sob o lema "Todo o poder aos soviets". Outro lema, "Paz, pão e terra", exprimia as tarefas imediatas da revolução. Em agosto, Leon Trotsky, recém-incorporado aos bolcheviques, foi eleito dirigente do Soviet de Petrogrado. A ala esquerda dos social-revolucionários aliou-se aos comunistas. Eram sinais de que os trabalhadores aprendiam com sua experiência.
Afora os soviets havia outro poder paralelo, da ultra-direita. O general tzarista Lavr Kornílov, chefe supremo do exército, rebelou-se em agosto visando restaurar o velho regime, fracassando devido à deserção de suas tropas. O episódio da "kornilovada" desmoralizou de vez o governo, que passara ao social-revolucionário de direita Alexandr Kerensky.
Estavam maduras as condições para transformar o lema "Todo o poder aos soviets", de palavra-de-ordem de agitação em palavra-de-ordem de ação, e em realidade.
No dia 7 de novembro (25 de outubro no antigo calendário russo), os marinheiros rebeldes do cruzador Aurora deram o sinal (uma salva de tiros). Houve resistência na tomada do Palácio de Inverno, sede do governo (descrita no belo filme Outubro, de Sergei Eisenstein), mas a insurreição triunfou nas maiores cidades com relativa facilidade, após poucos dias e uma centena de mortes. Seu primeiro decreto foi a reforma agrária entregando a terra aos que a trabalham. Em seguida, começaram as conversações de paz em separado com a Alemanha.
O verdadeiro enfrentamento veio depois: Kornílov e outros generais tzaristas reuniram os brancos (anti-bolcheviques, inclusive mencheviques e social-revolucionários) e tropas de 14 países na Guerra Civil. Mas trabalhadores e o novo Exército Vermelho, exaustos, e famintos, dessa vez tinham por que lutar. Após três anos de sacrifícios e heroísmo, a revolução antevista por Marx consolidava seu triunfo no mais vasto país da Terra.
A Ofensiva Nazifascista
A maré revolucionária de 1917 refluiu em 1923. O único estado socialista que vingou foi o soviético (afora a Mongólia). O capitalismo estava longe de se afiançar. Em 1929 mergulhou na Grande Depressão, que foi até emendar com a II Guerra Mundial (1939-45): falências em massa, colapso no comércio, desemprego nunca visto. No entanto, a crise não teve uma saída pela esquerda. Ao contrário, prevaleceu a resposta de ultra-direita, o fascismo.
Nos anos 20-30 os regimes fascistas se alastram
O fascismo é o nome da corrente de Benito Mussolini, que se impôs na Itália em 1922-44 (o nome vem do italiano fascio, feixe). Em sentido mais amplo, designa toda a onda de extrema direita que se alastrou na Europa nos anos 20-30 – de Portugal de Salazar à Polônia do marechal Pilduski (e influenciou o Estado Novo no Brasil). Outra designação, nazi-fascismo, indica também a principal variante fascista, o nazismo, que triunfou na Alemanha em 1933 com a ascensão de Adolf Hitler.
Na origem, o fascismo italiano e o nazismo alemão foram movimentos de massas, até com algum parentesco com as esquerdas. Mas logo assumiram uma postura ultra-conservadora, embora com bases em especial nas camadas médias empobrecidas pela crise e nos trabalhadores desempregados e desorganizados. Toda a ala direita das classes dominantes européias, assombrada pelo fantasma do comunismo, apostou no fascismo ou simplesmente aderiu a ele.
A ditadura mais terrorista do grande capital
Duas características definem o conteúdo do fascismo: o chauvinismo e o terrorismo.
O chauvinismo (de Chauvin, personificação, na França, do nacionalista fanático belicoso) explorava sentimentos nacionais, dando-lhes um sentido xenófobo e com freqüência racista. Exprimia os interesses das burguesias européias derrotadas na I Guerra Mundial – sobretudo a grande burguesia alemã.
O terrorismo se exprimia na pregação totalitária, antiparlamentar, anti-igualitária, antidemocrática. Não tolerava qualquer oposição e exigia cega obediência ao chefe (duce na Itália, fuhrer na Alemanha). Desde o início os nazifascistas declararam guerra ao comunismo, que consideravam seu pior inimigo. Incontáveis militantes foram encarcerados e assassinados. Na Alemanha, onde o Partido Comunista elegeu 100 deputados em 1932, Hitler logo que chegou ao governo montou uma farsa judicial para culpar o secretário-geral da III Internacional, o búlgaro George Dimitrof (1882-1949) pelo incêndio do Reichtag (parlamento). A farsa terminou em fiasco; Dimitrof, que fez sua própria defesa, foi libertado, mas a caça aos comunistas prosseguiu.
A política de frente da Internacional Comunista
O 7º Congresso da Internacional Comunista, (1935) traçou a linha geral para enfrentar essa ofensiva, sintetizada no informe de Dimitrof. A nova linha propunha a unidade antifascista. Preconizava a frente única (no seio da classe operária) e a frente popular (em plano mais) e o fim da fase de enfrentamento entre comunistas e social-democratas, que, ao cindir o movimento operário, facilitara a escalada fascista (caso da Alemanha).
Esta linha levou à vitória da esquerda na França, inspirou a heróica resistência da República Espanhola durante a Guerra Civil (vencida pelo fascista Franco) e repercutiu no Brasil, na formação da Aliança Nacional Libertadora. Orientou a Resistência nos países ocupados pelo Eixo durante a II Guerra. E inclui elementos que até hoje devem ser levados em conta – por exemplo na resistência à ofensiva neoliberal, que em vários aspectos se assemelha à ofensiva nazifascista.
A Guerra Antifascista
A ofensiva nazifascista assumiu, sobretudo após 1939, a forma de guerra de conquista – a II Guerra Mundial, maior conflito bélico da história. Após testar suas armas e tropas na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) trataram de impor uma redivisão do mundo sob sua hegemonia. A Alemanha hitlerista em poucos meses de blitzkrieg (guerra relâmpago) dominou grande parte da Europa. Em 1941, lançou o grosso de seus exércitos contra a União Soviética, violando o acordo de não-agressão de 1939.
