A maior capacidade de articulação Sul-Sul – na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões, como o BRIC – eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. Quanto mais os países em desenvolvimento falam e cooperam entre si, mais são ouvidos pelos ricos. A recente crise financeira tornou ainda mais patente o fato de que o mundo não pode mais ser governado por um condomínio de poucos.

O Brasil tem procurado, de forma desassombrada, desempenhar seu papel neste novo quadro. Completados sete anos e meio do governo do Presidente Lula, a visão que se tem do País no exterior é outra. Já não precisamos ouvir os líderes mundiais e a imprensa internacional para sabermos que o Brasil tem um peso cada vez maior na discussão dos principais temas da agenda internacional, de mudança do clima a comércio, de finanças a paz e segurança.

Países como Brasil, China, Índia, África do Sul, Turquia e tantos outros trazem uma maneira nova de olhar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.

No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do País. Avanços nos mais variados domínios – do equilíbrio macroeconômico ao resgate da dívida social – tornaram o Brasil mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o envolvimento direto do presidente Lula com temas internacionais ajudaram a alçar o Brasil à condição de interlocutor indispensável nos principais debates da agenda internacional.

Foi nesse contexto que o Brasil desenvolveu uma política externa abrangente e pró-ativa. Construímos coalizões que foram além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos de manter e aprofundar, como no estabelecimento da Parceria Estratégica com a União Europeia ou do Diálogo de Parceria Global com os Estados Unidos.

O crescimento expressivo de nossas exportações para os países em desenvolvimento e a criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) refletiram essa orientação de uma política externa universalista e livre de visões acanhadas sobre o que pode e deve ser a atuação externa do Brasil.

A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sul-americana. Um dos grandes ativos de que o Brasil dispõe no cenário internacional é a convivência harmoniosa com sua vizinhança. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sul-americano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político.

O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio abrangendo toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de forma notável, inclusive com a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sul-americana (CASA) resultaram na fundação de uma nova entidade – a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Sobre as bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil ajudou a estabelecer mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não comporta a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancún, em 2003, marcou a maioridade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o padrão decisório nas negociações comerciais.

O IBAS respondeu aos anseios de concertação entre três grandes democracias multi-étnicas e multiculturais, que têm muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre desenvolvimento e democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS tornou-se um modelo em projetos em favor dos países mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um apanágio dos ricos.

Também lançamos as cúpulas dos países sul-americanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões que vivem distantes umas das outras, em que pesem as complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, foi multiplicado por cinco e chegou a mais de US$ 26 bilhões, cifra superior à do intercâmbio com parceiros tradicionais como a Alemanha e o Japão.

Essas novas coalizões estão ajudando a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países emergentes.

Também no campo da segurança internacional, quando o Brasil e a Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã demonstraram que novas visões e formas de agir são necessárias para lidar com temas antes tratados exclusivamente pelos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Apesar dos ciúmes e resistências iniciais a uma iniciativa que nasceu fora do clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali apontada servirá de base para as negociações futuras e para a eventual solução da questão.

Uma boa política externa exige prudência. Mas exige também ousadia. Não pode fundar-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum ouvirmos que os países devem atuar de acordo com seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.

Ao longo desses quase oito anos, o Brasil atuou com desassombro e mudou seu lugar no mundo. O Brasil é visto hoje, mesmo pelos críticos eventuais, como um país ao qual cabem responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.

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Fonte: jornal O Estado de S. Paulo