Jornal Nacional: por que nem sempre “encostar na parede” é entrevistar bem
Ao contrário das telenovelas, o telejornalismo brasileiro não é exatamente um produto de exportação. O principal telejornal da principal emissora de TV do País tem praticamente o mesmo formato há 45 anos –a única diferença digna de nota, além da natural evolução tecnológica, é que hoje é apresentado por homem & mulher e não por dois homens. O “especial” semanal jornalístico da emissora possui, inclusive, o mesmo apresentador há 42 anos, com breves interrupções. E a “revista” dominical, que existe desde 1973, se firmou como tradição, mas já teve dias melhores.
São programas assumidamente inspirados na TV norte-americana, até mesmo nos nomes: o Good Morning, America é o principal noticioso nas manhãs dos Estados Unidos hoje. Lembra o nome de algum matutino brasileiro? Chacrinha já dizia: “em televisão nada se cria, tudo se copia”. E o pior é que as outras emissoras da TV aberta, em vez de partirem para algo novo, simplesmente copiam a cópia. Ou seja, não existe concorrência.
É um estilo de fazer jornalismo, como todos os demais, que evidencia cansaço. Apesar de ainda ser o telejornal mais visto, a audiência do Jornal Nacional tem caído nos últimos anos e hoje está na casa dos 20 pontos, de acordo com o Ibope. Nos EUA, fonte onde nosso telejornalismo bebe, o noticiário da TV a cabo ganhou proeminência na última década, CNN à frente. Mas o legal é que o telespectador lá na gringa tem a opção de assistir notícias a partir de um canal mais liberal –o MSNBC– ou um conservador –a Fox News. Melhor: segundo um estudo recente, quase 40% dos que assistem a um também assistem ao outro.
Aqui, o coronelismo midiático coloca uma única emissora e seu telejornal como a fonte de informação primordial do País. Assim, a cada quatro anos, os candidatos à presidência da República vão todos parar no Jornal Nacional para responder às perguntas do casal da vez, sob as regras da emissora. Ir ao Jornal Nacional é quase uma forma contemporânea de ir pedir a bença ao coroné. Considera-se “vitorioso” o candidato que se sair bem do tiroteio baseado em “temas polêmicos”.
Para o repórter, a vantagem de se construir uma entrevista “batendo” é que você transmite a ideia de ser um profissional “imparcial”, aplicando ao jornalismo a máxima popular “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Foi o que aconteceu nas entrevistas de Aécio Neves, Eduardo Campos e agora, com Dilma Rousseff. Nas redes sociais, vários comentaristas e leitores saudaram a “imparcialidade” do Jornal Nacional ao colocar Aécio (apontado pelos críticos à emissora de ser seu favorito) “contra a parede”.
É sempre bom lembrar a ânsia da rede Globo de tentar transmitir aos telespectadores “imparcialidade” em seu jornalismo desde que, em 1989, foi acusada de fazer, em pleno Jornal Nacional, uma edição do último debate entre os presidenciáveis Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva favorável ao primeiro –de quem também se “desconfiava”, na época, ser o candidato da emissora. Collor ganhou a eleição, a Globo acabou reconhecendo não ter sido uma edição equilibrada e parou de editar debates.
Cada vez que “bate” em um candidato alinhado à sua ideologia, o Jornal Nacional tenta, portanto, bater também no fantasma de 1989. Mas bater não significa necessariamente fazer uma boa entrevista. Em minha opinião, entrevistar bem é arrancar revelações do entrevistado, boas frases e, sobretudo, mostrar se a pessoa de fato tem ou não ideias. Nenhuma das entrevistas feitas pelo Jornal Nacional nesta eleição (falta a de Marina Silva) soube arrancar revelações ou boas frases de ninguém, mas apenas Dilma Rousseff, do PT, deixou de exibir qualquer projeto seu na entrevista.
Aécio Neves disse que vai retomar o ritmo de crescimento; promover mais transparência; lutar contra a inflação; enxugar o Estado; ser renovador no campo ético, moral, e ampliar as boas políticas do governo atual. Eduardo Campos, em sua última entrevista, prometeu melhorar a vida do povo; acabar com a violência; fazer o Brasil voltar a crescer; melhorar a mobilidade urbana; construir a escola em tempo integral; dar passe livre para os estudantes no transporte público. Dilma Roussef prometeu que o Brasil continuará a ser um país de classe média. Só.