O movimento operário, os social-democratas e principalmente os comunistas eram o alvo principal da fúria nazifascista. O dirigente comunista checo Júlio Fuchik deixou um eloqüente testemunho desta sanha – e da luta contra ela – no livro Testamento sob a forca. Em contrapartida, os operários conscientes estiveram entre os primeiros que se lançaram à Resistência. O combate aos nazistas e aos Quisling (nome de um fascista norueguês, sinônimo de colaboracionista) recorria a todas as formas: da participação nos sindicatos fascistas – para manter os vínculos com as massas – às ações clandestinas de propaganda, sabotagem e guerrilha. Na URSS a resistência ficou conhecida como Grande Guerra Patriótica – nome que indica uma flexão política, pois chamava à luta não só os partidários do socialismo, mas todos que desejassem enfrentar o invasor.
A batalha de Stalingrado marcou a virada na guerra
No início de 1943 as tropas de Hitler haviam ocupado a parte mais rica e populosa da URSS e estavam às portas das maiores cidades soviéticas, Moscou e Leningrado (hoje São Petersburgo). Os soviéticos adotaram uma estratégia de terra arrasada: evacuavam as áreas ocupadas, e organizavam guerrilhas na retaguarda alemã. Ocorreu então a batalha decisiva de Stalingrado, que marcou a virada em todo o curso da guerra.
Os alemães conquistaram a cidade de Stalingrado (hoje Volvogrado), após meses de cerco e feroz combate casa por casa. Buscavam o controle do petróleo do mar Cáspio, e o trunfo simbólico daquela que, desde a Guerra Civil (ver o artigo 9), chamava-se "Cidade de Stálin". Empenharam aí seu corpo de elite (o 6° Exército). Porém, assim que tomaram a cidade, viram-se por sua vez cercados e, após outros duríssimos combates, capitularam em 2 de fevereiro de 1942. A partir daí, o nazifascismo caiu na defensiva e começou a perder terreno.
A esquerda era quem dava o tom na Resistência
Para os povos sob o jugo fascista, Stalingrado foi o sinal de que era hora da contra-ofensiva. A Resistência, antes subterrânea, ganhou ímpeto. Chegara o momento da revanche pelos anos de terror e miséria do III Reich. As guerrilhas antifascistas ganharam caráter de massas, sobretudo nos Bálcãs (Iugoslávia, Albânia, Grécia), entre os maquis franceses e os partigiani italianos.
As forças da Resistência compunham um leque político-ideológico bastante variado, às vezes combatendo unidas, às vezes não. Havia grupos de direita, partidários da antiga ordem pré-fascista – às vezes com força, como os gaullistas (partidários do general de Gaulle) na França ou o Exército Secreto na Polônia. Mas quem dava o tom era a esquerda, com destaque para os comunistas. Na Iugoslávia e na Albânia a guerrilha comunista chegou a tomar o poder. Na Itália, capturou e executou Mussolini. Na França, o PCF conquistou enorme prestígio como "o partido dos 70 mil fuzilados" durante a ocupação.
Estava aberto o caminho para, como veremos, um novo e formidável ascenso da luta pelo socialismo no mundo.
O Socialismo se alastra
A derrota de Hitler na II Guerra abriu caminho para um ascenso sem precedentes na luta pelo socialismo em plano mundial. A União Soviética saiu do conflito como a grande responsável pela vitória. Os povos soviéticos, o PCUS e seu líder, Joseph Stálin [1879-1953], conquistaram enorme prestígio aos olhos das massas trabalhadoras e povos do mundo.
Europa e na Ásia criam as democracias populares
Na Europa Oriental de 1944-1946, surgiram das ruínas da Guerra os regimes de democracia popular, sob hegemonia comunista. Regimes com esse caráter se formaram na Polônia, Checoslováquia, Hungria, Alemanha Oriental, Romênia, Iugoslávia e Albânia. Ao lado de tarefas imediatas antifascistas, foram aos pouco assumindo também tarefas de passagem para o socialismo. Alguns deles tinham raízes próprias relativamente débeis, formaram-se basicamente graças à presença do Exército Vermelho da URSS. Outros tinham bases mais sólidas, forjadas na resistência aos invasores nazistas.
O vendaval revolucionário atingiu também a Ásia. Na China a luta armada continuou após o fim da II Guerra e da ocupação japonesa, agora opondo o Exército Vermelho, sob direção comunista, e as tropas de Chiang Kai-shek, com apoio dos Estados Unidos (ver o próximo artigo); a China Popular terminou triunfando, a 1º de outubro de 1949, enveredando a nação mais populosa da Terra rumo ao socialismo. No Vietnã o povo também pegara em armas, liderado pelos comunistas, e prosseguiu lutando, contra o colonialismo francês e contra o neocolonialismo norte-americano, até a vitória final em abril de 1975 (ver o artigo 15). Também na parte norte da Coréia, a guerrilha anti-nipônica levou a uma democracia popular.
Criou-se assim o chamado Campo Socialista. A experiência de construção da nova sociedade já não se resumia à URSS; transbordara para um conjunto de países, com um terço da população do planeta.
O ascenso chegou também ao Brasil
O ascenso atingiu com força os países que permaneceram no campo capitalista. Na Europa, o Partido Comunista Italiano alcançou 30% do total de votos do país, o Francês, 27%. Os movimentos sociais, em especial os sindicatos, iniciaram uma nova fase de expansão. A maré de esquerda chegou também à América Latina. No Brasil, forçou o fim do Estado Novo, a Assembléia Constituinte de 1945-1946, e deu ao Partido Comunista do Brasil, recém-saído da clandestinidade, 10% dos votos, 14 deputados federais e um senador (Luís Carlos Prestes).
A parte do planeta sob jugo colonial começou igualmente a se agitar. Em 1948 a imensa Índia, segunda nação mais populosa, sacudia o domínio britânico. As lutas patrióticas ganharam nova força na África e no mundo árabe. Ainda que os comunistas nem sempre fossem a força principal desses movimentos, em todos se fazia sentir o impulso do ascenso socialista. Conforme indicara Lênin, a luta pelo socialismo e a luta antimperialista dos povos subjugados convergiam em um mesmo sentido.
