A Associação Internacional dos Trabalhadores

Após o fechamento da Liga dos Comunistas, houve um momentâneo desânimo em relação às possibilidades da constituição dum Partido Comunista. São desse curto período as frases mais desconcertantes expressas em cartas por esses dois camaradas de armas. Marx, por exemplo, escreveu ao poeta Freiligrath: “nunca voltarei a pertencer a nenhuma sociedade, secreta ou pública”. Mas, logo sentiria a necessidade de “recrutar nosso partido”. A Liga dos Comunistas, para eles, havia sido apenas “um episódio na história do Partido, que em toda parte cresce espontaneamente do solo da sociedade moderna”.
No final da década de 1850, o movimento operário da Europa e dos Estados Unidos começou a recobrar fôlego. Organizaram-se novos sindicatos e realizaram-se grandes greves por aumento de salários, redução da jornada de trabalho e por direitos sociais. A própria composição da classe operária modificava-se rapidamente: aumentou o número dos trabalhadores manuais empregados na grande indústria.
Fruto desse processo, em 28 de setembro de 1864, fundou-se a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Escreveu Johnstone: “A formação da I Internacional em 1864 deu a Marx (e mais tarde a Engels) a oportunidade de romper com seu relativo isolamento e integrar-se ao movimento operário da Europa Ocidental, que então renascia numa escala muito mais ampla que seu predecessor continental da década de 1840.”
Como ocorreu em 1847, eles foram chamados para ajudar na elaboração do programa e dos estatutos da nova organização operária supranacional. A tarefa seria muito mais difícil, pois desta Internacional participavam os trade-unionistas (sindicalistas) britânicos, os proudhonianos franceses, os lassalianos alemães, os bakhuninistas (anarquistas) e outras correntes não-marxistas. A ela, ainda podiam se filiar sindicatos, cooperativas de consumo e de produção, associações políticas (secretas ou públicas) e personalidades avulsas. Portanto, ao contrário da Liga dos Comunistas, seria difícil pensá-la como um partido unificado política e ideologicamente.
Marx elaborou os documentos fundacionais, como o Preâmbulo aos estatutos e a Mensagem Inaugural. Ele teve de ter grande habilidade para contentar todas as correntes participantes, sem cair no ecletismo ou retroceder significativamente sobre o terreno teórico já conquistado com o Manifesto Comunista, de 1848. Nestes textos, estava presente a ideia-chave: “conquistar o poder político tornou-se o grande dever da classe operária”.
Os estatutos, seguindo o modelo da Liga, previam congressos anuais como instâncias máximas que deveriam eleger um Conselho Central. Criou-se também um pequeno órgão executivo chamado Comitê Dirigente, com cerca de 10 pessoas. Marx, mesmo impossibilitado de estar no Congresso, foi indicado para este comitê por ser o secretário da seção alemã. Como afirmou Lênin, a partir de então ele seria “a alma da Internacional”. Muitas das reuniões da direção eram realizadas na sua residência. A história da Liga e da I Internacional comprova quão falsas são as teses que afirmam que Marx e Engels jamais se envolveram em trabalhos de direção concreta de uma organização de caráter político-partidário.
Na Conferência de Londres (1865), Marx e Engels derrotaram os proudhonianos franceses que queriam acabar com o “princípio da representação” e defendiam que todos os operários presentes nos congressos teriam direito ao voto. Advogavam que a Internacional não devia tratar da luta de libertação travada pelos poloneses por ser este um assunto estritamente político, que não tinha relação direta com os interesses social-econômicos dos operários europeus. Para contribuir com o debate, Engels escreveu uma série de artigos intitulados “O que tem a classe operária a ver com a Polônia?”. O internacionalismo proletário e o apoio às lutas de libertação dos povos subjugados passavam a ser princípios irrevogáveis das organizações verdadeiramente comunistas.
