Mesmo com uma busca apurada será difícil encontrar muitos militantes de esquerda que tenham passado, com atuação orgânica, desde a ditadura de Dutra até o governo Dilma. Dos poucos existentes, um grupo mais seleto será daqueles que tiveram diversificado tipo de atuação. Desse número restrito um deles é Dynéas Fernandes Aguiar; há mais de 60 anos quadro do Partido Comunista do Brasil.
Sua trajetória começa na adolescência, em que acompanhou com imensa empolgação as homenagens ao centenário de Castro Alves, em 1947. Os ideais republicanos e de libertação de escravos contidos na obra do Poeta da Abolição iniciaram um processo sem volta: a luta por democracia e liberdade. Ele mesmo conta: “A leitura de Navio Negreiro foi uma coisa nova, ali estavam grandes sentimentos de luta por liberdade.” Na mesma época teve contato com a campanha pela nacionalização do Petróleo, que iria culminar na criação da Petrobrás.
No Colégio Estadual Caetano de Campos, tradicional no centro de São Paulo, ele participou de movimentações organizadas pela direção do grêmio. “O presidente era um policial. Honesto, mas reacionário. Um dia ele mostrou antipatia com o pessoal que segurava uma faixa da UPES (União Paulista dos Estudantes Secundaristas), pensei ‘bom, ele não gostou, então eu quero conhecer esses caras da tal UPES.’”
Dessa forma entrou na União da Juventude Comunista e no Partido Comunista do Brasil. Por seu prestígio e disciplina foi presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundários por duas gestões. E na mesma época acompanhou de perto a crise que se instalara no PC do Brasil por conta das denúncias contra os crimes de Stalin feitas por N. Krushov durante o 20º Congresso do PCUS.
Participou dos intensos debates durante o 5º Congresso do PCB, quando se fortalecia o pensamento que o partido deveria se aliar a um amplo nacionalismo para buscar caminhos que colocassem o Brasil no rumo revolucionário. Em 1962, foi eleito para o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil que havia se reorganizado, depois de parte da direção partidária ter desistido do velho partido e fundado o Partido Comunista Brasileiro. Agora seu partido tem a sigla de PCdoB e tinha como companheiros de direção Pedro Pomar, Maurício Grabois, João Amazonas, Calil Chade entre outros.
Deslocado para Brasília, fez resistência à quebra da legalidade com a tentativa de golpe contra Jango após a renúncia de Jânio Quadros e com a anuência da direção do PCdoB, ajudou na preparação do levante dos sargentos realizado na Capital Federal como forma de protestos contra a proibição dos sargentos eleitos deputados federais tomarem posse.
Quando ocorre o Golpe Militar, Dynéas partiu para a uma nova tarefa, curso na China. Junto com Osvaldo Orlando da Costa e outros companheiros que morreram na guerrilha do Araguaia participou de aulas que aprofundaram o conceito de guerra popular e o conhecimento sobre a experiência chinesa.
Ao voltar compôs a Comissão Nacional de Organização para trabalhar junto com Carlos Danielli. Ali prepararam a 6ª Conferência, de 1966, que teve como principal pauta a readequação da política partidária com a nova realidade política brasileira depois do golpe de 1964. As resoluções apontam de forma mais enfática a necessidade de preparação da luta armada.
Em 1969, como dirigente em São Paulo realiza a preparação para a luta armada no sul do Pará, como parte de uma política mais ampla da guerra popular, mas diante das quedas que a ditadura impunha aos comunistas, ele se exila na Argentina e a partir de Buenos Aires, ajuda na divulgação da guerrilha do Araguaia e realiza contatos de solidariedade pela luta do povo brasileiro.
Posteriormente retorna à China e junto com Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas eRenato Rabelo, participava de uma reunião que discutia relações internacionais, quando foi pego de surpresa pela notícia da queda da Lapa. O PCdoB havia sido gravemente ferido com a perda de três valorosos militantes que Dynéas estimava tanto: Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond. Três gerações de militantes que simbolizavam a continuidade de um partido de 54 anos. Outros tantos foram presos e passaram por situações de humilhação e tortura. Nessa hora de estarrecimento, a orientação foi de não voltar ao Brasil e tratar da 7ª Conferência, realizada na Albânia em duas etapas: a 1ª em 1978 e a 2ª em 1979.
A pauta principal era como reestruturar o partido após a queda da Lapa, preparar politicamente para a distensão política e anistia. O enraizamento dos comunistas no seio do povo se daria pela participação pesada no movimento estudantil, organização de uma entidade juvenil e outra de mulheres amplas, um jornal de massas, e por fim, uma revista teórica. Dynéas, junto com os companheiros de direção, foi um dos principais elaboradores dessa preparação para atuar abertamente.
Conquistada a legalidade em 1985, Dynéas se torna um dos responsáveis diretos pela estrutura partidária, atravessa a avalanche ideológica que os comunistas sofreram com a queda do muro de Berlim com a serenidade de 40 anos de militância e contribui para o canto da sereia entoado pelo Consenso de Washington não abalar a foice e o martelo da bandeira do PCdoB.
Nos anos que o Brasil foi acometido pelo neoliberalismo, Dynéas foi desempenhar outra tarefa. Em Campos do Jordão, cidade em que morou durante anos, assumiu o desafio de ser vice prefeito e lutar por uma administração pública que tivesse visão estratégica para a cidade e para os interesses do povo.
No desempenho dessa tarefa há uma história que resume bem a personalidade do velho comunista. Ele recusou durante o seu mandato a se utilizar do carro oficial que tinha direito, deslocando-se pela cidade sempre de ônibus ou carona. Diante de tal recusa e dada a sua pontualidade, um dos motoristas, sempre que possível, passava pelo ponto de ônibus próximo a casa de Dynéas e lhe oferecia carona. Como não desconfiava da estratégia, ele sempre aceitava e ia para a Prefeitura no carro oficial.
Com o corpo cansado e a mente muito viva, ele se dedica hoje ao trabalho de construção da história partidária realizada pelo Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois. A trajetória de Dynéas é uma fonte informação e análise da trajetória dos comunistas no Brasil. Ele coordena e realiza pesquisa que ajudam a sistematizar a história de 90 anos do Partido que ele ajudou a construir.
São poucos os brasileiros que podem mostrar uma trajetória de mais de 60 anos de luta em defesa do Brasil e pelo socialismo. Dynéas tem um currículo revolucionário que conta com a luta armada e governo, a experiência de direção da base à cúpula, a luta teórico-ideológica interna, a reestruturação partidária. Tudo isso realizado com disciplina e dedicação sem perder o mesmo brilho nos olhos quando militava na UPES.