O que você está achando da Conferência?

Estou achando bem interessante. Não consegui participar da primeira, porque não estava no Brasil na época, mas acho que o Partido está evoluindo bastante na questão da mulher. Nas nossas conferências municipais e estadual o debate foi bem interessante. Acho que estamos conseguindo mobilizar homens e mulheres para debater a questão da mulher e isso nos diferencia dos demais partidos. Porque nos demais partidos as mulheres debatem as questões das mulheres e os homens não estão dentro dessas secretarias de mulheres, ou nada próximos, fazendo a construção junto com as mulheres. Então, acho que temos essa possibilidade de ter essa integração e de colocar mais proximamente os homens dentro do debate, portanto, de conseguir alterar corações e mentes de todos, de homens e de mulheres.

Você acha que essa resolução chegou com alguma lacuna e sai com essa lacuna preenchida?

Penso que, embora – em relação a minha origem de militância, que é dentro do movimento LGBTT – avançamos bastante. Na primeira reunião da fração no Rio de Janeiro éramos cinco pessoas dentro de uma sala conversando e hoje nessa mesma reunião há quase uma centena de pessoas. Então, acho que essa é uma evolução bastante grande. Mas nós ainda precisamos ousar mais.

No documento-base da conferência, por exemplo, no meu Estado, já fizemos adendos visibilizando a questão LGBTT. Ontem Silvana disse uma coisa muito importante: o mundo é heteronormativo, então, se a pessoa não se apresenta num lugar diferente da heterossexualidade ela passa por heterossexual. É preciso sempre reafirmar o seu lugar de pessoa que exercita uma orientação sexual e tem uma expressão sexual diferente da heterossexualidade o tempo todo. E isso é um lugar político para nós, e da maior importância.

Na nossa conferência estadual nós já fizemos um adendo e propusemos que quando forem lidas as propostas novas que serão aprovadas colocamos um item novo de desafio: o de aprofundar na totalidade do Partido o debate sobre a questão LGBTT. Ele é extremamente maior do que imaginamos. Em relação às mulheres, por exemplo, além das lésbicas temos as trans. O Partido está pronto para abraçar essa diversidade? Essas pessoas? As mulheres do Partido estão prontas para abraçar as mulheres trans? Portanto, o desafio é imenso.

Acho que caminhamos, temos caminhado a passos largos. Sou uma pessoa muito otimista em relação a isso. Mas acredito que precisamos ainda ousar muito mais. Não só nós do Partido Comunista não, o mundo precisa ousar. Porque antes até se podia ter uma orientação sexual que fosse expressa ou não, que era praticamente dentro de três letrinhas: ou essa pessoa era gay, ou era lésbica, ou era bissexual. Mas ela era homem ou era mulher.

Hoje isso não importa mais. A pessoa nasce homem e fica mulher; nasce mulher e fica homem. Então, a mistura das caixinhas está muito grande. E maior ainda, veremos pessoas transexuais que biologicamente nasceram homens que fazem o processo transexualizador para virarem mulher. E aí se pensa “pronto, ela vai casar com um homem”. E ela é uma transexual lésbica. E o inverso também ocorre. Por isso, aquelas caixinhas que tínhamos, e que ainda temos mesmo dentro do movimento LGBTT no Brasil, e que está no mundo, não servem mais. Temos de desmanchá-las porque agora são essas palavras da juventude: tudo junto e misturado.

Você acha que a política do PCdoB absorve essa diversidade, esse leque de opções que você acabou de descrever?

Vai absorver. Acho que ainda não está pronto, porque não está dado. Estamos fazendo essa construção dentro do Partido. Até porque o Partido não é esquizofrênico, ele vive o seu tempo e o seu lugar. Mas nós conseguimos ousar e, ousando, nós avançamos. E nós temos essas pessoas dentro do Partido. Daqui a pouco você vai conhecer quem são os nossos homens transexuais. Você vai conhecer quem são as nossas mulheres transexuais. Elas já estão aí. Talvez não estejam ainda na rua. Alguns já estão, mas não tem um grande número que cause impacto. Mas essas pessoas vão aparecer. E se o Partido quer ser realmente um partido abrangente, que abrace a criatura humana na sua diversidade ele vai ter que ter essa compreensão. E nós estamos aqui para ajudar a fazer esse esclarecimento.