Por que isso aconteceu? Dilma é prolixa. Verdade. E há uma mútua antipatia entre o PT e a Globo. Isso é inegável e coloca uma “trava” imediata entre entrevistador e entrevistado. Mas houve, sim, uma diferença sutil de tratamento do Jornal Nacional para com Campos e Aécio: com eles, os apresentadores não rebateram as respostas no meio, dando-lhes pelo menos a oportunidade de mostrar algo do que propõem. As perguntas lhes serviram de escada, a famosa “levantada” para o sujeito chutar. Isso pode ser visto aqui, na primeira pergunta feita por William a Aécio Neves. Ou aqui, na primeira pergunta feita a Eduardo Campos por Patricia Poeta. Já na primeira pergunta a Dilma, a palavra “corrupção” foi mencionada SETE vezes –ao todo foram treze (confira aqui). Com Aécio foram três; com Eduardo, nenhuma.
Dilma ficou sob fogo cerrado sem pausa. Absolutamente todas as perguntas vieram de maneira negativa e adjetivada, sem a sobriedade esperada de jornalistas “isentos”. Com Aécio e Eduardo, as perguntas duras serviram para dar ao candidato o direito de se explicar diante de milhões de espectadores, e à Globo, uma chance de se mostrar “imparcial”. Imparcialidade demonstrada, os dois apresentadores impuseram à presidenta-candidata acusações em vez de perguntas: “seu partido teve um grupo de elite de pessoas corruptas”, “corrupção não é o único problema”, “o resultado (da economia) é muito ruim”. Nenhum dos rivais de Dilma, ex-governadores de Estado, foi acusado desse jeito nem rebatido enquanto respondia. Na verdade, Bonner e Patricia “bateram” mesmo foi em Dilma; nos outros dois, foi direito de resposta, “outro lado”.
Dilma, uma técnica, após 4 anos de presidência continua com dificuldade de se expressar de forma fluida, ao contrário de seus oponentes, com longa carreira política. Mas esta técnica de “imparcialidade” usada com petistas no Jornal Nacional não facilita nem para um candidato com maior traquejo. Com Lula foi a mesma coisa em 2006: ele passou a maior parte do tempo contra as cordas, sem chance de transmitir qualquer conceito positivo. Mas, diferentemente de sua sucessora, Lula é um orador experiente e tem timing (assista à primeira entrevista de Lula candidato a reeleição em 2006 aqui). Fora de seu habitat, a dupla de entrevistadores também titubeou, e Dilma pôde emplacar pelo menos algumas defesas incisivas, como quando citou o “engavetador-geral da República” de FHC –mas não projetos.
Se você quer ser “imparcial”, coisa que duvido existir, deve pelo menos se preparar para fazer uma boa entrevista elencando temas polêmicos, claro, mas focados no futuro do País, nas propostas do candidato, e não no passado. Por exemplo: Aécio Neves concorda com seu coordenador econômico Arminio Fraga que o salário mínimo “subiu demais”? Ou seja, pretende acabar com o gatilho do salário mínimo? E Dilma, vai fazer algo a respeito da violência policial, que ela mesma disse considerar um dos mais graves problemas do Brasil hoje? São questões que despertam o interesse de milhões de brasileiros e não foram nem sequer mencionadas na “principal” entrevista do “principal” telejornal da “principal” emissora. Fraco.
Acho que, para começar, 15 minutos é pouco tempo para uma entrevista. Um jornalismo de fato sério, consequente, exigiria no mínimo 30 minutos para cada candidato. Nos Estados Unidos, que nossos telejornais tanto imitam, o programa que faz as mais famosas entrevistas com candidatos à presidência chama-se justamente 60 Minutes. Eu sempre digo que as coisas bacanas dos EUA ninguém copia… Com esse tempo exíguo, só com muito boa vontade dos entrevistadores –o que não houve com Dilma– se consegue transmitir alguma ideia de fato. A presidente é favorita à reeleição, mas se ganhar, o que pretende fazer? No que depender do Jornal Nacional, continuaremos na dúvida.