Democracia e riqueza: não se pode ter ambas
Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte, disse: “Podemos ter democracia ou riqueza concentrada, mas não podemos ter ambas as coisas”. De acordo com a fórmula de Brandeis, a proposta tributária do presidente Obama é um fracasso. Ao ampliar os cortes de impostos do governo Bush para os ricos e ao instituir um imposto altamente debilitado sobre a propriedade, mais riqueza fluirá para as mãos do 1% mais rico e, dentro desse índice, para o décimo mais rico desse 1%.
A maioria de nós sabe da disposição do presidente Obama para mudar sua proposta de campanha de acabar com os cortes de impostos para as famílias mais ricas. Isso custará 60 bilhões de dólares em 2011 e uns 700 bilhões nos próximos anos caso tais cortes sejam mantidos permanentemente. Mas Obama também abandonou sua posição sobre o imposto federal sobre a propriedade, que falava em congelá-lo nos níveis de 2009 (taxa de 45% com isenção para riqueza até 3,5 milhões de dólares). Agora, está apoiando a emenda de Kyl-Lincoln que propõe a ampliação dessa isenção para 5 milhões (10 milhões no caso de um casal), com redução da taxa para 35%. A diferença de custos entre essas duas medidas é de, pelo menos, 100 bilhões de dólares em 10 anos.
Durante a última geração, este 1%, com algumas exceções admiráveis, utilizou sua considerável riqueza e força para apoiar mudanças de políticas públicas que concentrem ainda mais a riqueza. Agora nos encontramos no que pode ser caracterizado como “Espiral letal rumo à plutocracia”.
Conforme a riqueza se concentra, um segmento muito organizado da classe endinheirada utiliza sua riqueza, privilégios e poder para mudar as regras da economia e concentrar ainda mais a riqueza e o privilégio. A progressão lógica destas políticas é uma sociedade governada pela riqueza, uma versão moderna e de alta tecnologia da Era Dourada de 1900.
Por 30 anos, presidentes liberais e congressistas democratas firmaram acordos com uma crescente facção pró-plutocrática bipartidária (majoritariamente republicana). Conseguimos algumas vitórias para as famílias trabalhadoras – auxílio família, incremento do salário mínimo, ampliação do cuidado com saúde, cortes de impostos para a classe média – mas o preço sempre tem sido cortes de impostos para os ricos e as corporações. Sob Clinton e Bush II não se poderia conseguir nada ligeiramente progressista sem uma grande concessão para a classe rica ou corporativa – algum corte de imposto sobre a renda ou algum resquício corporativo.
Esse tipo de compromisso tem sido central para a estratégia política de Obama: para conseguir um pacote de estímulos para salvar a economia, teve que conceder um terço de US$ 780 bilhões em isenção de impostos para corporações (e mesmo assim não conseguiu um só voto republicano). Para conseguir melhor cobertura de saúde para os não segurados, os legisladores abandonaram a “opção pública” que teria forçado a competição e diminuído o poder e os lucros do cartel da indústria médica.
Para incluir um escritório de Proteção Financeira para o Consumidor na lei de reforma financeira de junho de 2010, os legisladores permitiram que Wall Street mantivesse sua arriscada operação de cassino – abrindo o caminho para futuras bolhas, colapsos e resgates.
Essa é uma estratégia muito custosa. O custo é de bilhões de dólares de recursos públicos que poderiam ser utilizados para realizar investimentos já atrasados em infraestrutura, educação, independência energética, coisas que realmente poderiam ajudar a economia. Pior ainda, cria futuras batalhas políticas onde os ricos e as corporações poderosas têm quase todas as munições. No ambiente financeiro da campanha pós “Cidadãos Unidos”, está é uma rendição premeditada.
Só há algumas poucas formas de intervir para prevenir a “espiral letal rumo à plutocracia” e reverter o curso atual. Todas requerem uma cidadania comprometida que diga de forma clara: “Queremos uma economia que sirva a todos, não somente aos ricos”. A primeira intervenção é mediante impostos progressivos sobre a riqueza, a renda e a propriedade.
Necessitamos urgentemente restaurar um imposto progressivo sobre a propriedade. No lugar de fazer um acordo para instaurar a proposta republicana sobre os impostos que debilita a lei, o Congresso deve impulsionar a “Responsible Estate Tax Act”, que começaria a romper com a riqueza concentrada.
A segunda é mediante uma robusta campanha de reforma financeira que acabe com o vínculo entre riqueza e poder político. Qualquer coisa que coloque obstáculos entre a influência política e a riqueza ajuda a enfraquecer a espiral letal. A terceira é mobilizar a facção silenciosa de elites ricas que consideram o bem comum como algo de seu interesse. Nem todos os integrantes dessa elite estão atuando energicamente para proteger seu poder e sua riqueza. O Wealth for a Common Good Network é um início inspirador, com alguns milhares de líderes de negócios e indivíduos ricos defendendo políticas que tenham como resultado prosperidade e oportunidades mais amplas. Eles podem desfazer a mitologia que ronda a criação e o merecimento da riqueza que frequentemente justifica cortes de impostos para os ricos, além de apoiar as posições dos cidadãos comprometidos.
O senador Bernard Sanders propõe um filibuster (intervenção parlamentar feita com o propósito de impedir que um assunto seja submetido à votação) contra a proposta de corte de impostos – e planeja ler centenas de documentos sobre os perigos da desigualdade extrema nos Estados Unidos. Façamos todos algo similar em nossas vidas e exijamos que nossos políticos façam o mesmo.
(*) Chuck Collins é pesquisador do Institute for Policy Studies, onde dirige o Program on Inequality and the Common Good (www.ips-dc.org/inequality). É co-autor de The Moral Measure of the Economy (Orbis Books) e Bill Gates, Sr. de Wealth and Our Commonwealth: Why America Should Tax Accumulated Fortunes (Beacon).
Tradução para Sinpermiso.info: Pablo Yanes Thomas
Tradução para Carta Maior: Katarina Peixoto
Fonte: Sin Permiso, via Carta Maior