A grande batalha ainda estaria por vir. Em 1868 o anarquista russo Bakhunin fundou a Aliança Internacional da Democracia Socialista e solicitou o seu ingresso na AIT. Marx e Engels defenderam que não se aceitasse tal pedido por tratar-se de outra organização internacional, com princípios políticos e organizativos diferentes. Bakhunin manobrou, dissolveu formalmente a Aliança e indicou que suas seções regionais se filiassem à AIT. Os bakhuninistas passaram a funcionar clandestinamente dentro da Internacional comprometendo sua unidade política.
Sentindo-se mais à vontade e ganhando a confiança da maioria dos membros da AIT, Marx e Engels deram novos passos à frente. Na Conferência de Londres (1871), aprovaram uma resolução “sobre a atividade política da classe operária”, na qual se afirmava: “contra o poder coletivo das classes proprietárias, o proletariado só pode atuar como classe constituindo-se em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes proprietárias”, e que “esta aglutinação do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e de seu objetivo supremo: a abolição das classes”. Engels, resumindo a resolução, escreveu: “ela simplesmente demanda a formação, em todos os países, de um partido independente da classe operária, oposto a todos os partidos da classe média”.
As organizações regionais sob direção bakhuninista recusaram-se a aceitar as decisões da Conferência. Em 1872, o Conselho Geral denunciou as ações dos anarquistas contra a Internacional. Marx, Engels e Lafarge escreveram o folheto As pretensas divergências na Internacional e se prepararam para o combate que se daria no Congresso da AIT, em Haya. Pela primeira vez, os dois amigos participariam juntos de um evento dessa natureza. Marx escreveria, “neste congresso tratar-se-á da vida ou da morte da Internacional”.
Este seria o encontro internacional mais expressivo do movimento operário socialista até então. Ali estavam presentes setenta e cinco delegados, representando quinze países. Como esperado, os anarquistas pediram a dissolução do Conselho Geral e de toda autoridade no interior da AIT. Mas, o congresso ratificou todas as decisões da conferência de Londres. A resolução final destacou: “A constituição da classe operária em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e do seu fim supremo: a abolição das classes (…). A conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado”. Diante dos sucessivos atos divisionistas promovidos pelos anarquistas, fartamente documentados, decidiu-se pela expulsão de Bakhunin e de seus camaradas.
O massacre da heroica experiência da Comuna de Paris (1871) representou um duro golpe contra a Associação Internacional dos Trabalhadores, apesar de ela ter tido um papel relativamente pequeno na sua eclosão e direção. Como ocorreu após as derrotas das revoluções de 1848, o mundo entrou numa fase marcada pelo avanço das forças reacionárias e pela repressão aos movimentos operário e socialista.
Visando a proteger a Internacional da contrarrevolução em curso e das influências blanquistas (e anarquistas) que cresciam, Marx e Engels propuseram a transferência da sede da entidade para Nova Iorque. Alguns anos depois, em 1876, a Conferência de Filadélfia decidiu pela sua dissolução. A conjuntura era bastante desfavorável à existência de uma organização socialista internacional daquele tipo.
Em setembro de 1873, Marx escreveu: “Segundo minha visão das condições europeias, é inteiramente útil fazer agora passar a organização formal da Internacional para um segundo plano”. Dois anos depois ele repetiria a mesma ideia: “A atividade internacional da classe operária não depende de maneira alguma da existência da Associação Internacional dos Trabalhadores. Esta foi apenas a primeira tentativa de criar um órgão central para aquela atividade; uma tentativa que, pelo impulso que deu, teve consequências duradouras, mas que, na sua primeira forma histórica, não era prolongável mais tempo após a queda da Comuna de Paris”.
Marx e Engels chegaram à conclusão de que a existência da Internacional poderia se constituir num obstáculo à formação de poderosos partidos operários nos principais países capitalistas. Isso contradiz uma tese muito difundida que afirma ser a Internacional uma forma de organização necessária em toda e qualquer conjuntura, sendo quase uma questão de princípio para os marxistas. Isso não é verdadeiro.
Em algumas fases do movimento comunista, de instrumento impulsionador da luta e da organização proletária ela se transformou num entrave. Princípio irremovível para os marxistas revolucionários é o internacionalismo proletário e não as internacionais.