As potências capitalistas, já sob indiscutível hegemonia norte-americana, reagiram com um duplo movimento. Por um lado, os EUA puseram em ação o Plano Marshall, ajudando generosamente os regimes europeus que se opunham à guinada para a esquerda. Por outro, deflagraram a Guerra Fria, fustigando, econômica, política e militarmente o campo socialista em formação. O discurso do primeiro-ministro conservador britânico W. Churchill contra a "cortina de ferro", em março de 1946, marca o início da Guerra Fria, logo confirmada pelo engajamento dos EUA na Guerra da Coréia (1950-1953).
Revolução Chinesa
O evento revolucionário mais importante do século 20, depois de 1917, foi o triunfo da Revolução Chinesa, em 1º de outubro de 1949. Com ele, a velha China semicolonial e semifeudal deu lugar a uma nova China, democrático-popular, sob a direção do Partido Comunista Chinês (PCCh).
A transformação no país mais populoso da Terra tomou impulso no início do século. O império manchú, sustentáculo da ordem feudal e submisso às potências imperialistas que garroteavam a China, veio abaixo com a Revolução Democrática de 1911. À sua frente estava o Kuomintang (Partido do Povo do País) de Sun Yat-sen (1866-1925) – um intelectual convertido ao cristianismo, progressista, após 1917 aliado à Rússia Soviética.
Mao Tsetung e a linha da guerra popular
No entanto, a queda do imperador não levou a uma nova ordem estável. O Kuomintang só governava uma pequena parte da China. O restante ficou à mercê dos chamados senhores de guerra, chefes militares (em geral senhores feudais) que faziam a lei graças a exércitos privados. Em meio a um nascente movimento operário, agitações estudantís (Movimento 4 de Maio) e levantes camponeses, Sun Yat-sen lançou a Expedição ao Norte – uma operação militar contra os senhores de guerra. Dela participava o jovem Partido Comunista da China (PCCh), fundado por intelectuais em 1921. Em 1927, Chiang Kai-shek, sucessor de Sun Yat-sen no Kuomintang, deu uma guinada à direita, massacrando os comunistas nas cidades e os movimentos camponeses, e unificou o país sob uma ditadura militar, com apoio anglo-americano. O PCCh resistiu em suas bases camponesas no Sul: a guerra civil entrava em uma nova etapa (1927-1937).
Nessa fase, começaram a sobressair no partido as idéias de Mao Tsetung (1893-1976). Se a maioria da direção adotava uma via do tipo russo – inssurreição urbana com base operária -, Mao, com base nas particularidades chinesas, apontava outra linha. Na China, dizia ele, a revolução armada combate desde o início a contra-revolução armada. O proletariado e seu partido têm a direção, mas a força principal vem dos camponeses (80% da população). O caminho não é a insurreição, mas a guerra popular, prolongada, partindo do campo para cercar as cidades, recorrendo à guerrilha e à guerra de movimento.
Estas posições vingaram após o Exército Popular revolucionário sofrer uma profunda derrota militar, em 1934, tendo de abandonar suas bases no sul, na célebre Grande Marcha (mais de 10 mil km). Já sob a direção de Mao, formaram-se novas bases de apoio camponesas nas montanhas de Yenan.
A vitória de 1949, no quadro da Guerra Fria
Por esta época a situação sofreu uma mudança de fundo: o Japão militarista, aliado de Hitler anexou uma parte do país, entregou outra a um governo fantoche e enviou exércitos para ocupar o resto da China. Chiang Kai-shek foi preso por seus próprios generais e forçado a aliar-se ao PCCh, numa frente antijaponesa. A Revolução Chinesa entrou em sua terceira fase (1937-1945), vitoriosa com a derrota do Eixo na II Guerra.
O Exército Popular possuía então vastas bases no interior, reforçadas pela ofensiva da URSS na Manchúria. Já o Kuomintang alinhava-se aos EUA na Guerra Fria. Contrariando a opinião de Stálin, o PCCh enfrentou Chiang Kai-shek e a luta entrou em sua quarta fase, vencedora em 1949. Os contra-revolucionários fugiram para Taiwan (onde criaram a chamada China Nacionalista). Um quarto do gênero humano começava a construir uma nova sociedade, em busca de seu caminho para o socialismo.
Primeiros Passos da URSS
Para conhecer de fato a história da luta pelo socialismo, é indispensável examinar mais detidamente a trajetória soviética. Afinal, ela contém em si a principal vitória, a principal experiência e a principal derrota na construção da nova sociedade.
Não foi uma trajetória fácil, nem linear. Enfrentou contingências históricas em geral adversas. Comportou gigantescos enfrentamentos, no front das idéias ou no da luta armada, e conflitos mais ou menos subterrâneos. Atravessou também diferentes fases, com características próprias: 1) A Guerra Civil (1917-1920); 2) A Nova Política Econômica (1921-1927); 3) Os primeiros planos qüinqüenais (1928-1941); 4) A Guerra Patriótica contra o nazifascismo (1941-1945); 5) A eclosão da Guerra Fria (1946-1956); 6) A guinada revisionista de Kruschev (1956-1964); 7) A fase de lenta degradação (1964-1985); e 8) A fase final, de rápida degradação e crise terminal (1985-1991).
Comunismo de Guerra e Nova Política Econômica
O Estado dos Soviets venceu a Guerra Civil e a intervenção militar de 14 potências estrangeiras (ver artigo 10), pagando porém um preço altíssimo. Sofreu perdas territoriais (Polônia, Estados Bálticos e Finlândia, que integravam o antigo império russo). Sua já atrasada e combalida economia entrou em colapso. As cidades se esvaziaram. O povo passava fome. A política econômica da época, conhecida como Comunismo de Guerra, subordinava-se às imposições do combate à contra-revolução armada.
Logo após a vitória, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (nome adotado em 1922) adotou outra linha, conhecida como NEP (Sigla de Nova Política Econômica). Lênin, ao defendê-la, reconhecia francamente que era uma linha de concessões ao capitalismo. Justificava-a devido ao secular atraso e ao lastimável estado da economia. Ela incluía a vigência de relações mercantís no comércio interno, na produção camponesa, e em especial o emprego do capitalismo de Estado – empresas onde o poder socialista se associava a capitais privados, inclusive estrangeiros. A orientação socialista era garantida pelo Estado soviético, que controlava o comércio externo, os bancos e a grande indústria.