O Partido Comunista do Brasil tem uma teoria libertária, ela vai na profundeza da alma humana para resgatar o conteúdo humano. Como você se sente num partido que tem esse legado histórico?

Acho que é fácil de nós transitarmos. Fica mais fácil o trânsito. Fica mais fácil chegar numa Conferência estadual, como em Santa Catarina, onde talvez eu fosse a única mulher lésbica, ou pelo menos assumidamente lésbica. E eu vou lá na frente, coloco minha demanda, que acho que o Partido tem de ter uma ampliação da compreensão da sexualidade humana.

O Partido precisa ter como desafio aprofundar o debate das questões LGBTT. E não tenho nenhum constrangimento para dizer isso. E não tem ninguém que diga “não vamos pôr essa emenda”, foi uma emenda aprovada por unanimidade. Por isso, acho que esse é o nosso caminho. Nós somos revolucionários por natureza. Nós somos um partido, por natureza, revolucionário. E é isso, essa revolução se dá no cotidiano, ela não é uma revolução teórica. E estamos realmente revolucionando dentro do PCdoB, junto com os demais camaradas.

Nesse debate que houve nessa Conferência você viu receptividade para este ponto de vista? Particularmente no caso das mulheres, porque o tema é a emancipação da mulher?

Muita. Acho que tanto as mulheres que são heterossexuais assumidas… Não gosto de dizer que estão porque nós nunca sabemos o que será nosso dia de amanhã, e o sentimento às vezes fala mais forte do que qualquer razão, qualquer conceito racional que nós tenhamos. Então, muitas pessoas que nunca imaginaram isso, conhecem uma pessoa e se deslumbram, “poxa vida, agora posso fazer outra coisa, porque tenho um par para fazer outra coisa”.

E vimos que dentro das mulheres que se dizem heterossexuais, ou que estão, ou que têm sido heterossexuais, há uma aproximação muito grande. E muitas mulheres lésbicas que não levantam ainda a bandeira vieram conversar conosco particularmente. O que elas precisam? Elas precisam ter a sua orientação sexual e a sua identidade de gênero fortalecidas. E a hora que elas virem que não estão sozinhas no mundo, que não são aves rara, que não são um “homem elefante”, elas vão cada vez mais se abrir. Muitas vieram conversar conosco. Não tínhamos ideia de que essas camaradas eram camaradas lésbicas.

Então, acho que essa é uma mudança, a passos não tão grandes como gostaríamos, mas ela está aqui. As camaradas estão chegando, estão se aproximando, estão buscando fortalecimento na pessoa de algumas de nós que nos exprimimos publicamente. E acho que esse é o caminho inexorável da mudança.

Houve agora manifestações em Cuba no sentido de combate à homofobia. Você acha que isso influencia o nosso PCdoB?

Acho que sim. Eu fiz parte do Conselho Nacional de Saúde por vários anos, inaugurei a cadeira LBGTT do CNS. Fui a primeira conselheira dessa cadeira. Fiz parte do pequeno grupo que construiu a política de saúde LGBTT. Essa política patinou dentro do ministério da saúde por 5 ou 6 anos. E quando tivemos uma pessoa do Partido nesse lugar de condução dessa política, que hoje é a nossa companheira Cátia Souto, essa política avançou em um ano o que não tinha caminhado, ou talvez que tivesse caminhado a passos lentos, nos outros 6 ou 7. Por isso, acho que estarmos numa posição de comando, numa posição de coordenação dentro dos cargos públicos, facilita muito e ajuda muito. E isso é uma postura comunista.