Na Grécia, a arte contra a barbárie
Da Grécia as televisões mostraram, recentemente, imagens de bombas e gente correndo em meio a nuvens de gás lacrimogêneo pela praça central de Atenas. Era a resposta do governo às manifestações de rua contra a submissão do país às determinações do FMI, da União Europeia e do Banco Central Europeu.
Organismos internacionais que, para conceder novos empréstimos aos gregos, impuseram a privatização de vários serviços controlados pelo Estado e a demissão de cerca de 150 mil trabalhadores do serviço público.
A democracia grega subjuga-se ao poder real no mundo globalizado pelo capitalismo. Não importa se os deputados foram eleitos pelos trabalhadores ou pelos empresários. Todos são obrigados a votar de acordo com as regras impostas de fora.
Fico a imaginar a saia-justa de parlamentares do partido socialista, eleitos por uma base de servidores públicos, tendo de votar medidas que colocarão seus eleitores na rua. Mas ordem é ordem, e o partido, no poder, acatou as determinações externas.
É por isso que na praça, em frente ao Parlamento grego, um cartaz com a foto do primeiro-ministro Giorgius Papandrou tinha como legenda: “Funcionário do ano do FMI”.
Nessa praça armaram-se dezenas de barracas para abrigar os indignados. Eles não admitem mais ser representados por deputados cada vez menos comprometidos com suas bases. Em meio às barracas e aos jardins, mesas de debates se sucedem, aprofundando as análises da crise grega, mostrando que suas origens estão nas próprias raízes do capitalismo.
Mais uma vez o conjunto da população é obrigado a abrir mão de inúmeras conquistas sociais para satisfazer os apetites dos grandes conglomerados financeiros internacionais. A indignação só aumenta.
A poucas quadras da praça, a resistência surge de outra forma. Dezenas de eventos marcam a realização¬ do festival internacional de música, teatro, dança e artes visuais, uma tradição moderna grega cujas raízes podem ser encontradas nas Panateneias, festas religiosas, esportivas e culturais realizadas há mais de 2.500 anos.
Hoje, em meio à crise econômica, os espetáculos transcendem os limites dos palcos, incorporando-se à resistência popular. Seus organizadores se colocam diante de perguntas acerca do papel da arte e da cultura nesse quadro ou sobre quão otimista você precisaria ser para olhar para a frente e por cima de tudo isso.
O coordenador do festival, Yourgos Loukos, responde: “Estamos convencidos de que a arte aproxima as pessoas e isso pode nos imunizar contra o barbarismo, transformando-se numa ferramenta capaz de abrir nossos olhos em direção a novos caminhos”.
É com essa perspectiva que público e artistas reúnem-se por mais de dois meses, de junho ao começo de agosto, em arenas milenares, como o Odeon de Herodes Atticus, incrustado ao pé da Acrópole, com sua estrutura arquitetônica original preservada, mas dotado, agora, dos mais modernos recursos tecnológicos de luz e som.
Por palcos como esse passam clássicos como o Ballet Bolshoi e a Filarmonica della Scala, de Milão, ao lado de grupos de arte de vanguarda. O Festival de Atenas quer “organizar o nosso pessimismo”, na mesma medida em que leva ao público “a diversidade, o espírito de aventura e a abertura para novos conhecimentos”.
Formas de oferecer ao mundo relações humanas mais sensíveis, antepondo-as à violência brutal dos mercados e, com isso, estreitando a distância entre os manifestantes políticos da Praça Sintagma e os artistas de todos os palcos atenienses.
Em vez de espetacularizar, sem explicar, os conflitos entre polícia e manifestantes na praça de Atenas, a televisão prestaria uma grande contribuição à sociedade se mostrasse a beleza da arte mundial reunida na Grécia.
Não seria isso que poria fim à crise, mas, com certeza, tornaria nossa vida um pouco mais suave e digna de ser vivida.
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Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
(Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de agosto de 2011)
Fonte: Carta Maior