A execução do plano brasileiro, no entanto, não pode receber os mesmos elogios. Devido a erros de execução e interesses, seus executores trocaram um regime de alta inflação por um de altos juros com câmbio valorizado. O Plano Real não promoveu o prometido alinhamento de preços na fase anterior ao seu lançamento, no dia 1º de julho de 1994. Posteriormente, manteve os preços retraídos se utilizando de elevados juros que atraíam dólares para o país. Dólares que valorizavam o câmbio e que, por sua vez, estimularam a entrada de produtos importados para competir no mercado doméstico.

A taxa de juros básica da economia (a taxa Selic) era mantida em patamares estratosféricos. A equipe econômica que administrou a execução do Real considerava que o Brasil era um país subdesenvolvido e que, portanto, não poderia ter, ao mesmo tempo, inflação baixa e juros baixos. Houve um economista, um dos pais do Plano Real, que durante muito tempo propagandeou a ideia que a taxa de juros básica real de equilíbrio no Brasil seria, no mínimo, de 10% ao ano. Ou seja, mesmo com inflação zero, o país deveria ter uma taxa de juros básica nominal de 10% ao ano. Por outras vias ideológicas (ou talvez pelas mesmas), os juros foram mantidos em níveis inaceitáveis até recentemente.

Esses juros estratosféricos foram incorporados à cultura econômica das famílias, dos empresários, dos banqueiros, dos governantes, dos dirigentes de fundos de pensão e de poupadores. Os empresários da indústria nunca gostaram de juros elevados. Mas, de imediato, descobriram caminhos para compensar as dificuldades no setor produtivo: os ganhos gerados pelos departamentos de contabilidade de suas empresas, que foram transformados em departamentos de estratégias financeiras e tributárias.

Consumidores também não gostavam de juros elevados. Mas, logo, descobriram que a melhor conta a fazer seria saber se a prestação do crediário cabia dentro do seu salário, independentemente da taxa de juros. Os consumidores levavam em conta, ainda, se havia perspectiva de manutenção dos seus empregos durante o período de pagamento dos crediários. Dirigentes de fundos de pensão sempre saborearam juros elevados. E os banqueiros? Nem é preciso comentar as artimanhas teóricas, ideológicas e políticas que faziam (e fazem) para manter os juros altos no Brasil.

Para enfrentar o regime de altos juros, o atual governo vem implementando um amplo conjunto de medidas desde o primeiro dia de mandato da presidenta Dilma. O governo não lançou, de uma só vez, um pacote ou plano de medidas. Primeiramente, Dilma trocou o presidente do Banco Central. Saiu Henrique Meirelles, um personagem ligado ao sistema financeiro privado, por Alexandre Tombini, um técnico de carreira do Banco central. E, a partir de 31 de agosto do ano passado deu início a um processo de redução contínua da taxa Selic de juros.

Em reuniões consecutivas desde agosto de 2011, o Banco Central reduziu a taxa de juros Selic para 9% ao ano. Espera-se que haja outras quedas nas próximas reuniões. No mês passado o governo orientou os dois maiores bancos públicos comerciais a reduzir as taxas de juros das suas operações de crédito. Banco do Brasil e Caixa Econômica lançaram programas que forçaram os bancos privados a seguir o mesmo caminho.

Recentemente, o governo lançou uma das medidas mais ousadas do seu plano de enfrentamento dos altos juros: mudou as regras de rendimento da poupança, que fazia parte do conjunto de barreiras que impunham rigidez à queda dos juros. A poupança era considerada “imexível”, um valor cultural do regime de altos juros.

A poupança rendia 0,5% ao mês mais a TR (taxa referencial de juros, que é muito baixa, em torno de 0,08% ao mês). As regras da poupança impunham um piso para as demais aplicações, inclusive títulos do governo, já que a poupança se apresenta como alternativa segura e rentável. Caso o governo venha a reduzir ainda mais a taxa de juros Selic, que remunera os credores da dívida pública, poderá perder demandantes de seus títulos, que migrarão para a poupança, deixando o governo sem financiamento.

O governo desfez essa engrenagem. Agora, quando a taxa Selic atingir 8,5% ao ano ou menos, novos depósitos de poupança (feitos a partir de 3 de maio) vão render 70% da taxa Selic e continuarão isentos de imposto de renda. Sendo assim, a poupança não deslocará demandantes de títulos públicos para as suas contas. Não transformará rentistas financeiros em pseudo-poupadores. Poupadores desejam segurança, rentistas desejam rentabilidade.

“Mexer na poupança” foi uma medida muito ousada já que a oposição, os banqueiros e a mídia conservadora estavam babando de vontade para colar em Dilma o rótulo que Collor carrega até hoje: “mexeu na poupança”. Tiro n’água. A presidente goza de alta popularidade e associou a mudança da poupança ao movimento de redução das diversas taxas de juros da economia. Estratégia bem sucedida.

O plano de redução dos juros de Dilma merecia o nome de Plano José Alencar, o vice-presidente de Lula. Alencar, durante os oito anos de seus mandatos, sempre fez campanha pela redução dos juros. Era voz isolada pela imprensa e no Palácio do Planalto, principalmente no primeiro mandato de Lula. José Alencar era empresário e sabia que juros elevados representavam transferência de renda, aumento de custos, redução de competitividade e desestímulo ao investimento.

Um dia, José Alencar me confidenciou que um parente emprestou dinheiro para ele iniciar a sua vida de negócios com juros maiores que os do sistema bancário. Desabafou e sorriu: “é por isso que não gosto de juros”.

Neste momento em que o Brasil vive uma fase de busca do crescimento continuado, da inflação controlada e dos juros baixos, José Alencar certamente está mandando lembranças, boas lembranças. Está mandando também luz e estímulos de coragem porque o plano de redução dos juros é também um plano político de enfrentamento de interesses arraigados de concentração de renda.

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Fonte: CartaCapital