Crise europeia acentuou interesse por Marx, diz Heinrich
O sociólogo alemão, Michael Heinrich, visitou a sede da Fundação Maurício Grabois e do PCdoB, nesta quinta (21), quando apresentou parte do seu trabalho com os manuscritos de Marx, na MEGA (Marx-Engels Gesamtausaabe) e tomou contato com o debate político no Brasil. Heinrich participa nesta sexta (22), às 20h, no Sesc Pinheiros, na capital paulista, do Seminário “Marx: a criação destruidora”, promovido pela editora Boitempo com o apoio da Fundação Maurício Grabois.
Recebido por dirigentes da Fundação e do Partido, o professor alemão opinou sobre a atual crise europeia e suas consequências sociais. “A resistência está aumentando, embora a luta venha de diversos pontos ideológicos, como comunidades cristãs ou defensores de valores democráticos”, ressaltou. Mas o que o sociólogo considera mais positivo é o interesse crescente em Karl Marx e suas teorias, e a percepção de que ele tem muito a contribuir para os atuais movimentos de resistência ao capitalismo.
Heinrich acredita que os últimos anos abriram caminhos para um mundo multipolar, com o avanço político e econômico de países da Ásia e da América Latina, enquanto EUA e Europa enfrentam questionamentos sobre sua hegemonia. “É uma crise que mostra que Marx estava muito certo ao dizer que não há capitalismo sem crises, ou seja, que essas crises não são acidentes ou que podem ser evitadas, mas têm sua causa no próprio capitalismo e em sua tendência de sempre procurar o aumento do lucro”, afirmou.
O estudioso alemão chama a atenção para a crise de meados da década de 1970, que ele considera uma grande vitória do capitalismo e da classe burguesa. Para ele, é ali que está o cerne da atual crise, com o crescimento da exploração da mão de obra, não só na relação direta do capital, mas na mediação pelo estado.
“Houve um enorme crescimento do lucro em diferentes formas, seja do lucro da empresa, como da renda dos executivos; uma grande quantidade de lucro privatizado que encontrou destino na especulação financeira ou no chamado capital fictício”, afirmou. “Nessa crise, o capital está afundando em seu próprio sucesso passado, observando que o sistema produtivo não é capaz de produzir esse enorme lucro do passado”, acrescentou.
“Para o momento, não há um modelo pronto de socialismo em vigor. Temos que discutir de uma forma nova o que significar superar o capitalismo”, afirmou, apontando para a eventual necessidade de uma transição com algumas instituições de mercado. “Para a sociedade que queremos não há lugar para uma economia de mercado ou para um poder centralizado”, disse Heinrich, sugerindo talvez uma economia de cooperativas. “Temos que encarar todos os autoritarismos e colocar no centro a emancipação e não como um objeto distante, mas como uma prática do que estamos fazendo”.
Marx e Engels
Questionado por pesquisadores da Fundação sobre sua pesquisa, Heinrich falou do que tem de mais inédito e domina melhor, que são os estudos sobre os manuscritos de Marx. Segundo ele, os manuscritos para o terceiro livro de “O Capital” não foram concluídos pelo autor, mas por Frederick Engels, que o editou após sua morte. Este volume teria sido fundamental para os estudos sobre a financeirização avançada do capitalismo, cuja maior crise ocorre na atualidade. Embora ele já houvesse elaborado uma lei sobre a lucratividade, cálculos que fizera anos depois podem ter colocado em dúvida seus estudos anteriores sobre o assunto. “Só podemos supor que ele teria abandonado a lei de lucro, que não é capaz de explicar a crise atual”, afirmou.
Engels participa das edições desde o primeiro volume, quando tentou juntar as diferentes edições francesas escritas pelo próprio Marx, num único volume. Os demais volumes têm uma intervenção maior da edição de Engels, daí a importância dos estudos sobre os manuscritos de Marx para dirimir dubiedades das interpretações. “Para uma primeira leitura, podemos ir às edições de Engels, mas para aprofundar alguns pontos científicos temos que voltar aos manuscritos”, afirma, lamentando que não ter a história da teoria no volume 4 é uma grande perda.
Ele acredita por exemplo, que as frequentes comparações e supostas similaridades entre o Marx do 4o. volume e a teoria-da-mão de obra em Smith cairiam por terra se o autor alemão tivesse escrito sua teoria. Há fortes indícios nos manuscritos em estudo, de que as diferenças entre esses autores seriam muito maiores.