O Partido Social-Democrata Alemão

Durante os primeiros anos de funcionamento da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a influência de Marx era muito pequena em sua terra natal. Por isso, ele se dizia um “general sem exército”. A Associação Geral dos Trabalhadores da Alemanha, fundada em 1863, era fortemente influenciada pelas ideias de Ferdinand Lassale. Este apregoava uma aliança com os junkers (aristocracia rural prussiana) no poder contra a oposição liberal-burguesa, em troca de alguns benefícios aos operários. Uma tática oposta à defendida por Marx.
Em 1869, um grupo de socialistas de esquerda rompeu com a associação lassaliana e realizou um congresso em Eisenach no qual se decidiu pela criação do Partido Operário Social-Democrata. Este foi o primeiro partido proletário, sob inspiração do marxismo num âmbito nacional. Entre seus fundadores estavam Wilhelm Liebknecht e Augusto Bebel, recém-eleitos para o parlamento imperial alemão.
A nova organização quando nasceu possuía cerca de 10 mil membros. Não podendo legalmente filiar-se à AIT, se disse “solidário” com suas aspirações. Desde então, a I Internacional passou a ter uma base sólida na Alemanha. Bons auspícios se anunciavam para os socialistas europeus, porém a guerra franco-prussiana (1870), e depois a derrota da Comuna de Paris (1871), iriam fazer estancar e retroceder esses avanços.
Merece destaque especial a atuação dos dois únicos deputados marxistas do parlamento prussiano. Eles, primeiramente, denunciaram a agressão militar perpetrada por Napoleão III contra a Alemanha. Quando o conflito mudou de curso e transformou-se numa guerra de conquista prussiana, eles não temeram denunciar os objetivos de rapina do seu próprio governo e defender uma paz sem anexações com a França. Por seu ato corajoso, eles foram presos e acusados de alta traição.
Em resposta a esta atitude, Marx e Engels escreveram uma carta conjunta, na qual diziam: “Nós todos ficamos muito satisfeitos com a manifestação corajosa dos dois no Parlamento Imperial, em circunstâncias em que, de fato, não era fácil mostrar franca e determinantemente as nossas opiniões”. Nascia, assim, um novo tipo de parlamentar, que colocava os interesses do proletariado mundial acima dos interesses de sua pátria capitalista e com aspirações imperialistas.
No Congresso de Gotha (1875), o Partido Operário Social-Democrata (marxista) se unificou com a Associação Geral Operária (lassaliana), fundando um único partido socialista: o Partido Social-Democrata Alemão (PSDA). Embora a unificação tenha sido um acontecimento de grande importância, o programa não agradou a Marx e Engels. O documento, segundo eles, fazia demasiada concessão às concepções do velho Lassale, morto em 1864.
Contra esse texto, considerado eclético, Marx escreveu Crítica ao Programa de Gotha, que não foi divulgada na época. Duas coisas se destacavam negativamente no programa: a ausência da exigência de uma República Democrática e a utilização do termo impreciso “Estado Livre” – para definir o Estado no socialismo. Para os marxistas, o Estado era essencialmente uma máquina de dominação de uma classe sobre a outra. O próprio Estado socialista não estaria a serviço da liberdade em geral, ele seria um instrumento nas mãos do proletariado revolucionário em sua luta contra a burguesia apeada do poder.
Devido a essas diferenças conceituais, Marx e Engels chegaram mesmo a considerar que a fusão não tinha valido o preço. A vida demonstraria que, neste caso, eles estavam errados. Os resultados da unificação acabaram sendo mais positivos do que negativos. Em pouco tempo as ideias marxistas triunfaram no interior do PSDA. Em 1877, o Partido conseguiu cerca de 500 mil votos – quase 10% do eleitorado –, elegendo 12 deputados. Isso representava 36% a mais do que haviam recebido os dois partidos socialistas somados na eleição anterior. O número de seus militantes chegava a 32 mil.A maioria deles era composta de operários fabris.
