II – Marx e seus efeitos críticos sobre a democracia contemporânea

Em relação às categorias da análise marxista, nós podemos afirmar que o nosso presente pertence ao que Marx chama de “uma democracia vulgar”, quer dizer, uma democracia onde a soberania do povo é ilusória. Deve-se reativar a expressão de Marx sobre a democracia real. Essa democracia não é a manifestação da verdade democrática. Em política não existe verdade de conceitos. Existe apenas a sua efetividade. Ou, para dizer conforme Rousseau, “quem não é nada não produz nada”. Uma democracia real é, então, um espaço no qual os conceitos de cidadão, de vontade do povo, de soberania produzem efeitos políticos. A questão a ser colocada é a seguinte: a vontade dos cidadãos é hoje realmente a força motriz da política democrática? Ela seria se os candidatos fossem designados pelos cidadãos e não pela lógica burocrática dos diferentes partidos. Ela seria se os deputados representassem mais os seus eleitores do que o partido que os apresentou em uma circunscrição eleitoral segura. Ela seria se a democracia respondesse à diferença representativa entre a vontade dos cidadãos e a dos representantes. Ela seria se a democracia tornasse impossível qualquer acúmulo de mandato. Paremos com essa enumeração. Todos esses fenômenos mostram que a nossa democracia não é real no sentido de Marx, pois ela não confere efetividade política aos cidadãos. O sufrágio universal serve apenas para designar políticos que se constituem independentemente da eleição. Nós estamos menos em uma democracia do que em uma oligarquia eletiva. Assim, se deveria afirmar que nosso regime coincide com o fim do governo pelo povo,  substituído pelo governo aprovado pelo povo. Para falar como Marx, nossa democracia “despoja pouco a pouco a fortaleza parlamentar, a Assembleia Nacional, de todos os meios de defesa contra o executivo” (42). Se a reflexão política é sensível a uma certa ética da terminologia, deve-se constatar que o poder Executivo não se contenta simplesmente em aplicar as leis, mas as faz recorrendo à criação de comissões que garantem que os relatórios se transformem em projetos de lei. Todas as leis importantes tiveram uma origem extraparlamentar. Deve-se, então, mudar as definições dos termos utilizados para caracterizar o nosso regime político: o poder Legislativo é uma câmara de legalização dos textos das leis; o poder Executivo é o poder governamental.

Para terminar, eu diria simplesmente, para aqueles que pensam que a democracia real é doce sonho, que tenham a coragem de acordar. O despertar nos diz que se pode sempre fazer com que o povo governe de forma nominal nas declarações de princípio. Mas a realidade nos mostra que essas palavras são como uma poeira política, poeira que deve ser dissipada quando coincidirem as palavras com as coisas:

– não um governo do povo, mas um governo aprovado pelos eleitores,

– não uma democracia, mas uma oligarquia eletiva.

Nota

(42) La guerre civile en France, p.66.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. Pour Marx. Édition la découverte, 1986.
ARON, Raymond. Le marxisme de Marx. Éditions de Fallois, 2002.
MARX, Karl. Critique du droit politique hégélien. Éditions sociales, 1975.
_________. Manuscrits de 1844. Éditions sociales, 1972.
_________. La sainte famille. Éditions sociales, 1972.
_________. L’ideologie allemande, 1977
_________. La question juive. Bibliothèque de sciences sociales. Universidade de Quebec. Acesso em www.marxists.org
_________. Programme de Gotha et d’Erfurt. Bibliothèque de sciences sociales. Universidade de Quebec. Acesso em www.marxists.org
_________. La guerre civile en France. Bibliothèque de sciences sociales. Universidade de Quebec. Acesso em www.marxists.org