A NEP surtiu efeito: em 1927 a produção retornou ao nível anterior à guerra de 1914. Ao mesmo tempo, deixou importantes indicações – nem sempre valorizadas – sobre os caminhos da passagem ao socialismo em países atrasados como a Rússia.
A morte de Lênin e a ascensão de Stálin
Também na esfera política os primeiros anos da URSS foram tumultuados. Em 21 de janeiro de 1924 morreu Lênin, com apenas 53 anos de idade, após longa doença agravada pelo atentado político que o ferira em 1920. Chorado pelos trabalhadores no mundo inteiro, o líder da Revolução de Outubro deixou a construção da nova sociedade ainda em seus primeiros passos.
A direção do PC(b)US passou Joseph Vissarianovic Djugashvili (1879-1953), um veterano bolchevique georgiano, secretário-geral do partido, mais conhecido por seu nome frio, o "Homem de Aço", Stálin. Começou então uma fase de luta interna aguda, polarizada por León Trotsky (1879-1940), que contestava desde a NEP até a viabilidade da construção do socialismo em um só país. Trotsky terminou derrotado, expulso do partido (1927) e banido (1929), passando a liderar o movimento que daria lugar às atuais tendências trotskistas.
Dentro da URSS, prosseguiu o debate sobre os rumos da construção socialista, já no ambiente mundial carregado pela escalada do nazifascismo (ver artigo 12). Em 1928 a política da NEP foi substituída por uma ofensiva geral socializante, concretizada na política dos planos qüinqüenais.
Acertos e Desacertos Soviéticos
Em 1928 a URSS passou da NEP (ver o artigo 15) para a política dos planos qüinqüenais, de completa socialização. Em 1930-33, a coletivização agrícola reuniu as pequenas economias camponesas em grandes cooperativas – os kolkozes.
As transformações foram fulminantes, causando transtornos, inclusive políticos e especialmente no campo. Porém tiveram um sucesso econômico estupendo, ainda mais em contraste com a crise de 1929 no mundo capitalista. Nos dez anos entre 1929 e 1938, segundo fontes norte-americanas, o PIB da URSS cresceu 72%, enquanto o da Alemanha crescia 40% e o PIB dos EUA diminuía 6,2%.
A economia soviética tornou-se a segunda maior do planeta. Instalou-se o pleno emprego – nem um só desempregado. E o povo melhorou sensivelmente de vida, fosse em termos de alimentação, de instrução ou de saúde. Era essa a base real do enorme e crescente prestígio do regime soviético, do Partido Comunista e de Stálin, dentro e fora do país, durante toda a época de ascensão socialista que vai até os anos 50.
Insuficiências e erros: o porquê da derrota
Porém ao lado dos êxitos, havia insuficiências e erros também inegáveis. E eles merecem a maior atenção, pois no fundo explicam o porquê da guinada de direita em 1956, do retrocesso posterior e da derrota final da experiência soviética.
Provavelmente os êxitos subiram à cabeça da direção. A teoria, em vez de avançar sempre mais, estagnou-se e "manualizou-se". Já então surgiam manifestações de burocratismo, carreirismo, nepotismo e formalismo, que mais tarde se generalizaram.
O Estado dos Soviets, nascido como um poder exercido pelas massas trabalhadoras, muito mais democrático que a mais democrática república burguesa, foi por assim dizer se enferrujando. Aos poucos, centralizou-se, passou a violar a legalidade e abusar da repressão policial. A soberania popular tornou-se passiva e acrítica, sob o pretexto de que "a direção sabe o que faz".
A direção cabia ao partido, o PCUS. Porém este foi se confundindo com o Estado e as entidades de massas, açambarcando tudo, tratando de tudo, mas isolando-se das massas e renunciando à condição de destacamento de classe. Dentro do partido, as decisões se concentravam na direção e em Stálin, que passou a ser endeusado. Fora dele, a iniciativa criadora das massas e o controle operário de baixo para cima, tão valorizados por Lênin, tornou-se formais.
Essas deformações se manifestaram até no campo das ciências e das artes. Conhece-se o alto preço que elas impuseram à biologia soviética, assim como a mediocridade que se abateu sobre a talentosa pátria de Maiakovsky e Eisenstein depois que entraram em vigor as normas da "arte do realismo socialista".
Sentido histórico pioneiro da experiência soviética
Essas insuficiências e erros devem ser encaradas com rigor. Ao mesmo tempo, há que situá-las historicamente: a URSS realizava uma experiência pioneira, sem precedentes na trajetória da humanidade, sem exemplos nos quais basear-se (afora a fugaz Comuna de Paris, ver o artigo 4) e em condições internas e externas extremamente difíceis. Era até certo ponto compreensível que cometesse erros, assim como se compreende que uma criança de colo tropece e caia ao aprender a andar.
Hoje, o acervo dos acertos e desacertos da experiência soviética serve como um valiosíssimo referencial. Os lutadores pelo socialismo aprendem com eles – inclusive com os erros! – para melhor conduzir as experiências de um socialismo renovado que nos esperam no século 21.
Direita Volver
Os erros referidos no artigo anterior se agravaram após a II Guerra, servindo de base e, ao mesmo tempo, de álibi para uma guinada à direita da direção soviética, nos anos 50. Stálin morrera em 1953, reverenciado na URSS e em todo o mundo. Nikita Kruschov (1894-1971) assumiu a secretaria-geral do partido e, no célebre 20º Congresso do PCUS (1956) lançou a nova orientação, enquanto atacava Stálin em seu "Relatório secreto", a pretexto de combater o culto à personalidade.
Resposta oportunista para problemas reais
A política do 20º Congresso ficou conhecida pelo lema dos "Três pacíficos": coexistência pacífica e competição pacífica com o capitalismo, transição pacífica para o socialismo. Na verdade, não se reduzia à oposição entre meios pacíficos e violentos. Era toda uma nova linha geral, uma resposta de direita para os problemas reais que vinham se acumulando.