Em 1878, diante do assustador crescimento eleitoral do Partido Social-Democrata, e aproveitando-se de dois atentados contra o imperador, o primeiro-ministro Bismarck editou as leis antissocialistas. O Partido, recém-organizado, passou a viver numa situação de semiclandestinidade. Suas sedes e jornais foram fechados. Vários dirigentes acabaram sendo presos e exilados.
Surpreendentemente, mesmo sob as leis discricionárias, o PSDA continuou crescendo. Em 1884 seus candidatos obtiveram 550 mil votos e, pela primeira vez, o número de parlamentares permitiu aos socialistas apresentarem projetos de lei no parlamento. Três anos depois, os socialistas alcançaram 774 mil votos.
Surge um fenômeno novo e negativo. A fração parlamentar, por sua expressão política e pelos meios materiais que possuía, acabou gradualmente assumindo um maior poder na definição dos rumos da política partidária. Esta passaria a ser uma das características marcantes da social-democracia europeia.
Um grande salto eleitoral aconteceria em 1890. O Partido conseguiu quase 1,5 milhões de votos, elegendo 35 deputados. Como resultado desta vitória estupenda, caiu o poderoso Bismarck e, com ele, todas as leis antissocialistas. Em 1893 os socialistas obtiveram 1,8 milhões de votos (mais de 25% do eleitorado) e elegeram 44 deputados. As leis autoritárias mostraram-se impotentes para conter o avanço da esquerda alemã. Os agrários e a grande burguesia precisavam agora encontrar outros meios para barrar a ameaça vermelha.
Na sua polêmica Introdução (1895) ao livro de Marx As Lutas de Classes na França, Engels escreveu: “A ironia da história universal põe tudo de cabeça para baixo. Nós, os ‘revolucionários’, os ‘subversivos’, prosperamos muito melhor com os meios legais do que com os ilegais e a subversão. Os ‘partidos da ordem’, como eles se intitulam, afundam-se com a legalidade que eles próprios criaram. Exclamam desesperados com Odilon Barrot: a legalidade nos mata, enquanto nós, com essa legalidade, revigoramos os nossos músculos e ganhamos cores nas faces e parecemos ter vida eterna. E se nós não formos loucos a ponto de lhes fazermos o favor de nos deixarmos arrastar para a luta de rua, não lhes restará outra saída senão serem eles próprios a romper com esta legalidade tão fatal para eles”. Neste caso a violência seria defensiva, uma resposta operária e socialista à violação da legalidade por parte da burguesia.
Existia na época – fruto dessas estrondosas vitórias eleitorais – uma ilusão de que nas próximas eleições o PSDA conseguiria a maioria dos votos e com isso poderia iniciar a transição socialista, sem maiores traumas. O próprio Engels, nessa mesma Introdução, escreveu otimista: “O seu crescimento (do PSDA) dá-se tão espontaneamente, tão constantemente, tão irresistivelmente e, ao mesmo tempo, tão tranquilamente como um processo da natureza. Todas as intervenções do governo provaram nada conseguir contra ela. Já podemos contar com 2 ¼ milhões de eleitores. Se isso continuar assim conquistaremos até o fim do século a maior parte das camadas médias da sociedade (…) e nos transformaremos na força decisiva do país perante a qual todas as outras, quer queiram ou não, terão que se inclinar.” As coisas, no entanto, seriam muito mais complicadas do que pensavam os socialistas alemães naquele momento.
O Congresso de Erfurt (1891) aprovou um novo programa partidário. No processo de elaboração deste documento, Engels escreveu o artigo “Para a crítica do projeto de programa social-democrata”. A grande parte de suas propostas foi incorporada ao texto final. O Partido, finalmente, passava a ter um programa efetivamente marxista.
O PSDA acabou se constituindo num modelo que foi seguido por uma grande parte das organizações políticas socialistas criadas na Europa e na América. Surgiram partidos deste tipo na França, Áustria, Espanha, Itália, nos EUA, Inglaterra e Rússia. Nasceram sob o signo da teoria mais avançada produzida até então: o marxismo.
