Santa Maria de Belém

No centro da cidade vencida organizo a esperança

e irrompido pelo tempo

clamo

por meus heróis: índios,

negros,

gente miscigenada na seminal revoltosa

dos brutais acontecimentos

da formação brasileira.

Na ponta da lança tupinambá

a mão plena de Guaimiaba

em ataque ao forte da preagem

e da escravização indígena,

no nascedouro povoado

erigido na ponta de terra,

na foz do rio

do tempo presente: Santa Maria de Belém.

No centro da cidade vencida caminha o poeta

com tecidos arbóreos

e um certo temperamento das chuvas

nas ribeiras.

Numeroso

caminha o poeta

procurando na geometria das casas,

a infância perdida.

Quando menino fui pela vida em diversas moradas,

algumas com telhas vermelhas.

Quando menino sonhei

os sonhos marítimos

de meu avô operário.

Quando menino queria ser adulto

e hoje quero voltar a ser menino.

Quando menino as estrelas me pareciam

outros meninos.

A injustiça me faz fogo e vou queimando

minhas vestes com a rouca voz

que me resta.

Em seu testamento

de combatente

e tribuno proletário

meu pai temia mais

perder a identidade

do que a própria vida.

Estava certo meu pai.

Não há porque calar

quando os bestiais

falam.

Não há porque o medo

se as bandeiras de nossa época

tremulam esperançosas.

Não há porque se fragmentar

quando a unidade têm a vocação

para jornadas

altaneiras.

É tarde, madrugada.

Os livros repousam na estante.

Meus filhos dormem com sonos

de desenhos.

Os papéis destas horas guardam

discursos incendiários.

O café e a mesa posta da manhã

comprovam

o pomo de destinos

e certa itinerância

para a alvorada.

No centro da cidade vencida organizo a esperança

e irrompido pelo tempo

clamo

por meus heróis: índios, negros,

mamelucos, mulatos

e proletários.

Paulo Fonteles Filho