Em 1957 esboçou-se uma reação neste rumo, liderada por Molotov, Malenkov e Kaganovitch, prestigiados expoentes da velha guarda bolchevique, porém por vias burocráticas e cupulistas. O Comitê Central chegou a votar a destituição de Kruschov, mas foi cercado pelos tanques de um general pró-Kruschov, a votação foi revertida e os antikruschovistas expulsos como "grupo antipartido". A base partidária e as massas assistiram a tudo passivamente, adormecidas pela cantilena de que "a direção sabe o que faz".
A nova direção soviética tratou de repassar a linha do 20º Congresso para todo o movimento comunista mundial, nas reuniões de 1957 e 1960, esta com 81 partidos comunistas e operários de todos os continentes. A maioria das direções partidárias acompanhou-a – uns por seguidismo, outros por convicção. Mas houve também fortes resistências, abrindo uma fase de polêmica e divisão. Os partidos da China e da Albânia, no poder, contestaram a orientação soviética, assim como o do Vietnã – que dirigia uma heróica guerra popular contra a agressão norte-americana (veja o próximo artigo). Muitos partidos se cindiram em uma ala pró-Kruschov – em geral majoritária – e outra anti-revisionista. Em nosso país a cisão, referenciada sobretudo nas questões da revolução brasileira, levou à reorganização do Partido Comunista do Brasil, em 1962.
Lições da luta contra o revisionismo soviético
Kruschov promoveu sua guinada às claras, mal mantendo uma precária folha de parreira "marxista". Após derrotas nos planos externo (crise de Berlim, 1958, crise dos mísseis em Cuba, 1962) e interno (fracassos na agricultura), terminou caindo, em 1964. A direção do PCUS passou a Leonid Brejnev, que manteve o mesmo curso geral porém de forma matizada, preocupando-se com as aparências e até polemizando com oportunistas mais assumidos como os "eurocomunistas". A URSS passou a uma degradação lenta e encoberta, até a crise terminal da perestroika (reestruturação), com Mikhail Gorbachov, que retomou o oportunismo assumido de Kruschov e terminou de enterrar a experiência iniciada em 1917.
A história deu razão, portanto, aos que denunciaram e combateram o revisionismo soviético (veja o artigo 6). A linha revisionista – marxista em palavras, mas abandonando a essência revolucionária do marxismo – conduziu de fato à derrota, à capitulação face ao capitalismo em geral e aos EUA em particular. Ao mesmo tempo, hoje fica claro que este combate foi unilateral: ao denunciar a traição revisionista, caiu no equívoco de defender em bloco a fase anterior, sem apontar os erros que, já então, abriam caminho para a guinada à direita e o desvirtuamento do socialismo soviético.
Da Crise ao Colapso
A guinada à direita na direção da URSS abriu uma etapa de paulatina degradação da experiência socialista: queda permanente dos índices econômicos; queda também dos índices de bem-estar social, criando um clima de surda insatisfação; desigualdades crescentes entre as massas do povo e a elite dos aparatchik (homens do aparato), que foi virando uma casta privilegiada; desprestígio internacional (sobretudo após a invasão da Tchecoslováquia, em 1968); e derrota militar (a desastrosa ocupação do Afeganistão, que se converte no "Vietnã da URSS").
Esse socialismo degenerado ainda assim jogava um papel mundial positivo, ao se contrapor à superpotência norte-americana. E também internamente mantinha não poucas conquistas da fase de construção, embora degradando-as. Hoje está claro que o combate dos marxistas-leninistas ao revisionismo, embora essencialmente justo, pecava por simplificação ao caracterizar a URSS dos anos 60 em diante como uma superpotência capitalista, social-imperialista, e ponto final.
Mikhail Gorbatchev, o coveiro do socialismo
Em 1985, após uma rápida sucessão de herdeiros de Brejnev, subiu à direção soviética Mikhail Gorbatchev, logo saudado pela mídia ocidental como um grande estadista. Em 1987 Gorbatchev lançou o livro Perestroika (reestruturação), retomando a linha kruschovista, de um direitismo mais assumido, mas sempre maquiado de "socialismo avançado". A gestão de Gorbatchev foi um completo desastre. Por um lado, a crise objetiva da experiência soviética entrou na sua fase aguda: o que ocorria em câmara lenta ganhou um ritmo vertiginoso. Por outro, a linha da Perestroika em vez de combater impulsionou o colapso.
Na virada dos anos 90 eclodiu a crise terminal. A justa revolta das massas, em especial da juventude, explodiu em protestos abertos, habilmente manipulados pelas forças internas e externas pró-capitalistas. Os fatos-símbolo dessa fase são a derrubada do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e a destruição das estátuas de Lênin. Da Europa Oriental o colapso passou à URSS, com a secessão das repúblicas soviéticas, a começar pelas bálticas. Gorbatchev perdeu o controle da derrocada que ajudara a detonar. Apesar do aplauso dos EUA de Ronald Reagan e da Inglaterra de Margaret Thatcher, dentro da URSS era impopularíssimo, pois as condições de vida despencavam sempre mais. Terminou superado por Bóris Ieltsin, um anticomunista sem máscara, que em junho de 1990 elegeu-se presidente da Rússia.
Em agosto de 1991 um grupo de dirigentes tenta reverter a derrocada e destitui Gorbatchev. Porém tal como em 1957 a tentativa é burocrática, cupulista, um golpe de estado sem respaldo de massas. Ieltsin aproveita a oportunidade para defenestrar Gorbatchev, dissolver formalmente a URSS e enveredar pela plena restauração capitalista, conforme o modelo neoliberal.
Terror e miséria na Rússia pós-soviética
A Rússia pós-soviética já conta quase uma década, sempre sob a batuta de Ieltsin, com apoio decisivo dos EUA. No balanço dessa fase, três fatos se destacam.
A restauração plena do capitalismo vem se mostrando muito mais difícil e traumática do que imaginavam Ieltsin & Cia – o que comprova o quanto foi profunda a experiência socialista na URSS, distintamente do que ocorreu na Europa Oriental. Em particular, ele se depara com a inexistência uma classe burguesa formada. A "nova acumulação primitiva" que procura formá-la baseia-se no banditismo organizado de tipo mafioso.
A piora das condições de vida do povo atingiu níveis raramente vistos na história mundial em tempos de paz. O dado mais eloqüente é a expectativa média de vida, que entre 1989 e 1994 caiu 2,8 anos, na população feminina, e 6,5 anos na masculina (!).