Alguns estudiosos, como Umberto Cerroni, chegaram mesmo a afirmar que o PSDA não foi apenas o primeiro grande partido socialista de base nacional, mas o primeiro partido político moderno. Segundo eles, a burguesia, acossada pelo avanço político dos partidos operários, começou a copiar alguns aspectos de sua organização, fundando os seus próprios partidos eleitorais e de massas.

Engels e a II Internacional

Desde o início da década de 1880 foi surgindo a necessidade de reunir esses novos partidos socialistas e agrupá-los numa organização de caráter internacional. Marx e Engels resistiram muito à ideia de reconstruir uma nova Internacional nos moldes das antigas. Observou Annie Kriegel: “Entre 1876 e 1888, congressos e conferências internacionais se sucedem (1881 em Coire, Suíça, 1883 em Paris etc.). Os socialistas da Bélgica e Suíça eram os que animavam estas iniciativas com o objetivo de reconstruir a AIT. Porém, seus esforços resultaram inúteis pela oposição da social-democracia alemã, especialmente de Marx e Engels, para os quais o problema não era voltar a um estado de coisas considerado superado, mas era criar partidos poderosos e coerentes nos três países decisivos da Europa: Inglaterra, Alemanha e França”.
Depois de vários contatos e reuniões, os socialistas franceses resolveram convocar para o ano de 1889 um novo congresso internacional. Este deveria se realizar, por proposta de Engels, no dia 14 de julho – quando se comemoraria o centenário da grande Revolução Francesa.
O congresso contou com a participação de 300 delegados, representando 23 países. Engels resistiu até o último momento à “nostalgia de se reconstituir a Internacional”. Não foi por acaso que ali não proclamou oficialmente a formação de nenhuma organização socialista internacional. Apenas no congresso de Bruxelas (1891) isso seria feito.
Os socialistas alemães, inspirados por Engels, relutaram em dar à Internacional nascente uma estrutura muito centralizada. Como afirmou Kriegel, a II Internacional foi uma “federação de partidos ou grupos nacionais autônomos, que assegurava as relações internacionais entre os movimentos dos diversos países na forma de congressos internacionais (…). Porém os congressos internacionais evitavam escrupulosamente intervir nos assuntos internos das seções nacionais que conservavam sua competência exclusiva em matéria de tática”. As resoluções congressuais tinham apenas um caráter indicativo e não obrigatório. Apenas em 1900 foi constituído o Bureau Socialista Internacional – espécie de direção central –, composto por dois delegados de cada país-membro, com sede em Bruxelas.
Engels e seus camaradas consideraram, num primeiro momento, inconveniente excluir as minorias anarquistas da organização. Os marxistas esperavam ainda atrair setores vacilantes para posições mais consequentes. Como ocorreu na I Internacional, a tática era continuar aprovando resoluções que exigissem dos seus aderentes uma posição cada vez mais clara diante da luta política, inclusive parlamentar.
Em Zurique (1893), por exemplo, foi aprovada uma moção que afirmava: “são admitidos no Congresso todos os sindicatos profissionais operários assim como aqueles partidos e associação socialistas que reconhecem a necessidade da organização operária e a ação política”. Apenas três anos depois, em Londres, os anarquistas foram expulsos das fileiras da II Internacional. Engels exclamou: “Com isso, a velha internacional chegou ao seu fim e começamos uma nova Internacional”.
Por outro lado, Engels estava muito preocupado com a democracia no interior dos novos partidos socialistas, considerava que esta era uma das condições para se conseguir manter a unidade de ação política. “O partido operário”, afirmou ele, “se baseia na crítica mais aguda da sociedade existente. A crítica é um elemento vital. Como pode, então, evitar nele mesmo as críticas, proibir a controvérsia no seu interior? É possível que demandemos mais liberdade de palavra somente para logo depois eliminá-la dentro de nossas próprias fileiras?”. Numa carta, se referindo ao PSDA, esclareceu: “O partido é tão grande que a absoluta liberdade interna de debate resulta numa necessidade (…). O maior partido do país não pode existir sem que todos os matizes de opinião dos que o integram se façam ouvir plenamente’”.
