O boom dos preços de commodities nos últimos anos, puxado pela demanda de países asiáticos, é fundamental para explicar esse movimento, assim como o desempenho mais fraco no pós-crise dos países que normalmente compram mais produtos manufaturados brasileiros, como os EUA, num quadro de câmbio valorizado.

Para o economista-chefe do setor de integração e comércio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Mesquita Moreira, há um inequívoco "efeito China" nos números. Mesmo depois da crise, o país asiático continuou a crescer a taxas elevadas.

"O perfil das exportações totais ficou mais parecido com a pauta para a China", afirma ele, citando especialmente o apetite chinês pelo minério de ferro e pela soja. Além disso, o aumento da importância do petróleo em bruto nas exportações totais se deve em parte à demanda chinesa. De janeiro a novembro (último dado disponível), o país asiático comprou US$ 3,9 bilhões do produto, alta de 214% sobre igual período de 2009.

A fatia do complexo soja, formado pelas vendas de grão, farelo e óleo, equivaleu a 8,5% do total exportado pelo Brasil em 2010, depois de ter atingido 11,3% em 2009. No ano passado, o complexo soja foi superado pelo minério de ferro como o item mais exportado por causa da combinação de forte alta dos preços e, em menor medida, dos volumes. Com isso, o valor exportado do produto atingiu US$ 28,9 bilhões em 2010, 117,4% a mais que em igual período de 2009. A Vale aumentou o preço do minério em mais de 100% no ano passado.

A pesquisadora Lia Valls Pereira, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta o avanço da China como o principal destino das exportações do Brasil, o que se acentuou depois da crise, dado o diferencial de crescimento entre o país asiático e o resto do mundo. Em 2010, a China ficou com 15,3% das vendas externas brasileiras, bem acima dos 9,6% dos EUA e dos 9,2% da Argentina.

As vendas de petróleo bruto também se beneficiaram do aumento dos preços em 2010. De janeiro a novembro do ano passado, os preços de exportação do setor de extração de petróleo subiram 50,5% em relação ao mesmo período de 2009, de acordo com números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

A tendência de concentração da pauta exportadora em poucas commodities preocupa os analistas. Moreira diz que é arriscado concentrar a pauta num número restrito de produtos cujos preços são historicamente voláteis. "É difícil manter o crescimento estável se as receitas de exportação têm muita volatilidade". Para ele, com a ascensão da China, o patamar da demanda por commodities de fato mudou, mas não há sinal de que a oscilação dos preços desses produtos tenha terminado. Depois do agravamento da crise global, em setembro de 2008, as cotações desses produtos despencaram, observa Moreira. Lia destaca que países com uma pauta de exportação mais diversificada, de maior valor agregado, são menos vulneráveis.

Outro problema é que esses setores não são grandes empregadores de mão de obra, diz Moreira. Para um país com uma população grande como o Brasil, trata-se de um problema sério, ressalta ele, lembrando que a qualidade dos empregos nesses setores não costuma ser das mais altas.

"São segmentos pouco intensivos em mão de obra, de baixo valor agregado", diz o professor Luciano Nakabashi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que também alerta para o risco de o país ficar extremamente dependente das receitas de produtos que podem ter oscilações expressivas de preços.

Mesmo entre as commodities, o Brasil exporta a maior parte delas sem agregar valor. No caso do açúcar, cujas exportações totalizaram US$ 12,1 bilhões em 2010, apenas 29% foram do produto refinado. No complexo soja, dos US$ 17,1 bilhões destinados ao exterior, 64,5% foram em grão. Para Moreira, um passo importante seria agregar valor à exportação de produtos primários, como vender menos minério de ferro e mais aço, assim como mais petróleo refinado do que bruto.

Além da demanda mais fraca no pós-crise em países como os EUA, o câmbio valorizado também contribuiu para o encolhimento dos manufaturados no total exportado pelo Brasil, diz Nakabashi.

Produtos de maior intensidade tecnológica, como automóveis de passageiros e aviões, perderam espaço considerável na pauta de exportações nos últimos anos. Os automóveis responderam por 2,2% do valor exportado em 2010, abaixo dos 3,5% de 2004. Já a participação das vendas de aviões caiu de 3,4% em 2004 para 2% no ano passado. De janeiro a novembro de 2010, as compras de aviões pelos EUA ficaram em apenas US$ 336 milhões, valor 54% menor que os US$ 733 milhões de 2009.

Para Nakabashi, o aumento da concentração da pauta de exportações em poucas commodities tende a continuar nos próximos anos. O país está investindo muito no setor de petróleo, o que deve levar a uma alta das vendas externas do produto. Moreira diz que isso vai depender do crescimento da China e de países desenvolvidos como os EUA. Se a expansão chinesa perder um pouco de força e houver uma recuperação da economia americana, o processo de aumento do grau de concentração pode parar ou até se reverter um pouco.

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Concentração é semelhante na Índia e inexistente nas vendas da China

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A concentração da pauta de exportações brasileiras é muito superior à da China e fica um pouco acima da indiana. Em 2010, a fatia dos cinco principais produtos vendidos pelo país no exterior – minério de ferro, petróleo em bruto, soja em grão, açúcar em bruto e carne de frango – foi de 35%, abaixo dos 14,5% registrados em 2009 na China e dos 32,3% da Índia, segundo números da Organização das Nações Unidas (ONU), elaborados pelo economista Mauricio Mesquita Moreira, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Nessa conta – para permitir a comparação com Índia e China – foi considerado apenas um produto e não o complexo, como no caso da soja, por isso a soma dos cinco itens do Brasil é inferior ao percentual citado na matéria ao lado.

Além de pouco concentrada, a pauta de exportação chinesa tem como grande destaque os produtos manufaturados. O produto mais vendido em 2009, com 5,5% do total de vendas, foram os laptops, seguidos por telefones para redes de celular, com 3,3%, e partes e peças de máquinas, com 2,1%.

Na Índia, o perfil da pauta difere significativamente da chinesa. Os produtos mais exportados em 2009 foram diamantes processados, que responderam por 9,2% do valor exportado. Óleos de petróleo ficaram em segundo lugar, com 8,3%, seguidos por artigos de joalheria, com 5,9%.

Esses números se referem apenas às exportações de bens, não incluindo as vendas de serviços, uma fonte de receita muito importante para a Índia. Moreira diz que, do total de exportações de bens e serviços, as últimas respondem por quase 40% do total no caso da Índia. "Desses 40%, cerca de 70% se referem à tecnologia da informação e terceirização de processo de negócios, um grupo que inclui desde atendimento ao cliente até contabilidade e pesquisa e desenvolvimento", afirma ele. "No Brasil e na China, os serviços respondem por 10% a 13% do total exportados, em sua maior parte nas atividades de turismo e transporte."

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Fonte: Valor Econômico