O povo trabalhador, antes tarde do que nunca, desperta do torpor e das ilusões, retoma suas tradições combativas e sai às ruas. Significativamente, a fortíssima oposição tem à frente o Partido Comunista da Federação Russa – que embora sem levar até o fim o exame autocrítico da experiência soviética tem uma plataforma de firme oposição ao ieltsenismo. A história também ali está longe de acabar.
A Revolução Vietnamita
A crise da experiência soviética, apesar de seu papel negativo, não deteve a luta pelo socialismo e os movimentos de libertação nacional. Nos anos 60 e 70, uma epopéia deste combate emocionou o mundo: a Revolução Vietnamita.
Um povo disposto a tudo pela liberdade
O Vietnã possui uma cultura multimilenar, relacionada com a chinesa mas muito ciosa de sua independência. Em 1857-1884 foi submetido ao domínio colonial francês (que se estendia ao Laos e Cambodja, formando a Indochina Francesa). A classe dominante feudal se acomodou, mas o povo trabalhador buscou o caminho da resistência. Em 1930, fundou o Partido Comunista, tendo à frente Ho Chi-min – poeta e ex-marinheiro que correra o mundo, conhecendo a França, a URSS e até o Brasil. A ação anticolonial aumentou.
Durante a II Guerra, a França capitulou face aos alemães, e as autoridades da Indochina Francesa fizeram o mesmo frente aos japoneses. Os vietnamitas, porém, formaram o Vietmin e partiram para a guerrilha, pelo fim de todo jugo estrangeiro.
Finda a guerra, em 1945, a França tratou de recuperar sua colônia, mas deparou com um povo armado e disposto a tudo pela liberdade. Irrompeu um segunda guerra de libertação. Os vietnamitas, após anos de guerrilha, venceram a batalha decisiva de Diem Bienfu (1954), forçando a retirada francesa. Porém pelo tratado de paz o país foi dividido em dois: o Norte, onde a guerrilha era mais forte, levou Ho Chi-min à presidência, fez a reforma agrária e iniciou a construção socialista. Mas o Sul caiu sob a ditadura de Ngô Diem e do neocolonialismo americano. Um plebiscito, previsto para reunificar o país, jamais ocorreu.
O triunfo de Davi sobre o Golias imperialista
A guerrilha recomeçou e Diem retrucou chamando tropas dos EUA. De 1962 a 1968, estes puseram no Vietnã até 550 mil soldados. Fiados no seu colossal poderio econômico e militar, nem pensavam em uma derrota.
Porém aquele povo de camponeses miúdos e tenazes deu ao mundo um exemplo talvez sem igual de unidade e bravura. Cavou centenas de quilômetros de túneis, fez granadas com ninhos de marimbondos, montou um sistema de transporte por bicicletas… Em breve, o planeta assistia abismado ao triunfo do Davi guerrilheiro sobre o Golias imperialista. Em 1968, a Ofensiva do Tet acuou os marines em umas poucas cidades, enquanto as áreas rurais eram bases da guerrilha vietcong (vietnamita comunista, apelido depreciativo dados pelos americanos).
Os cadáveres de marines não cessavam de chegar aos EUA, envoltos em plástico negro. O governo de Washington passou a encarar outro front, com a juventude americana erguendo-se em enormes manifestações pacifistas. E as próprias tropas começavam a se desagregar, com deserções e rebeliões. O governo Nixon decidiu então pela vietnamização da guerra: os EUA entrariam apenas com as armas, o dinheiro, os bombardeios indiscriminados do Vietnã do Norte.
Mais uma vez os vietnamitas resistiram, e avançaram, até que os EUA propuseram conversações de paz, em Paris. Estas chegaram a uma solução de compromisso, mas em seguida os combates reiniciaram, já com os EUA completamente impedidos, pela opinião pública interna e mundial, de se engajar mais a fundo. Em 30 de abril de 1975, uma ofensiva final da guerrilha libertou a capital do Sul, Saigon (hoje Ho Chi-min). Os últimos soldados americanos, e seus testas-de-ferro vietnamitas, fugiram às pressas, em helicópteros superlotados. O país, reunificado e em paz, iniciou um longo trabalho de construção, que o converteu em uma espécie de "tigre asiático vermelho".
A Revolução Cubana
A Revolução Cubana triunfou quando a União Soviética já estava sob direção kruschovista. Seu alcance mundial, e especialmente latino-americano, traz esta marca.
Da guerrilha à vitória e às convicções socialistas
Cuba vivera na virada do século 20 um processo revolucionário avançado, dirigido por José Martí, mas este fracassara e a ilha vivia sob abjeta dependência dos Estados Unidos. O regime de Fulgêncio Batista, rapidamente se despira das cores progressistas iniciais para assumir as de uma típica tirania latino-americana.
De outro lado, o Partido Comunista Cubano sofrera forte influência do liquidacionismo browderista (do norte-americano Earl Browder), que pregara em 1944 a sumária extinção dos partidos comunistas. O Partido cubano chegara a mudar de nome, para Partido Socialista Popular (PSP); estava despreparado para assumir um papel de vanguarda.
No vácuo assim criado, um jovem advogado assumiu a contestação radical da ditadura de Batista. Chamava-se Fidel Castro e dirigiu, em 26 de julho de 1953, o assalto ao quartel de Moncada. Derrotado, preso, defendeu-se com um libelo – A história me absolverá – e fundou no exílio o Movimento Revolucionário 26 de Julho. Não era então marxista, mas um seguidor de Martí. Em 2 de dezembro de 1956 o 26 de Julho desembarcou 72 homens em Cuba, vindos do México no iate Granma, e após perder muitos deles iniciou a guerrilha na Sierra Maestra. Com apoio de uma frente que incluía o PSP, galvanizou a oposição e em 1º de janeiro de 1959 entrava triunfalmente em Havana.
No início os EUA, incomodados com a impopularidade de Batista, não hostilizaram Fidel. Mas quando Cuba iniciou a reforma agrária e o estímulo a movimentos similares na América Latina, o Império do Norte tratou de derrubar Castro. Em abril de 1962, financiou o desembarque de mercenários na baía dos Porcos. Cuba reagiu radicalizando-se. Fidel, sob influência de seu irmão Raul Castro e do jovem médico-guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara, aderiu ao marxismo e aproximou-se da URSS. Em 1963, o 26 de Julho e o PSP se fundiam, com predomínio do primeiro, no Partido Comunista.