A II Internacional não estabeleceu o princípio da obrigatoriedade de partido único do proletariado em cada país. Reconhecia o direito de existência de vários partidos e mesmo de várias tendências num mesmo partido. O que não impediu que advogasse a necessidade política de unificação das diversas organizações nacionais num único – e poderoso – partido socialista, pois isso facilitaria a luta dos operários pelo poder político.
Assim, no final do século XIX, o marxismo se consolidou como a principal força no movimento operário e socialista europeu. Desde então, as grandes batalhas teóricas e políticas se dariam no seu interior.
Engels morreu em 1895 deixando de pé um poderoso movimento socialista internacional. Contudo, logo após a sua morte, a Internacional se viu mergulhada num grande debate em torno das ideias reformistas capitaneadas por Eduard Bernstein. Este privilegiava a luta parlamentar e sindical corporativa em detrimento da luta política revolucionária. Para ele, seria através do voto que o trabalhador se elevaria “da condição social de proletário para aquela de cidadão”. As reformas políticas e sociais já seriam a própria realização molecular da nova sociedade socialista. A corrente de Bernstein foi denominada “revisionista”.
Ela foi derrotada no congresso da social-democracia alemã de 1903. Uma das resoluções aprovadas afirmava: “O Congresso condena energicamente as tendências revisionistas que visam a mudar nossa tática vitoriosa baseada na luta de classes”. Embora batidas nas plenárias, as ideias de Bernstein continuaram influenciando a social-democracia até tornarem-se hegemônicas nas décadas seguintes.

Conclusão

Como foi possível observar durante toda nossa exposição, Marx e Engels foram decididamente homens de partido. Sempre o valorizaram como instrumento privilegiado na luta pela superação revolucionária do capitalismo e a conquista do socialismo. Mas, nunca se prenderam, dogmaticamente, a uma única forma de organização. Esta deveria servir, em última instância, à política transformadora, e não o contrário. Cada vez que uma forma de organização era superada pela vida, não temiam em abandoná-la e procurar outros caminhos, mais adequados.
Sumariamente, podemos ver as formas adotadas pelos partidos operários ao longo do século XIX: 1º) a pequena organização internacional de quadros comunistas (A Liga dos Comunistas: 1847-1852); 2º) a ampla federação internacional de organizações operárias (A I Internacional: 1864-1872); 3º) os partidos socialistas nacionais e de massas (ex: a Social-Democracia Alemã – 1870 a 1914); 4º) Federação de Partidos Socialistas – marxistas (II Internacional: 1889-1914). Além desses, tivemos os partidos de massas operários não-marxistas (cartistas e trabalhistas).
Marx e Engels tinham consciência de que as formas partidárias deveriam variar de país para país, tendo em vista o nível da luta de classes e as particularidades nacionais. Johnstone escreveu: “A Alemanha em 1860 e, em menor medida, a França em 1880 haviam alcançado a etapa em que os partidos se arraigavam na classe trabalhadora sobre a base de programas socialistas mais ou menos desenvolvidos, e para Marx e Engels qualquer tentativa de fundir com outras organizações ou de ganhar mais votos em troca da adulteração ou da deterioração desse programa representava um ‘decisivo retrocesso’. Porém, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde os trabalhadores haviam estado politicamente ligados a partidos burgueses, qualquer movimento até um amplo partido unido e próprio dos trabalhadores, por mais retrógradas que fossem suas bases teóricas, era um avanço”.
É claro, para eles, todos esses movimentos deveriam convergir para a constituição de um partido socialista de novo tipo, que tivesse os seguintes princípios norteadores: ser um partido da classe operária e, ao mesmo tempo, um partido de vanguarda desta classe; ser um partido para a ruptura com o capitalismo; ser um partido internacionalista; e, por fim, ser um partido regido por normas centralistas que fossem profundamente democráticas. Esses princípios seriam desenvolvidos e adaptados por Lênin e seus discípulos à situação aberta no início do século XX com a consolidação do imperialismo e os avanços das revoluções populares e socialistas.

* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.

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