Essa semana, Conflict Forum dedica-se a avaliar o que haveria por trás dos ataques israelenses à Síria, na 6ª-feira e no domingo passados – e desenvolvimentos. Ostensivamente, Israel declarou que suas ações visavam a impedir que o Hizbullah obtivesse armas ‘capazes de decidir’ o jogo [orig. ‘game changing’ weapons]. É o que os israelenses vêm repetindo ao Ocidente já há muitos anos (em contextos diferentes: primeiro, seriam mísseis terra-ar S-300; depois, os mísseis Fateh 110; ultimamente, fala-se de “armas químicas”). Os estados ocidentais, sem alarde, aceitaram a versão, em vez dos fatos. E assim, porque calaram, consentiram que Israel teria o ‘direito’ de fazer o que fez. Israel, não há dúvidas, conta com que, hoje, o pretexto que apresentou como motivo dificilmente encontrará objeções entre os países ocidentais.

Mas fato é que já se passou uma semana, e ainda não se viu qualquer prova consistente de que Israel tenha realmente interceptado alguma arma destinada ao Hizbullah.

Sim, o prédio de um instituto de pesquisas, Jurmana, próximo a Damasco, local onde há muito tempo se sabe que operam militares encarregados de suprir as necessidades militares dos movimentos da Resistência no Líbano e na Palestina, foi atacado por mísseis israelenses, em operação pirotécnica, no domingo. Mas o Hizbullah divulgou extraoficialmente[1] que receberam, sim, recentemente, carregamento de armas “significativas” (o que também foi confirmado por vários jornais e jornalistas de prestígio na mídia de Israel).

Em movimento possivelmente conectado a isso, o Líbano, a partir da 6ª-feira, passou a ser ostensivamente ‘visitado’ por aviões israelenses de observação, voando a baixa altitude –, como se os israelenses tivessem fracassado no primeiro assalto e voltassem, tentando localizar a ‘encomenda’ entregue (assumindo que a informação vazada do Hizbullah seja verdadeira, como provavelmente é). O mais provável é que Israel tenha interceptado alguma inteligência parcial, relacionada a uma transferência de armas; e, isso, os militares apresentaram em seus ‘road-shows’ pela Europa, para convencer sobre os motivos dos ataques.

Em todos os casos, começa a ficar claro que o número de baixas nas tropas de Assad em Damasco é muito, muito menor[2] do que o divulgado por fontes da oposição síria (o Exército Sírio é exército de cidadãos, e alto número de baixas não passaria desapercebido, sem que a população em geral soubesse). E não se vê nenhum grande avanço estratégico do lado ‘ocidental’.

O Hizbullah já está, há muito tempo, muito fortemente armado, e a inteligência de Israel já sugeriu, há algum tempo, que o Partido da Resistência libanês tem mísseis Fateh 110 integrados ao seu arsenal.

Tudo isso sugere que o ataque israelense foi mais político, que propriamente militar. Assim sendo, o que está por trás dos movimentos de Israel?

Muitas vozes nessa região sugerem duas possibilidades: a primeira tem a ver com a oportunidade, o timing: o ataque ocorreu num momento em que o Exército Sírio obtinha avanços significativos contra a oposição armada. Há quem diga que o ataque israelense, muito ostensivo e visível, operação estilo “Choque e Pavor” contra Damasco, pode ter tido o objetivo de dar ânimo à oposição e facilitar um assalto dentro de Damasco – exatamente na véspera do encontro entre Kerry e Putin em Moscou.[3] Um assalto diretamente contra Damasco, se bem-sucedido, poderia fortalecer a posição de Kerry, naquele encontro.

Mais provável, nos parece, é que todo o caso tenha sido construído com o objetivo de conquistar apoio, dentro dos EUA, a favor de intervenção mais direta[4] na Síria. Israel com certeza anteviu (e acertou) que conseguiria safar-se com sua ‘intervenção’, sem iniciar, sozinho, uma guerra. E se os pró-intervenção, nos EUA, conseguem induzir Obama a ignorar sua tal “linha vermelha”, usando para isso o precedente das armas para o Hezbollah, estariam em melhor posição para induzi-lo a intervir também no Irã.