A crise mostra quem são os revolucionários
Ao enveredar pelo socialismo, Cuba alinhou-se em geral com a URSS de Kruschov & Cia, porém desobedecendo amiúde o seu reformismo. Estimulou os movimentos revolucionários, especialmente na América Latina e na África, onde o Che combateu até seu assassinato na selva boliviana. Também internamente seguiu um curso original, com raízes no legado de Martí e no elã do 26 de Julho, valorizando o papel da consciência na transformação da realidade.
A prova de fogo da experiência cubana veio na virada dos anos 90. Com a derrocada soviética, cessou bruscamente a ajuda econômica de Moscou. A economia da ilha entrou em colapso, o povo passava fome e os observadores previam uma iminente capitulação do tipo europeu.
Cuba, porém, resistiu e resiste. Em um cenário de imensas dificuldades, manteve a bandeira da revolução. É certo que faz concessões, inevitáveis e até indispensáveis nas circunstâncias. Abriu espaço para iniciativas capitalistas, investimentos estrangeiros. Em política externa, busca uma ampla união antineoliberal e recebeu festivamente em 1997 a visita do papa. Por esta senda, escarpada e sinuosa, vai superando os desafios de manter as conquistas da Revolução. É nas crises mais agudas que se fica sabendo quem é de fato revolucionário. E a sustentação de Cuba revolucionária, a 160 km de Miami, continua a encorajar as forças revolucionárias latino-americanas.
Os Comunistas na Virada do Século
O colapso da experiência soviética, por um lado, e a ofensiva do neoliberalismo, por outro, criaram uma situação nova para o movimento comunista mundial. Evidentemente, uma situação de dificuldades, de uma luta de resistência, a partir de posições defensivas. Porém, paradoxalmente, também uma situação de reencontro, renovação autocrítica e relançamento.
Os muitos caminhos que levam à mesma trincheira
Diz o ditado que se conhece os bons amigos nos maus momentos. A fase aguda da crise do socialismo confrontou os partidos comunistas com enormes desafios, desde o plano da prática até o dos fundamentos teórico-ideológicos. Os que venceram esta prova de fogo saíram revitalizados. E ao ultrapassá-la identificaram não poucos companheiros de combate que haviam percorrido trajetórias convergentes, embora diferenciadas. Alguns exemplos podem ajudar:
A via percorrida pelo PCdoB – assim como o caminho, distinto, do PC da China – marcaram-se desde o início pela denúncia e o combate frontais ao revisionismo soviético. E não há como negar-lhes razão, hoje que a tragédia soviética chegou ao fim. Mas outros destacamentos marxistas trilharam itinerários diferentes e nem por isto deixam de se encontrar hoje na mesma trincheira.
Vários partidos, em especial na Ásia, adotaram uma postura de neutralidade face à grande cisão do movimento comunista 40 anos atrás. Foi, em especial, o caso do Vietnã e o da Coréia. Porém o duríssimo teste da última década evidenciou que não foi uma daquelas neutralidades de fundo oportunista que apenas escondem a capitulação. Pelo contrário, passada a tempestade, mantêm hasteadas as suas bandeiras.
Houve os que formaram ao lado da URSS na grande polêmica dos anos 60, porém mantendo certa independência. Foi o caso do PC Cubano, cuja política na América Latina e em seguida na África não poucas vezes desafiava abertamente as diretivas de Moscou.
Houve ainda os que acataram a linha internacional que vinha do "partido-pai" soviético, porém mantiveram tenazmente, em seus países, políticas e condutas de classe e de combate, opostas ao revisionismo. Entre estes, poderíamos citar o PC Português, na resistência ao salazarismo, no apoio à luta armada nas colônias e no impulsionamento da crise revolucionária de 1974-75. Ou o do Chile, protagonista da mais firme resistência à ditadura Pinnochet. Ou da Colômbia guerrilheira. Ou ainda o da África do Sul, força principal do CNA e da autêntica revolução vitoriosa naquele país com a eleição de Mandela, em pleno apoteose mundial do neoliberalismo.
Em outros exemplos, o contágio do oportunismo, embora maior, foi alvo de lutas internas e processos autocríticos. Algumas vezes não se chegou ainda a um desfecho, como na França. Em outras, o oportunismo radicalizado ficou em maioria e obrigou a refundação do Partido Comunista, como na Itália. Na própria Rússia, um jovem partido comunista com vasta base de massas renasce das cinzas da crise pós-soviética.
Os muitos caminhos que levam à mesma trincheira
De todas essas trajetórias distintas, e em todos os quadrantes da Terra, emerge uma postura comum: de aprendizado com os acertos e erros do passado, de resistência à ofensiva neoliberal e busca dos caminhos do socialismo nesta alvorada do século 21.
Este reencontro ainda está em andamento, até porque carece ainda de um referencial do porte do que foi a Revolução de 1917. Mas já se percebe a olhos vistos o seu avanço, à medida que a ofensiva neoliberal perde ímpeto, revela seus limites e impõe aos trabalhadores a necessidade de voltarem à arena da luta de classe.
A Ofensiva Neoliberal
À medida que a experiência soviética desmoronava, o capitalismo, sob comando norte-americano, passou afanosamente à revanche. O porta-estandarte do contra-ataque foi Ronald Reagan, presidente republicano dos EUA nos anos 80, secundado pela ultra-conservadora primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher e por Mikhail Gorbatchev (ver o artigo 18) na própria URSS.
A desforra burguesa continua até hoje e tem alcance mundial. Por sua natureza e porte, assemelha-se à outra grande investida reacionária do século, a nazifascista, de 1922-43. Seus defensores chamam-na "globalização", mas hoje ela é conhecida como ofensiva neoliberal. Pode ser definida como a ofensiva geral do capital, e em especial dos EUA, em condições de renovação tecnológica e estagnação produtiva.
O ataque geral da burguesia e dos EUA
Ofensiva, porque aproveita a derrota temporária do socialismo e dos trabalhadores para assumir a iniciativa e ditar sua lei. Os lutadores pelo socialismo, mesmo se estão no poder, são forçados a usar estratégias defensivas, de resistência e acúmulo de forças.
