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    DEUSA dos olhos volúveis pousada na mão das ondas: em teu colo de penumbras, abri meus olhos atônitos. Surgi do meio dos túmulos, para aprender o meu nome. Mamei teus peitos de pedra constelados de prenúncios. Enredei-me por florestas, entre cânticos e musgos. Soltei meus olhos no elétrico mar azul, cheio de músicas. Desci na […]

    POR: Cecília Meireles

    DEUSA dos olhos volúveis
    pousada na mão das ondas:
    em teu colo de penumbras,
    abri meus olhos atônitos.
    Surgi do meio dos túmulos,
    para aprender o meu nome.

    Mamei teus peitos de pedra
    constelados de prenúncios.

    Enredei-me por florestas,
    entre cânticos e musgos.
    Soltei meus olhos no elétrico
    mar azul, cheio de músicas.

    Desci na sombra das ruas,
    como pelas tuas veias:
    meu passo – a noite nos muros –
    casas fechadas – palmeiras –
    cheiro de chácaras úmidas –
    sono da existência efêmera.

    O vento das praias largas
    mergulhou no teu perfume
    a cinza das minhas mágoas.
    E tudo caiu de súbito,
    junto com o corpo dos náufragos,
    para os invisíveis mundos.

    Vi tantos rostos ocultos
    de tantas figuras pálidas!
    Por longas noites inúmeras,
    em minha assombrada cara
    houve grandes rios mudos
    como os desenhos dos mapas.

    Tinha os pés sobre flores,
    e as mãos presas, de tão puras.
    Em vão, suspiros e fomes
    cruzavam teus olhos múltiplos,
    despedaçando-se anônimos,
    diante da tua altitude.

    Fui mudando minha angústia
    numa força heróica de asa.
    Para construir cada músculo,
    houve universos de lágrimas.
    Devo-te o modelo justo:
    sonho, dor, vitória e graça.

    No rio dos teus encantos,
    banhei minhas amarguras.
    Purifiquei meus enganos,
    minhas paixões, minhas dúvidas.
    Despi-me do meu desânimo –
    fui como ninguém foi nunca.

    Deusa dos olhos volúveis,
    rosto de espelho tão frágil,
    coração de tempo fundo,
    – por dentro das tuas máscaras,
    meus olhos, sérios e lúcidos,
    Viram a beleza amarga.

    E esse foi meu estudo
    para o ofício de ter alma;
    para entender os soluços,
    depois que a vida se cala.
    – Quando o que era muito é único
    e, por ser único, é tácito.

    Cecília Meireles – Obra Poética
    Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar – edição 1987

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