Efetivamente, as ramificações estratégicas dos ataques israelenses já fizeram subir o nível do conflito sírio: de uma guerra por procuração, combatida só em território sírio, para guerra mais ampla, na qual agentes externos (Israel, o Irã, o Hizbullah e a Rússia) foram postos a um passo de intervir militarmente no conflito: resultado de três intervenções israelenses diretas, no passado, contra a Síria, e caso Israel ataque novamente.

Em outras palavras, as ações de Israel nos puseram ante o risco, hoje maior e mais grave, de que o conflito sírio evolua para conflito regional mais amplo.

Dentre outras consequências dos ataques do domingo, fontes israelenses[5] e outras[6],[7] têm noticiado a reação fortemente adversa do Presidente Putin, à ação dos israelenses. Há notícias de que Putin teria advertido diretamente Netanyahu[8] de que a Rússia não tolerará qualquer outro ataque à Síria e que qualquer movimento dessa natureza implicará resposta russa imediata às aventuras israelenses – além de a Rússia passar a transferir também sistemas de armas para a Síria. (Em Israel também circulam notícias de que Netanyahu teria tipo recepção gélida na China, mas nada equivalente à “carraspana, de alto a baixo” que ouviu de Putin).

O aiatolá Khamenei, Supremo Líder iraniano também assegurou “apoio pleno e ilimitado” à Síria, e o secretário-geral do Hizbullah, Sayyed Hassan Nasrallah, falou[9] de aliança militar mais próxima com a Síria, e da decisão dos sírios – em consequência – de acelerar a transferência de armas e de incluir “novas armas decisivas” para o Hizbullah (o que é ameaça direta a Israel). 

Bem claramente, o secretário-geral do Hizbullah falou de uma decisão síria de “recuperar” o Golan, como mais uma consequência dos ataques israelenses. Estamos, pois, por tudo isso, à beira de mais uma guerra? No atual momento, provavelmente não.

Esforços (nos EUA e no exterior) para encurralar Obama e forçá-lo a intervir na Síria, sob o argumento de que sua “linha vermelha” teria sido transgredida, deram, pode-se dizer, em nada. Obama explicou: “Há provas de que se usaram armas químicas dentro da Síria, mas não se sabe ainda quem as usou. Não tomo decisões assim, sobre suposições. Não posso organizar coalizões internacionais, se só há suposições. Já tentamos esse caminho no passado, aliás. E não deu certo.”[10]

De fato, nem provas há, de coisa alguma. A procuradora da Corte Criminal Internacional, Carla del Ponte, disse apenas que há fortes suspeitas de que a oposição – não o Exército Sírio –, usou gás Sarin. Obama encontrou aí um gancho no qual se pendurar, para despachar a questão para uma remota (e com certeza longa) investigação.

Esse Conflicts Forum acredita que Obama – pensando já no legado de seus dois mandatos presidenciais – agarra-se ao desejo de passar à história como o homem que arrancou os EUA de suas mais que calamitosas guerras no Oriente Médio, não como quem iniciou novas guerras. Fontes iranianas observaram que inúmeras mensagens voaram, depois dos ataques israelenses, endereçadas ao Irã, à Síria e à Rússia, para assegurar que os EUA não se preparavam para intervir militarmente – e também Israel, na sequência, afirmou, em várias mensagens, que não estava iniciando qualquer guerra.

Tudo isso posto, como fica a Síria? A posição síria é hoje mais forte que antes, tanto militarmente quanto politicamente (vale a pena ler as declarações de um alto oficial sírio[11], que fala em tom muito mais firme que antes dos ataques israelenses). Por enquanto, o foco está orientado para a possibilidade de negociações, numa conferência internacional prevista para o final do mês de maio.

No plano político, os EUA foram forçados a recuar: os EUA tiveram de se aproximar da posição dos russos (recuaram da posição anterior de “Assad tem de sair”).[12]  E Síria, Irã e o Hizbullah, nos últimos dias, manifestaram publicamente a voz de uma frente revigorada de Resistência.

Mas… conseguirá o Ocidente fazer sua parte desse ‘acordo de Moscou’? Conseguirá levar à mesa de negociações um representante da oposição que tenha poder e credibilidade? Quanto a isso, a posição russa é mais forte: Damasco tem representante com poder armado e com credibilidade. E, mantidas as atuais circunstâncias, as forças do governo sírio também têm alta probabilidade de continuar a avançar com sucesso no front militar.

