O jogo especulativo final
A “paralisação” do governo dos EUA e o clímax financeiro associado a uma data limite, que pode levar a um “incumprimento da dívida” do governo federal, é uma oportunidade para a Wall Street ganhar dinheiro.
Uma onda de actividade especulativa varre os grandes mercados.
A incerteza em relação à paralisação e ao “incumprimento da dívida” constitui uma oportunidade de ouro para os “especuladores institucionais”. Os que têm “informações privilegiadas” fidedignas no que se refere ao complexo resultado do processo legislativo poderão ganhar milhares de milhões de dólares em receitas excepcionais.
Benesse especulativa
Surgem diversas agendas políticas e económicas sobrepostas. Num artigo anterior, examinámos a saga do incumprimento da dívida em relação à eventual privatização de importantes componentes do sistema do Estado federal .
Embora a Wall Street exerça uma influência decisiva na política e na legislação relativa à paralisação do governo, essas mesmas importantes instituições financeiras também controlam o movimento dos mercados de divisas, dos mercados de produtos e de acções através de operações em grande escala no comércio de derivativos.
A maior parte dos actores chave no Congresso dos EUA e no Senado, envolvidos no debate da paralisação, é controlada por poderosos grupos de pressão empresariais que agem, directa ou indirectamente, por conta da Wall Street. Os grandes interesses da Wall Street não só estão em posição de influenciar os resultados dos trabalhos do Congresso, como também têm “informação privilegiada” ou conhecimentos anteriores da cronologia e do resultado do impasse da paralisação do governo.
Vão poder fazer milhares de milhões de dólares de receitas excepcionais em actividades especulativas que são “seguras”, visto que estão em posição de exercer a sua influência sobre resultados políticos relevantes.
Mas é preciso notar que há importantes divisões no seio do Congresso americano e no seio do establishment financeiro. Este último revela a confrontação e a rivalidade de importantes conglomerados da banca.
Estas divisões terão impacto nos movimentos e contra movimentos especulativos nos mercados de acções, de dinheiro e de produtos. Aquilo a que assistimos é uma “guerra financeira”. E esta não se limita à Wall Street, as instituições chinesas, russas e japonesas (entre outras) também se vão envolver no jogo final especulativo.
Assim, as movimentações especulativas baseadas em informações privilegiadas podem seguir direcções diferentes. Que resultados do mercado é que as instituições bancárias rivais estão a procurar? Ter informações privilegiadas quanto às acções dos principais competidores da banca é um elemento importante para desencadear grandes operações especulativas.
Comércio de derivativos
O principal instrumento de actividade especulativa “segura” para estes actores financeiros é o comércio de derivativos, com apostas cuidadosamente formuladas nos mercados de acções, de produtos principais – incluindo o ouro e o petróleo – e nos mercados cambiais de divisas.
Estes actores principais têm a possibilidade de saber “para onde vai o mercado” porque estão em posição de influenciar as políticas e a legislação no Congresso dos EUA assim como de manipular os resultados do mercado.
Mais ainda, os especuladores da Wall Street também influenciam a percepção do grande público nos meios de comunicação, para não falar das acções de correctores financeiros de instituições financeiras rivais ou menores que não têm conhecimento antecipado nem acesso a informações privilegiadas.
Estes mesmos actores financeiros estão envolvidos na dispersão de “desinformações financeiras”, que assumem muitas vezes a forma de notícias nos meios de comunicação que contribuem para enganar o público ou para formar um “consenso” entre os economistas e os analistas financeiros que impulsionam os mercados numa determinada direcção.
Apontando para um inevitável declínio do dólar americano, os meios de comunicação servem os interesses dos especuladores institucionais para camuflar o que pode acontecer num ambiente caracterizado pela manipulação financeira e a interacção da actividade especulativa em grande escala.
O comércio especulativo envolve rotineiramente actos fraudulentos. Nas últimas semanas, os meios de comunicação têm estado inundados com “previsões” de diversos acontecimentos económicos catastróficos que se concentram no colapso do dólar, no aparecimento de uma nova divisa de reserva dos países BRICS, etc.
Numa conferência recente promovida pelo poderoso Institute of International Finance (IIF), uma organização de reflexão com sede em Washington que representa os bancos e instituições financeiras mais poderosos do mundo:
“Três dos banqueiros mais poderosos do mundo alertaram para as terríveis consequências no caso de os Estados Unidos não cumprirem a sua dívida ; o director executivo do Deutsche Bank, Anshu Jain, afirmou que o incumprimento seria “terrivelmente catastrófico”.
Seria uma doença fatal, de contágio instantâneo,… não posso recomendar a esta audiência… que ponha um penso rápido numa ferida aberta”, disse.
“O director executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon e o presidente do BNP Paribas, Baudouin Prot, disseram que um incumprimento teria consequências dramáticas para o valor da dívida dos EUA e para o dólar, e provavelmente mergulharia o mundo noutra recessão”. (…)
Na semana passada, Dimon e outros altos executivos de importantes empresas financeiras americanas reuniram com o presidente Barack Obama e com advogados para os instar a resolver estas questões.
