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Luiz Gonzaga Belluzzo: Os poderes da economia

27 de abril de 2024

Será que os investidores estão em pânico, ou apenas no exercício da sua peculiar racionalidade?

A política econômica do governo Lula sofre implacáveis constrangimentos emanados dos poderes dos mercados financeiros. As lendas mercadistas não cessam de afirmar a natureza “técnica” das postulações dos operadores de mesa e de seus economistas.

A experiência histórica desmente os preconceitos que insuflam os sabichões mercadistas a desconsiderar as relações de poder envolvidas na assim chamada “Ciência Econômica”. No livro Power, publicado em 1938, o filósofo e matemático Bertrand Russel observou: “A economia como uma ciência separada é irrealista e enganosa se tomada como um guia na prática. É um elemento – um elemento muito importante, é verdade – num estudo mais amplo, a ciência do poder.”

No estouro da crise financeira de 2008, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar suas cambaleantes sabedorias.

A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos, ou ao menos a maioria, tratam de insuflar a bolha de otimismo.

Quando desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em pânico”. Imaginamos que antes da emboscada do ­subprime e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua peculiar racionalidade.

O filósofo Franco Bifo Berardi faz uma investida ainda mais dura contra as cidadelas do cientificismo econômico contemporâneo. “Os economistas não conseguem inferir nenhuma lei com base na observação da realidade, já que preferem, em vez disso, que a realidade se harmonize com as leis inventadas por eles. Como consequência, eles não conseguem prever absolutamente nada, como a experiência tem mostrado nos últimos três ou quatro anos. Por fim, os economistas não conseguem compreender o que está acontecendo quando há mudança de paradigma social: eles se recusam veementemente a redefinir suas estruturas conceituais.”

Diante da recente desvalorização do real, as vozes de sempre descarregaram as culpas sobre os ombros do “risco fiscal”, exibido como um pecado irremissível. Ignoram que países de moeda não conversível, como o Brasil, se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação sob controle e o propósito de não danar o “arcabouço” de geração de renda e emprego.

Para compreender as insuficiências que machucam o paradigma dominante no debate econômico de nossos tempos, vou relembrar uma citação de Willem Buiter. Na aurora da crise financeira, Buiter, ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, hoje economista-chefe do ­Citigroup, apontou as armas da crítica na direção dos sistemas financeiros “intrinsecamente disfuncionais, ineficientes, injustos e regressivos, vulneráveis a episódios de colapso”, um exemplo de “capitalismo de compadres”, sem paralelo na história econômica do Ocidente. “É uma questão interessante, para a qual não tenho resposta… Não sei se os que presidiram e contribuíram para a criação e operação (desse sistema) eram ignorantes, cognitivamente e culturalmente capturados ou, talvez, capturados de forma mais direta e convencional pelos interesses financeiros.”

Imagino que Buiter poderia buscar resposta à sua instigante perplexidade ao consultar a A Psicologia das Massas, de Sigmund Freud. “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula; é desprovida de crítica; para ela, o improvável não existe. Ela pensa por imagens que se evocam associativamente umas às outras, tal como ocorre ao indivíduo nos estados do livre fantasiar, e nenhuma instância razoável afere sua correspondência com a realidade. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e bem exagerados. Assim, a massa não conhece nem a dúvida nem a incerteza. Ela vai logo ao extremo; a suspeita manifestada logo se transforma em certeza irrefutável, um germe de antipatia transforma-se em ódio selvagem.” 

*Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.

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