WALDEREZ, TATUCA, DIOGUINHO E LAMPIÃO

 

ESTAÇÃO TATUCA    


PREFÁCIO de 2010
Este autor, ACAS, está finalizando um artigo (histórico), sobre um bandido (Dioguinho) que nasceu, viveu e morreu no final do século XIX na região da Alta Mogiana, região de influência de Ribeirão Preto. O bandido Dioguinho é um mito; do qual se ouve muitas estórias, depoimentos e causos. Muita coisa pode ser mentira, mas a simples menção do nome do Dioguinho, na região onde atuou, causa sempre comentários; todas, no entanto, atestam sua falta de escrúpulos e o sangue frio com que matava a pedido, de pessoas de posses, que solicitavam (e pagavam) por seus serviços. Este texto, em que mostro um depoimento de uma atriz de cinema e TV, nascida em Ribeirão Preta e muitíssima conhecida e famosa; conta um pouco da história do bandido, que era chamado de “o homem terror”. Mesmo ela não tendo conhecido pessoalmente o facínora, conviveu com pessoas que o conheceram ou conheceram estórias a respeito dele. Neste artigo que ora publico, comento trecho do depoimento de Walderez de Barros no livro em epígrafe, que serve como “aperitivo” para o artigo que publicarei no início de 2011.

Obra: (Do livro sobre Walderez de Barros – “Vozes e Silêncios”, IMESP, 2004, de Rogério Menezes).

A estação de Tatuca, da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, no MUNICÍPIO DE JATAI (SP)-atual cidade de LUIS ANTÔNIO, foi inaugurada em 1911, juntamente com Gironda (estação na qual o ACAS embarcou,  aos treze anos de idade, quando foi morar na capital; cidade de São Paulo) e Capão da Cruz. A estação Tatuca, era utilizada pela Mogiana principalmente para carregar lenha. Era uma vila ferroviária grande, pois era ponto de cruzamento de estradas. Ficava na Fazenda Tatuca, propriedade do Coronel Tatuca (Antônio Fernandes Nogueira), que morava na sede. Segundo os ferroviários antigos, na vila, à noite, tudo devia ser trancado, pois, em volta, havia muitas onças-pintadas, que invadiam as casas e a estação. Tatuca foi suprimida pela Mogiana no ano de 1954, bem antes do fechamento do ramal, que deu em 1961.

Diz a atriz Walderez de Barros: [….Durante toda a minha primeira infância, dos dois aos sete anos, meu pai trabalhou como chefe de estação de trem. Nesse período, moramos em duas estações da Estrada Mogiana. Primeiro em uma que se chamava Anil, em Minas. Depois a gente mudou para outro lugar chamado Tatuca, já bem perto de Ribeirão Preto, em São Paulo. O lugar chamava Tatuca por causa do fazendeiro de mesmo nome, que tinha a maior fazenda da região. Criança ainda, ouvia histórias que davam conta de que esse fazendeiro, o Coronel Tatuca, acoitava um bandido famoso a época, um tal Dioguinho (Diogo da Rocha Figueira). Quem me contava essas histórias eram o meu pai, as pessoas que frequentavam a estação e o maquinista, o “Seu” Domingos. A única casa que tinha naquele lugar, além da nossa, era a dele, “Seu” Domingos. Meu pai, além de chefe da estação, era telegrafista. Nessa época, 1945, talvez 1946, o lugar já enfrentava certa decadência, o ciclo do café já tinha passado (N. A. 1), não era mais a estação importante que fora muitos anos antes. Era então estação de pouco movimento, só passavam um trem de manhã e outro trem à noite. Às vezes passava algum trem de carga, que raramente transportava carga; só passava! Havia também um armazém imenso, que, diziam, no apogeu da cultura do café, vivia abarrotado de café até o teto. As histórias que ouvia sobre esse tal Dioguinho o comparavam a Lampião (N. A. 2). Era bandido, mas justiceiro. Matava as pessoas a mando do Coronel Tatuca, mas, contavam, sempre era pra vingar alguma coisa. Comentavam, também, que era pessoa culta, também filho de fazendeiros, mas teria acontecido alguma desgraça com a família dele e passou a fazer a justiça com as próprias mãos. Vivemos dois anos mais ou menos em Tatuca. A estação era a nossa casa, a gente morava na própria estação. De Tatuca, lembro dos japoneses que começavam a ocupar a região, das fazendas, dos japoneses que iam para a estação tomar o trem, que eles não falavam português, mas sim uma língua muito confusa. Então, não sei como, uma moça lá, japonesa, ficou sabendo que minha mãe costurava,  que fazia vestido de noiva que queriam que minha mãe costurasse. Minha mãe não falava uma palavra em japonês e elas, uma palavra em português. Mas, milagrosamente, conseguiram explicar que o que queriam era aquele vestido da tal revista, aí trouxeram o pano e tal. O meu divertimento era o trem. Tinha dois trens de passageiros. Um que vinha de Ribeirão de manhã. E, à noite, chegava o que voltava. O meu grande divertimento era ver o trem passar. O trem parava na estação mesmo que não houvesse passageiro para subir ou para descer. Tinha de parar; era obrigatório! Lembro-me de outro personagem de minha infância. Era um maquinista, que morava meio afastado, o “Seu” Domingos, um negro muito interessante. Não lembro muito do rosto dele, mas sei que era um grande contador de “causos”. Então depois que o trem passava, acho que era 8 horas da noite, ou seja, o serviço tinha acabado, trem só amanhã, a gente ficava sentada na plataforma da estação, meu pai, minha mãe, “Seu” Domingos e, às vezes, a mulher do boiadeiro, porque o boiadeiro viajava muito também e a mulher do boiadeiro ficava muito sozinha. Aí “Seu” Domingos ficava contando histórias, tanto da região, quanto de outros lugares. Gostava muito das histórias de bicho que contava, principalmente de onças, na região tinha muita onça àquela época.
[Não me lembro das histórias, lembro apenas das sensações que aquelas histórias me causavam e eram sensações muito boas; de alegria].

