A destruição da Cracolândia

Foram se aglomerando aos poucos
Numa parte velha da cidade, os deserdados,
Levando a vida no rolar dos dados.
Os olhos baços de cão sem dono.
Trabalham, mendigam, roubam, matam,
Trepam por um cascalho de crack.
Com o tempo passaram a ser várias centenas.
Autoridades os miravam à distância
Ou os ignoravam
Como se a Cracolândia fosse outro planeta
E eles seres de outra galáxia!
Pressionados por apelos humanitários,
O Palácio lastimava:
É um problema sem solução.

Vez em quando a Cavalaria os espalhava
Como se fossem um bando de subversivos
Ou pulverizavam gás tóxico
Espalhando a nuvem de gafanhotos.

E a Cracolândia foi crescendo e inchando.
E as eleições se aproximando.
Então o Palácio resolveu tomar
Uma medida asséptica:
–É hora de espremer o tumor.
Na TV com ar de herói
Um coronel da força pública
Proclama a vitória de suas tropas
Sobre um exército de corroídos e carcomidos
Seres humanos.

Expulsos de seu planeta,
Os deserdados passaram a vagar
Pelos ermos da Metrópole.
Enquanto escrevo, vejo aqui
Do alto da janela,
Nas imediações da Praça da República
Quatro deles atirados ao chão.
E um quinto que daqui não enxergo,
Mas ouço seu choro sofrido.

Os grandes jornais em manchetes garrafais
Atestam que 80% da opinião pública
Aprovaram a medida.
O Palácio comemora sua podre vitória.

(Adalberto Monteiro – fevereiro de 2012)

 

     Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2005).