Isso, ao que parece, não desagradará completamente aos EUA: pode haver aí sinais de importante mudança no pensamento dos americanos. Já começam a circular notícias, depois das conversas em Moscou, que sugerem que os EUA têm agora, como principal objetivo, preservar o Exército Sírio (mesmo que continue sob o comando de Assad).

Tudo leva a crer que os EUA já não acalentem qualquer esperançafile:///C:/Documents%20and%20Settings/Caia%20Fittipaldi/Meus%20documentos/Uma%20semana%20depois.doc#_ftn13″ name=”_ftnref13″ title=””>[13] – se é que algum dia tiveram esperança honesta (porque tudo pode ter sido só absoluto delírio)[14] – de que a oposição possa (ou, sequer, que deseje) eliminar os grupos islamistas radicais armados – sobretudo a Frente Al-Nusra ligada à Al-Qae’da.

Hoje, os EUA parecem inclinados à ideia de que só o Exército Sírio tem capacidade para conter a Al-Qaeda na Síria (é o que o Exército Sírio já está fazendo). 

Nesse caso, sabe-se lá, nada de cessar-fogo? O Exército Sírio continuará a atacar os radicais islamistas, enquanto, paralelamente, a oposição não jihadista será convidada para as negociações? É realizável? Será que os chamados ‘seculares’ podem aceitar essa divisão? Os EUA podem preparar uma oposição síria para participar de negociações. Mas a oposição secular aceitará negociar com Bashar, ao mesmo tempo em que o exército do mesmo Bashar ataca a Frente Al-Nusra? Essa conferência chegará a acontecer?

Mas e se nem a conferência for possível? Nesse caso… acontecerá o quê?

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ATUALIZAÇÃO: “Obama: EE.UU. y Reino Unido acordaron “reforzar la presión” sobre Siria”, 13/5/2013, 13h, Russia Today (esp.) em http://actualidad.rt.com/actualidad/view/94340-obama-siria-eeuu-presion [NTs]
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[1] http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2013/05/israel-syria-airstrike-act-of-war.html#ixzz2SU5QHLgc

[2] http://english.al-akhbar.com/content/nasrallah-israel-cannot-remove-syria-equation-resistance

[3] Sobre essa reunião, ver 10/5/2013, “Kerry não conseguiu incendiar o rio Moscou”, MK Bhadrakumar, Asia Times Online, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/kerry-nao-conseguiu-incendiar-o-rio.html).

[4] http://english.al-akhbar.com/content/resistance-considers-its-options-limited-confrontation-or-open-war

[5] http://debka.com/article/22957/US-to-arm-Syrian-rebels-Putin%E2%80%99s-rebuke-Chinese-%E2%80%9Cpeace-plan%E2%80%9D-mar-Netanyahu%E2%80%99s-Chinese-trip

[6] http://online.wsj.com/article/SB10001424127887324059704578471453006383248.html

[7] http://online.wsj.com/article/SB10001424127887324059704578475382014483030.html

[8] Sobre isso, ver também ver 10/5/2013, “Kerry não conseguiu incendiar o rio Moscou”, MK Bhadrakumar, Asia Times Online, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/kerry-nao-conseguiu-incendiar-o-rio.html

[9] http://english.al-akhbar.com/content/nasrallah-israel-cannot-remove-syria-equation-resistance (trechos traduzidos desse discurso, em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/sayyed-nasrallah-do-hezbollah-siria-nao.html [NTs].

[10] http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2013/05/07/remarks-president-obama-and-president-park-south-korea-joint-press-confe

[11] http://english.al-akhbar.com/content/damascus-ready-normalize-relations-cairo-time-our-side

[12] http://www.bariatwan.com/english/?p=1656

[13] http://www.thenational.ae/news/world/middle-east/americas-hidden-agenda-in-syrias-war#full

[14] http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-22456875

Publicado em 3-10/5/2-13, Comments
http://www.conflictsforum.org/2013/conflicts-forum-weekly-comment-6/

Traduzido pelo coletivo Vila Vudu