Segundo o que o próprio Vinicius, meu irmão, relatou à minha irmã Lygia, antes mesmo da edição do AI-5, ele soubera, através de amigos no Itamarati, que o presidente enviara a famosa nota ao então ministro Magalhães Pinto, vazada nos seguintes termos: ‘Demita-se esse vagabundo’. Antes de prosseguir no assunto, devo explicar que, naquela época, eu trabalhava na FAO-Nações Unidas e tinha muito contato com o Itamarati, onde nunca encontrava Vinicius. Por isso, em certa ocasião, perguntei-lhe por que não comparecia regularmente à Casa, e sua resposta foi: ‘Já me apresentei três vezes (depois de sua volta do Uruguai) ao secretário geral para ser designado para alguma função. Nada foi feito e eu me recuso a ficar andando pelos corredores, sem nada para fazer e até sem ter mesa e cadeira para mim.’
De acordo com um amigo de Vinicius na Casa (leia-se Itamarati), a quem o ministro transmitira o recado e pedira o levantamento da carreira dele, foi feito um relatório em que se destacara a atuação de Vinicius em Paris (onde a casa dele era considerada como que uma segunda Embaixada do Brasil e de onde, através de sua amizade com Sacha Gordine, nascera o projeto e o filme Orfeu do Carnaval) bem como o quanto ele fizera no Uruguai para divulgar a cultura e a música popular brasileira. No Uruguai, pude eu mesma constatar, quando meu marido foi ali designado como embaixador do Brasil no período de 1971 a 1974, a marca da presença de Vinicius no plano cultural e as inúmeras amizades que havia conquistado quando ali esteve como cônsul brasileiro nos idos de 1960. Eu costumava dizer a Arnaldo, meu marido, que me dava mais prestígio em Montevidéu ser irmã de Vinicius do que, propriamente, ser embaixatriz.
Pelo que soube por Lygia (eu me encontrava, então, com meu marido, em posto, no Egito), o presidente lera o relatório e o deixara de lado para decisão futura. Infelizmente, e a despeito dos serviços prestados ao país, o presidente teve por bem, eu diria por mal, cassar Vinicius, demitindo-o da carreira. A notícia chegou-lhe através de um amigo diplomata, quando ele, Vinicius, se encontrava em casa de minha mãe, já falecida, e habitada por Lygia. Vinicius ficou muito abatido, pois gostava da carreira, mas não chorou não. Naquele mesmo dia, recebeu telefonemas de dois amigos, Lauro Escorel e Carlos Jacinto de Barros, que lhe vieram hipotecar solidariedade.
No que diz respeito à volta dele à carreira, foi apenas por insistência de minha irmã, procuradora dele, que Vinicius, depois da anistia, permitiu que ela providenciasse sua reintegração ao Itamarati (uma maneira, segundo ela, de limpar sua folha de serviços) e apresentou, logo a seguir, seu pedido de demissão.
Quanto à lenda (e há tantas sobre Vinicius) de ter recebido a notícia na banheira, deve-se, creio eu, ao fato de ele gostar de mergulhado a meio na água, escrever seus artigos e letras de música em máquina colocada sobre uma tábua atravessada na banheira. Era também assim que muitas vezes recebia alguns de seus amigos.
E pela (espero) última vez (já o fizemos tantas vezes), queria deixar claro que Vinicius é Vinicius de Moraes – e nada mais. Foi registrado como Marcus Vinicius por meu pai, tendo Vinicius, já no ginásio, abandonado o Marcus, conforme consta no livro próprio do Cartório do Registro, passando a assinar-se apenas Vinicius de Moraes (xerox da identidade dele anexo). A lenda, mais uma, de ele chamar-se Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes deve-se a uma brincadeira, em verso, de Manuel Bandeira depois de saber que Vina (seu apelido de família) tivera inicialmente o nome de Marcus Vinicius e que ele descendia, por parte materna, da família Burlamaqui dos Santos Cruz e, do lado paterno, de Alexandre José de Mello Moraes, médico e historiador, pai de nossa avó. O Bandeira misturou essas informações e compôs esse nome, Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, que o persegue até hoje.
Espero que, com esta carta, fique esclarecido todo esse assunto e ponho-me, juntamente com minha irmã Lygia, à sua disposição para qualquer informação adicional.
Ao desculpar-me por carta tão longa, gostaria de dizer-lhe o quanto apreciamos, meu marido e eu, suas crônicas no JB, pela clareza e dignidade com que trata assuntos outros de tanta relevância para o Brasil. Sua admiradora sincera, Laetitia C. de Moraes Vasconcellos.”
Pela transcrição,