No sábado, Dimon disse que os bancos já estão a gastar “quantidades enormes” de dinheiro a preparar-se para a possibilidade de um incumprimento que, segundo afirmou, ameaçará a recuperação global depois da crise financeira de 2007-2009.
Dimon também defendeu o JPMorgan contra as críticas que dizem que o banco é grande demais para se gerir. Está sob a vigilância de numerosos reguladores e na sexta-feira deu conta dos primeiros prejuízos trimestrais desde que Dimon assumiu o cargo, devido a mais de 7 mil milhões de dólares em protecção jurídica. (Emily Stephenson e Douwe Miedema, World top bankers warn of dire consequences if U.S. defaults | Reuters , October 12, 2013
O que estas afirmações económicas “de autoridades” pretendem criar é uma aura de pânico e de incerteza económica, apontando para a possibilidade de um colapso do dólar americano.
O que é retratado pelo painel do Instituto Internacional de Finanças (que são os líderes dos maiores conglomerados da banca mundial) equivale a uma análise de Economia Básica de ajustamento do mercado, que exclui negligentemente o facto conhecido de que os mercados são manipulados através do uso de sofisticados instrumentos de troca de derivativos. Ironicamente, os painéis de IIF estão envolvidos em valores de mercado rotineiramente retorcidos através do comércio de derivativos. O capitalismo do século XXI já não está baseado nos lucros resultantes dum processo produtivo da economia real, os ganhos financeiros inesperados são adquiridos em grande medida através de operações especulativas, sem a ocorrência de actividade da economia real, ao toque de um botão do rato.
A manipulação de mercados é feita segundo as ordens de executivos dos bancos mais importantes, incluindo os directores do JPMorgan Chase, do Deutsche Bank e do BNP Paribas.
Os “demasiado grandes para cair” são apresentados, nas palavras do director da JPMorgan Chase, Jamie Dimon, como as “vítimas” da crise de incumprimento da dívida quando, na realidade, são os arquitectos do caos económico, assim como os receptadores silenciosos de milhares de milhões de dólares do dinheiro roubado aos contribuintes.
Estes megabancos corruptos são os responsáveis por criar a “ferida aberta” a que se refere Anshu Jain do Deutsche Bank, em relação à crise da dívida pública dos EU.
Colapso do Dólar?
Os movimentos de subida e descida do dólar americano nos últimos anos pouco têm a ver com as forças normais de mercado, ao contrário do que é afirmado pelas doutrinas da economia neoclássica.
As afirmações do director Jamie Dimon do JP Morgan Chase e do director Anshu Jain do Deutsche Bank fornecem uma compreensão distorcida do funcionamento do mercado do dólar americano. Os especuladores querem convencer-nos de que o dólar vai entrar em colapso, em linha com o mecanismo normal do mercado, sem reconhecer que os bancos “demasiado grandes para cair” têm a capacidade de provocar um declínio do dólar americano que, em certo sentido, impede o funcionamento normal do mercado.
A Wall Street tem, de facto, a capacidade de “encolher” a nota verde com vista a reduzir o seu valor. Também tem tido a capacidade, através do comércio de derivativos, de fazer subir o dólar. Estes movimentos de subida e descida da nota verde, por assim dizer, são o “alimento do canhão” da guerra financeira. Fazer subir o dólar americano e especular em alta, fazê-lo descer e especular em baixa.
É impossível prever o próximo movimento do dólar americano concentrando-nos unicamente na interacção das forças do “mercado normal” em resposta à crise da divida pública dos EUA.
Embora uma análise baseada nas forças do “Mercado normal” aponte inegavelmente para fraquezas estruturais no dólar americano enquanto divisa de reserva, isso não quer dizer que um dólar americano enfraquecido vá cair obrigatoriamente num mercado estrangeiro que está sujeito, rotineiramente, à manipulação especulativa.
Além disso, é de assinalar que as divisas nacionais de vários países profundamente endividados aumentaram de valor em relação ao dólar americano, sobretudo em consequência da manipulação dos mercados de câmbios estrangeiros. Porque é que as divisas nacionais de países literalmente esmagados por endividamento externo sobem em relação ao dólar americano?
O especulador institucional
JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Bank America, Citi-Group, Deutsche Bank e outros: a estratégia dos especuladores institucionais é manter-se quieto nas suas “informações privilegiadas” e criar a incerteza através de notícias profundamente tendenciosas que, por sua vez, são usadas por corretores individuais para aconselhar os seus clientes individuais quanto a “investimentos seguros”. E foi assim que as pessoas por toda a América perderam as suas poupanças.
Deve sublinhar-se que estes importantes actores financeiros não só controlam os meios de comunicação, como também controlam as agências de avaliação da divida, como a Moody’s e a Standard and Poor.
Segundo a bíblia da economia neoclássica, o comércio especulativo reflecte o movimento “normal” dos mercados. Uma afirmação absurda.