(N. A. 1): o ciclo do café só terminou na década de 1960, assim como as ferrovias da região.

FOTO HISTÓRICA DE DIOGUINHO (AO CENTRO)


(N. A. 2): Lampião atuou no nordeste do Brasil; bem longe da região onde Dioguinho atuava. Lampião nasceu em um lugarejo chamado de Villa Bella, em Serra Talhada (PE), em 7 de julho de 1897 e morreu em 28 de julho de 1938, em Angicos (SE), aos 41 anos de idade. Assim como Dioguinho, Lampião era acoitado pelos poderosos da sua região de atuação. Só que Lampião ajudava os pobres e os ricos, enquanto Dioguinho ajudava só quem lhe pudesse pagar.

LAMPIÃO, REI DO CANGAÇO
(N.A. 3): Lampião, que nasceu, viveu e morreu no nordeste do Brasil; veio ao mundo  dois meses depois da morte de Dioguinho. Também teve uma vida de crimes. No entanto, a sua história é muito mais conhecida que a do Dioguinho; uma das razões, para este autor, é que Lampião nasceu e viveu num tempo em que a modernagem já estava implantada. Ele foi visitado e fotografado por um fotógrafo Libanês e amigo de Padre Cícero (Benjamim Abrahão), em 1935 (três anos antes da morte de Lampião), usando modernas máquinas de fotografia, cujas fotos até hoje são divulgadas. Imagine o leitor: a televisão chegou ao Brasil em 1950, somente doze anos depois da morte de Lampião. Já as fotos de Dioguinho são raras, pois na sua época, o processo de fotografia era muito rústico, o que não permitia que se levassem os apetrechos pelo sertão afora. Na época de Lampião, já havia estações de rádio, que expandiam o alcance dos jornais da época, coisa que na época de Dioguinho era muito rara. No entanto, há registros de que Dioguinho, na função de topógrafo de ferrovias, era tido como um grande personagem, cuja importância os poderosos que dele se serviam admitiam, compareceu em pelo menos duas reuniões preparatórias para a Proclamação da República do Brasil; uma na Fazenda Alvarenga (entre Cravinhos e São Simão) e outra na mais importante delas, histórica, realizada em Itu e chamada de “Convenção de Itu”. Já os protetores de Lampião eram importantes quanto ao fato de serem ricos; porém não tinham importância política; o único protetor de Lampião que chegou mais perto disso, foi o Padre Cícero Romão, de Juazeiro do Norte (CE), que teve um cargo político discreto e de repercussão apenas regional; embora sua importância, após sua morte foi (e é) grandemente aumentada; porém do ponto de vista religioso! Ainda hoje, o Padre Cícero é cultuado por romeiros de todo o Brasil, mas principalmente do Nordeste; como milagreiro. Alguns cordelistas nordestinos contam, de acordo com a literatura oral, que certa vez Padre Cícero deu a Lampião o dom de se transformar em qualquer coisa, na hora do perigo: ele podia s e transformar numa árvore, num jegue ou num passarinho. As lendas que envolvem esses dois personagens são muito parecidas. E por falar em literatura de cordel, lembro-me de ter lido, ainda menino, um cordel intitulado: ” A peleja de Dioguinho e Lampião no Inferno”, de autoria do cordelista Antônio Teodoro dos Santos.

POSTFÁCIO
A estação Tatuca da Companhia Mogiana, faz parte de um ramal (de Jataí) da linha tronco, que ligava Campinas a Ribeirão Preto (posteriormente ela seguiu até o estado de Goiás). Tal ramal funcionou de 13 de junho de 1911 até 1961 e ficava no quilômetro 39,74. Sua construção começou em 1910. Era uma variante da linha-tronco, que ficava em meio às estações de São Simão e Cravinhos. A estação Tatuca servia para transporte de mercadorias: modesta quantidade de café e passageiros; além de ser ponto de embarque de lenha da Mogiana; lenha esta que era usada para queimar nas fornalhas das locomotivas, que eram movidas a vapor. Em 1914, a Mogiana, junto (há uma indefinição aqui) com a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (que fazia a linha tronco complementar em bitola larga entre Campinas e São Paulo), inaugurou novo trecho, através de um novo ramal, que seguia de Monteiros até Guatapará. O ramal entre São Simão e Monteiros foi desativado em 1961, porém Monteiros passou a fazer parte do ramal de Guatapará, que ligava ao ramal que ia até Ribeirão Preto. Em 1976, também este novo ramal foi desfeito e os trilhos foram retirados até Ribeirão Preto; em trabalho que só terminou em 1979. Convém salientar que todas as estações foram demolidas, total ou parcialmente, inclusive a da estação Gironda; que faz parte da minha história pessoal.

 

FOTO RECENTE DA ATRIZ WALDEREZ DE BARROS
PS: Walderez de Barros é atriz de teatro, cinema, rádio e TV. Ela foi casada por muitos anos com o ator, dramaturgo, escritor, jornalista esportivo e palestrante Plínio Marcos (já falecido); este, uma lenda na vida cultural de São Paulo e do Brasil.

 

PLÍNIO MARCOS – MULTIARTISTA

 

 

  Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.