Geral, porque o neoliberalismo não é um simples receituário econômico, ou econômico-social. Atua na política, mutilando direitos como a liberdade partidária e aprovando reformas conservadoras como o instituto da reeleição no Brasil, Argentina e Peru. Recorre à ação militar, como na Guerra do Golfo (1990-91), no bombardeio da Iugoslávia (1999) e várias agressões de menor porte. Manifesta-se na ideologia, através do "pensamento único" que orquestra a mídia planetária. Nada lhe escapa: é uma ofensiva em toda linha.
Do capital, porque tem claro caráter de classe, da burguesia contra os trabalhadores. Desde 1917, e mais ainda após 1945, o sistema burguês tolerara não poucas conquistas sociais (ver o artigo 13) por medo do socialismo: cedera os anéis para não perder os dedos. Agora, quer os anéis de volta… Em toda parte, inclusive EUA, Europa e Japão, os assalariados perdem prerrogativas sociais, crescem a concentração de renda e a exclusão.
Em especial dos EUA porque o neoliberalismo não beneficia por igual todos os segmentos burgueses, privilegia o grande capital imperialista americano. Na chamada "globalização", ele é o "globalizador", os outros são os "globalizados". As maiores vítimas são as nações dependentes, mas até a Europa e o Japão têm de engolir indigestos sapos, no incômodo papel de sócios minoritários em um mundo unipolar.
A ofensiva começa a dar sinais de esgotamento
Por fim, a ofensiva neoliberal é condicionada pela renovação tecnológica e a estagnação produtiva, que a um só tempo a impulsionam e a fragilizam. O impulso vem principalmente do desemprego, que represa as lutas dos trabalhadores. Já a fragilidade vem da constatação – hoje estatisticamente demonstrável – de que a receita neoliberal não garante sequer uma fase de prosperidade burguesa. O bolo da riqueza não cresce. A fatia dos trabalhadores diminui. E a luta antineoliberal vai se impondo como única saída.
Assim, a ofensiva leoliberal perde ímpeto e dá sinais de esgotamento. Na Europa, quase todos os neoliberais assumidos já foram apeados do poder. Na Ásia, a crise de 1997 deflagrou uma onda de mobilizações e instabilidade política. E na nossa sofrida América Latina, talvez a maior vítima da onda neoliberal, a mudança é patente – seja na tendência das urnas venezuelanas, argentinas, uruguaias e chilenas, seja na Colômbia conflagrada ou no Brasil, México, Equador. Não é ainda o fim da ofensiva, mas são, sim, os prenúncios do fim.
O Século 21 Será Socialista!
Concluída esta breve História da luta pelo socialismo, podemos olhar para trás e abranger com a vista o conjunto do percurso. Por certo não foi – nem é, nem será – um passeio. Os homens e mulheres que o trilharam tiveram de abrir caminho combatendo a cada passo inimigos poderosos, impiedosos e traiçoeiros. Foram forçados, ao mesmo tempo, a desbravar trilhas nunca antes palmilhadas, veredas escarpadas, sinuosas, com freqüência escorregadias, cheias de encruzilhadas e desvios. Tiveram ainda de arcar com o peso de suas próprias limitações e erros, pois eram – e são, e serão – simples homens e mulheres de carne e osso.
Tudo isso só os engrandece. Realizaram uma proeza sem igual na saga da raça humana, uma epopéia do tamanho da Terra, cheia de amor e fúria, destemor e generosidade, consciência e sonho. Já somam muitas gerações, e incontáveis milhões, cada um com seu modesto heroísmo de sonhadores combatentes. Ou não era uma heroína a tecelã inglesa dos anos 1830, descalça e analfabeta, que após doze horas na fábrica ia em busca de quem lhe lesse os panfletos dos cartistas?
Nossa marcha começou há apenas 150 anos…
Nosso relato pára aqui, mas a marcha da história real segue, sempre combatendo, dia após dia, sem descanso. É certo que ainda não vencemos, ainda carregamos os grilhões da escravidão assalariada, não saímos do Reino da Necessidade para o Reino da Liberdade. E daí? Temos apenas um século e meio, um pouco mais se incluímos o socialismo pré-Manifesto Comunista. Aos olhos da história, somos quando muito adolescentes. Se usamos a Europa como referência, a Antigüidade escravista levou mais de 2 mil anos para sucumbir, sob as ruínas do Império Romano, e o feudalismo durou outro milênio, até ser varrido pelas revoluções dos séculos 18-19. A burguesia nasceu em sua primitiva versão mercantil por volta do século 15, e só em meados do século 19 se afiançou no poder – já com o proletariado nos calcanhares. É natural que a transformação socialista, cem vezes mais radical – pois rompe com todos os sistemas baseados na exploração do homem pelo homem -, esteja ainda a caminho.
Historicamente, a luta pelo socialismo atravessou duas grandes crises: A primeira, surgida da Guerra de 1914, foi superada no plano teórico pelo leninismo e no prático pela Revolução de 1917. A segunda instalou-se com a regressão soviética, e continua até hoje. Porém há crises e crises. Umas acometem sistemas caducos, retrógrados, e precipitam sua morte. Outras atingem as propostas históricas novas, progressistas, e ao serem enfrentadas desembaraçam seu avanço. As vicissitudes das últimas décadas podem muito bem ser a crise de adolescência da luta pelo socialismo.
A ofensiva começa a dar sinais de esgotamento
No plano objetivo, o próprio capitalismo criou uma a uma as premissas de sua superação. A produção se socializa mais e mais, entrelaçada em complexas redes de interdependência que freqüentemente cobrem o Globo. Já a propriedade privada se concentra como nunca, como atestam as megafusões dos anos 90. A revolução científica e tecnológica abre pela primeira vez a possibilidade de dar trabalho, alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, cultura, lazer, bem-estar social, a todos os seres humanos do planeta. É a lógica do antigo regime que contrai o bem-estar em vez de universalizá-lo.
"Apenas" as relações capitalistas e o poder burguês se interpõem entre a sociedade e esse passo emancipador – ainda que seja um "apenas" cercado de grossas aspas. Superá-las depende de nós.