Desde a revogação da Lei Glass-Steagall e a adopção da Lei de Modernização dos Serviços Financeiros em1999, a manipulação do mercado tende a relegar totalmente para segundo plano as “leis do mercado”, levando a uma dívida em derivativos altamente instável de muitos milhões de milhões de dólares que inevitavelmente tem relevância no actual impasse do Capitólio. Este entendimento é agora reconhecido por sectores da análise financeira institucional.
Não há “movimentos normais de mercado”. O resultado da paralisação do governo nos mercados financeiros não pode ser previsto tacanhamente aplicando uma análise macroeconómica convencional, que exclui totalmente o papel da manipulação do mercado e do comércio de derivativos.
O resultado da paralisação do governo sobre os principais mercados não depende das “forças normais do mercado” e dos seus impactos sobre os preços, taxas de juro e câmbios de divisas. O que tem que ser analisado é a interacção complexa das “forças normais do mercado” com um conjunto de instrumentos sofisticados de manipulação do mercado. Estes são uma interacção de operações especulativas em grande escala realizadas pelas instituições financeiras mais poderosas e corruptas, com a intenção de distorcer as forças de mercado “normais”.
Vale a pena referir que imediatamente depois da aprovação da Lei da Modernização dos Serviços Financeiros em 1999, o Congresso dos EUA aprovou a Lei da Modernização dos Produtos Futuros de 2000 que, na sua essência, “isentava o comércio de produtos futuros da fiscalização reguladora”.
Quatro das principais instituições financeiras da Wall Street são responsáveis por mais de 90 por cento do chamado risco de derivativos: J.P. Morgan Chase, Citi-Group, Bank America, e Goldman Sachs. Estes importantes bancos exercem uma influência omnipresente no comportamento da política monetária, incluindo o debate no seio do Congresso americano sobre o tecto da dívida. Estão também entre os maiores especuladores mundiais.
Qual é o jogo especulativo final por detrás da saga da paralisação e do incumprimento da dívida?
Predomina uma aura de incerteza. As pessoas por toda a América estão empobrecidas em resultado do corte de “direitos”, podem ocorrer manifestações de protesto e conflitos civis. A Segurança Interna é o procedimento de imposição da lei interna militarizada. Ironicamente, cada um desses incidentes económicos e sociais, incluindo afirmações políticas e decisões do Congresso americano relativas ao tecto da dívida, as avaliações das agências de avaliação, etc, criam oportunidades para o especulador.
As grandes operações especulativas – alimentando-se de informações privilegiadas e de embustes – parecem vir a ocorrer rotineiramente nos próximos meses enquanto se desenrola a crise fiscal e de incumprimento da dívida.
O que é diabólico em todo este processo é que os principais conglomerados bancários não hesitarão em desestabilizar os mercados de acções, de produtos e de câmbios de divisas se isso for do seu interesse, nomeadamente como meio de se apropriarem de ganhos especulativos resultantes duma situação de perturbação e de crise económica, sem se preocuparem com o fardo social de milhões de americanos.
Uma solução – que pouco provavelmente será adoptada a não ser que ocorra uma importante viragem na política americana – seria cancelar toda a dívida de derivativos e congelar todas as transacções de derivativos nos principais mercados. Isso ajudaria certamente a deter a carnificina especulativa.
A manipulação através do comércio de derivativos dos mercados de produtos alimentares básicos é especialmente perniciosa porque cria potencialmente a fome. Tem um efeito directo na vida de milhões de pessoas.
Tanto quanto nos lembramos, “o preço dos alimentos e de outros produtos começou a aumentar rapidamente [em 2006]… Foram lançados abaixo da linha da pobreza milhões de pessoas e irromperam motins por alimentos por todo o mundo em desenvolvimento, desde Haiti a Moçambique”.
Segundo o economista indiano, Dr. Jayati Ghosh:
“Reconhece-se agora amplamente que a especulação financeira foi o factor principal por detrás da forte subida de preços de muitos produtos primários, incluindo produtos agrícolas, durante o ano passado [2011]… Até uma investigação recente do Banco Mundial (Bafis and Haniotis 2010) reconhece o papel desempenhado pela “financiarização de produtos” nas subidas e descidas dos preços, e assinala que a variabilidade de preços esmagou as tendências dos preços em produtos importantes”. (Citado em Speculation in Agricultural Commodities: Driving up the Price of Food Worldwide and plunging Millions into Hunger By Edward Miller, October 05, 2011)
As subidas artificiais no preço do petróleo, que também são resultado de manipulação do mercado, têm um impacto geral sobre os custos de produção e de transporte mundiais que, por sua vez, contribuem para levar à falência milhares de pequenas e médias empresas.
O Big Oil, incluindo a BP e o Goldman Sachs, exerce um impacto global sobre os mercados de petróleo e de energia.
A crise económica global é cuidadosamente projectada.
O resultado final da guerra financeira é a apropriação da riqueza através do comércio especulativo incluindo a confiscação de poupanças, a apropriação descarada de activos da economia real assim como a desestabilização das instituições do Estado Federal através da adopção de medidas radicais de austeridade.
A carnificina especulativa liderada pela Wall Street não está apenas a empobrecer o povo americano, mas a afectar toda a população mundial.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/… . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .