O anti-imperialismo na América Latina
A aplicação do neoliberalismo na América Latina, conduzida pelo imperialismo estadunidense em parceria com grupos oligárquicos internos, implicou no retardamento das revoluções burguesas e na eliminação de indispensáveis mecanismos de autodeterminação nacional.
A sustentação de âncora cambial no Brasil e sobretudo na Argentina (currency board) gerou graves déficits comerciais, fragilizou edifícios fabris e elevou a pobreza a níveis alarmantes, enquanto o Equador perdeu seu principal mecanismo de promoção de exportações e defesa aduaneira (moeda) ao ter sua economia dolarizada no ano 2000. Predatórias privatizações de setores ligados à segurança nacional ocorreram por todo o continente (PDVSA-Venezuela, YPF-Argentina, Usiminas/Vale-Brasil, Comibol-Bolívia, etc) provocando maior concentração das riquezas nacionais, que deixaram de ser aplicadas em fomento produtivo e infra-estruturas (nós-de-estrangulamento) e passaram a ser destinadas ao pagamento de abusivos juros de dívidas públicas e à manutenção de currais eleitorais, que nada mais são que uma das expressões políticas do feudalismo latino-americano.
No Chile, embora diretrizes neoliberais tenham sido adotadas em parte do regime Pinochet e posteriormente na década de 1990, importa destacar que sólidas instituições do período Frei-Allende como a Codelco mantiveram sua condição, garantindo movimentações políticas menos abruptas, não obstante as aguerridas mobilizações de segmentos como o movimento estudantil.
Em outros casos, de Brasil e Argentina, a resposta ao período de deterioração nacional foi a ascensão de blocos políticos desenvolvimentistas que abandonaram diretrizes anteriores e conquistaram maiores taxas de crescimento econômico. A positiva radicalidade dos argentinos não se apresentou em igual medida no Brasil, que apesar dos avanços (BNDES, PAC, etc) não modificou sua política cambial desindustrializante e nem promoveu grandes reformas constitucionais (imprensa, judiciário, etc).
Em Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, países de menor complexidade econômica, os novos governos estão construindo processos de democracia direta (comunas, plurinacionalismo, etc) que além de garantirem reformas burguesas inconclusas (agrária, trabalhista, etc) apontam para possibilidades de construção de novos sistemas socialistas, visto que se processa a modificação do regime de propriedade e o controle popular dos meios de produção fundamentais.
Não obstante as conquistas angariadas, é mister destacar que o imperialismo e seus aliados continuam representando sério risco aos projetos nacionais de desenvolvimento em curso no continente. Além de permanecerem constituindo oposição eleitoral, mesmo que fragilizada em alguns casos, sua atuação ainda é perene nos judiciários e nos grandes veículos de comunicação tonificados pelas ditaduras militares do último quartel do século XX. Isso sem mencionar as intervenções diretas contra as vitórias eleitorais de Honduras e Paraguai e a manutenção de vergonhoso bloqueio contra Cuba.
A garantia de respaldo popular para o aprofundamento dos processos em curso em grande medida será derivada da obtenção de altas taxas de crescimento dos produtos internos brutos acompanhada de mais complexas substituições de importações e da continua aplicação dos dividendos oriundos das exportações de commodities (encarecidas por financeirização e dilatação da demanda chinesa) em programas sociais. Essa complexa continuidade, entretanto, exigirá simultaneamente a utilização das capacidades ociosas nacionais, explorando o potencial empresarial existente, e o alijamento das agremiações pró-imperialistas dos núcleos institucionais de poder.
O Brasil, com a árdua tarefa de constituir um capitalismo financeiro nacional, reúne condições para figurar como líder do processo de integração continental, mantendo apoio a construção de infra-estruturas como a Rodovia Panamericana no Peru e as linhas metroviárias de Caracas e Panamá, ampliando as ligações de seu mercado interno com os produtores latino-americanos e ofertando sustentação política aos governos progressistas como vem fazendo desde a gestão Lula.
Lucas Ferreira é Dirigente Estadual do PCdoB-SC, graduado em Geografia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP).