CPI da Petrobras? Uuuuuuuhhh!
Poucos meses após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, em 2003, o escritor Luiz Fernando Veríssimo disse que o seu governo era decepcionante. Decepcionou os que imaginavam que ele mudaria tudo da noite para o dia e os que imaginavam que ele não mudaria nada. Ou seja: Lula nem estava salvando, nem afundando o Brasil. Aquela quebra de expectativas que Lula causou, tanto entre seus seguidores mais entusiasmados quanto entre seus detratores mais empedernidos, acarretou, por si só, um avanço inédito no amadurecimento do embate político no Brasil. Ou seja: se de nada valesse a eleição de Lula, só o fato de ela ter sido simbólica foi uma grande ruptura com a nossa história e tradição política.
De um lado, perdeu a razão de ser o discurso salvacionista do PT — hoje bandeira segurada por inexpressivos grupos “esquerdistas” que não se cansam de fazer o papel de quinta-coluna — e, de outro, talvez na mesma proporção, a propaganda irracional da direita contra as esquerdas, que permeia historicamente largas fatias da sociedade brasileira, foi posta à prova. Com a desconstrução das quimeras “esquerdistas” e das ficções conservadoras, a própria dicotomia entre esquerda e direita vai ganhando espaço no centro da discussão política como pano de fundo dos reais problemas do país — que tendem cada vez mais a ser vistos na sua essência, e não na sua superfície.
Esse é um debate presente dentro do próprio governo. Em nome da boa administração macroeconômica, por exemplo, a direita diz que não se pode agir com mais vigor na área social. Mas, se quisermos levar este debate às raízes teóricas, devemos lembrar de conceitos políticos há muito desvendados. O Estado é o governo de homens organizados em classes. E a política é a arte de organizar os homens. A vida política, portanto, é o afrontamento dos interesses sociais, de classe, pela direção do Estado. Eis o que se aprende sobre política com o ABC do marxismo.
A realidade ingrata que devora sonhos
Evidentemente, a compreensão dessas categorias é difícil em um país de oportunistas e de desmemoriados, de políticos invertebrados, de caráteres melífluos, de posições dúbias, de meias palavras. Por isso, em meio a esse fogaréu que começa a se instalar no país com a aproximação das eleições presidenciais de 2014, recrudescem posturas que sugerem descaso e indiferença do governo em relação à corrupção. São discursos rasos, que estabelecem o emocionalismo se opondo ao indivíduo, magoado em sua pureza ingênua como uma moçoila oitocentista, e a realidade ingrata que devora sonhos.
Falo da ideia estapafúrdia de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para “investigar a corrupção” na Petrobras. A última contribuição da dupla mídia-PSDB e sua equipe de “patriotas” seria na verdade uma grande confusão — caso instalada depois de todos os rodeios dos últimos dias. É fácil imaginar o redemoinho em que podem se transformar as notícias vazadas com segunda, terceira e quarta intenções no âmbito de uma CPI como essa. Voluntária ou involuntariamente, o máximo que a oposição tenta fazer é chantagem política diante do governo.
Ignorância trabalha contra a informação
É essa, unicamente, a leitura que se pode ter da proposta da CPI. O objetivo é apenas fazer marola para atrapalhar o governo, negociar alguma vantagem para a família e os amigos e nada mais. Não é, nem de longe, estudar a fundo a questão, propor mudanças na legislação e criar os meios para melhorar o combate à corrupção. É verdade que o governo vinha entrando em atritos inúteis com o Congresso. Mas nada disso abona a iniciativa de convocação de uma CPI. Ela serviria, no máximo, para manipular os incautos com vistas a desgastar a imagem de adversários políticos.
Não há, também, um comportamento suspeito do Executivo no episódio. A mídia acaba agindo, em circunstâncias onde há grande disputa pela atenção dos leitores, como amplificadora das turbulências e afinados agentes ideológicos. A busca da informação de “maior impacto” costuma afrouxar os controles sobre a qualidade e a veracidade da informação divulgada. Há também os casos onde a ignorância trabalha contra a informação. Seria muito melhor que o Congresso discutisse, a partir de episódios como esse, a natureza da corrupção no Brasil.
CPI foi imaginada para chamuscar Lula
Seria útil também que, em vez de apostar em espertezas de resultados políticos duvidosos, os parlamentares envolvidos nessa manobra se empenhassem em dar agilidade aos trabalhos legislativos propriamente ditos. O governo, portanto, não tem melhor alternativa do que obstruir a CPI por todos os meios parlamentares conhecidos e toleráveis. O que está em jogo não é a “moralidade pública”, mas projetos políticos para o país.
Soprar fogo em uma CPI imaginada para chamuscar a presidenta Dilma, portanto, não parece ser uma atitude coerente para parlamentares da base aliada. Isso quer dizer que está tudo bem no campo governista? Não, não quer. Mas também não quer dizer que tudo está mal. Seria muito bom, claro, se o governo Dilma tivesse tratado a questão social do país com uma dedicação maior do que a tratou. Porque é na dimensão micro de uma sociedade que a vida das pessoas acontece. É lá que comemos, trabalhamos, arrumamos emprego, reelegemos ou não. Poderia ter sido melhor nesse quesito, não há dúvida.
Responsabilidade do governo Dilma
Como o governo agiu de forma relativamente eficiente na área social, contudo, é possível que Dilma ganhe mais quatro anos dos brasileiros em 2014, já no primeiro turno, com uma vitória ainda mais contundente do que a que realizou em 2010. Para isso, terá que resolver basicamente duas questões. A primeira é o imobilismo em que se encontra. Será preciso reorganizar-se internamente, articulando as forças que lhe dão sustentação, e tomar outra vez a dianteira dos fatos, de modo a não ser soterrado por eles. A segunda questão, muito mais complicada, será coordenar esforços maiores na área social.
Ou seja: oferecer melhores serviços à sociedade, por meio de uma máquina estatal mais eficiente e operando ao mesmo tempo cortes largos na gastança com a especulação financeira. Essa tarefa, claro, está na cartilha de qualquer governo progressista. Mesmo não sendo um privilégio de Dilma, no entanto, o enfrentamento desse problema é responsabilidade do seu governo no período que resta de seu mandato. Das soluções que puder encontrar, não há dúvida, dependerá grandemente o futuro político da frente de centro-esquerda que se formou em 2002, que passará por uma prova de fogo em 2014.