O Uxoricida

 

 

O biltre decrépito estava lá. Permanecia imóvel já há três horas. O ar quente e viciado da delegacia, cheirando a mofo, trazia no ar o enfado de cheiro de vômito. Ele sentia sede. Lá, macambúzio, olhando para o vazio, fazia resenha dos fatos que antecederam a sua prisão: fora delatado pela vizinha mal amada e assanhada, que não lhe dava sossego, pedindo-lhe ósculos nos cantões da rua mal iluminada da periferia onde moravam. Ele decidira: denegaria a acusação a todo custo. Deísta que era, sabia que sairia dessa situação. Lembrava-se agora.
A cara metade  metera-se com o vendedor de enciclopédias, que vivia a recitar frases do T. S. Jr. e poesias da Arlete Piedade. Vez ou outra pegara-lhe lendo textos da Viviane Abreu, o quê, de certo modo incentivara-a a querer  ter mais do que tinha. E ele teve que esperar, escondido no forro da casa velha, desde a manhã até a hora do almoço, quando o vendedor chegou e entrou. O biltre entrou no quarto, machado em punho. O vendedor de Enciclopédias, de cuecas, atirou-se contra os vidros da janela, caindo na calçada da rua, três metros de desnível e, ensangüentado, fugiu dali, tal como o diabo foge da cruz. Já quanto à ela; ele deu-lhe a paz que tanto precisava.

 

 


  Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.