Dia da vitória 1: Quem derrotou os nazistas foi o povo soviético
Propaganda da Operação Barbarossa
A bárbara e sangrenta saga nazista, iniciada com a subida de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, terminou de maneira melancólica numa pequena escola de tijolos vermelhos, na cidade de Reims, na madrugada do dia 8 de maio de 1945. Ali, dois altos dignitários do regime nazista, o general Alfred Jodl (que havia sido Chefe do Alto Comando da Wehrmacht, a máquina bélica nazista durante a Segunda Grande Guerra) e o almirante Hans Georg von Friedeburg (que foi o último comandante da marinha de guerra alemã) assinaram a rendição incondicional da Alemanha, perante representantes das tropas vitoriosas da URSS e dos EUA, e também de um general francês. Acabava assim, derrotada, a maior e mais ofensiva máquina bélica até então conhecida. Nos meses seguintes, Jodl foi condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra e contra a humanidade.
O alvo de Hitler era a URSS
A guerra como recurso para encontrar o “espaço vital” (lebensraum) para a expansão alemã no leste europeu havia sido prevista por Hitler em 1925, registrada no livro Mein Kampf (Minha Luta), que se tornou o evangelho nazista. E o alvo era a Rússia soviética e os povos eslavos ao leste da Alemanha. “Quando hoje falamos em novo território na Europa, devemos pensar principalmente na Rússia e nos seus Estados vassalos limítrofes”, escreveu.
E foi contra os russos e os povos do leste da Europa que os nazistas dirigiram a parte mais significativa de sua ação guerreira, cuja medida é dada pela lembrança que o então primeiro ministro britânico, Winston Churchill registrou em suas memórias: enquanto os aliados brincavam, no Ocidente europeu, com seis divisões alemãs, escreveu, os russos enfrentavam 185 – 30 vezes mais! Uma disparidade que levou o historiador americano John Bagguley a dizer que a Segunda Grande Guerra foi na verdade, “uma guerra soviético-germânica, com a ação inglesa e americana apenas na periferia”
No planejamento da invasão contra a URSS, entre 1940 e 1941, a decisão de destruir o estado soviético passou das páginas do Mein Kampf para as pranchetas dos oficiais nazistas, e a ordem de Hitler era específica: “eliminar completamente a própria capacidade da Rússia de existir. Eis o objetivo!”.
Ele pretendia começar a ação em maio de 1941, com 120 divisões, deixando outras 60 no Ocidente europeu, e esperava concluir a operação em cinco meses, antes do início do inverno russo. Em dezembro de 1940 aumentou o número de divisões para 120 a 130 e previa o início da invasão para meados de maio de 1941. Finalmente, a data marcada foi 22 de junho de 1941.
Complacência e cumplicidade
Aquela foi uma época de preparativos frenéticos para os protagonistas da disputa mundial que se acentuava. Ao longo da década de 1930 os governos da França e da Inglaterra tiveram uma atitude complacente em relação às agressões hitleristas na Europa. Esperavam transformar a Alemanha nazista em instrumento contra a URSS e, entre junho e agosto de 1930, ocorreram duas conferências secretas anglo-alemãs em que os britânicos, em troca da intocabilidade de seu próprio império, garantia a Hitler liberdade de ação no leste da Europa.
Mesmo depois do início da invasão da URSS as potências capitalistas relutavam em abrir uma segunda frente, no Ocidente europeu, contra Hitler, apesar da insistência soviética nesse sentido. Em 1941 e 1942 alguns generais americanos e ingleses apoiavam a abertura dessa frente e consideravam que seu adiamento significaria o rompimento de compromissos assumidos com Moscou. Eles enfrentavam a oposição principalmente do primeiro ministro inglês, Winston Churchill, que era contrário à abertura dessa frente sob o pretexto de que o poderio alemão nas áreas ocupadas impedia aquela iniciativa, apesar das promessas feitas aos soviéticos em pelo menos duas ocasiões, em 1942. O desembarque na Normandia, em junho de 1944 – no famoso Dia D –, que significou a abertura daquela segunda frente, só ocorreu depois do começo da ofensiva do Exército Vermelho no Leste Europeu, ino início daquele ano e que avançou rapidamente rumo ao oeste.
Mesmo na iminência da derrota, em 1945, quando as tropas russas já estavam em território alemão, a crença de que o nazismo ainda representaria um dique contra os bolcheviques ecoava na esperança da cúpula hitlerista de que o avanço do Exército Vermelho levaria a Inglaterra a socorrer os alemães, disse o historiador William I. Shirer.
Ante essa nítida cumplicidade entre as potências européias e os nazistas, e pressionado entre dois adversários igualmente ferozes, o governo soviético assinou com a Alemanha, em agosto de 1939, seu próprio Tratado de Não Agressão. O objetivo era ganhar tempo e preparar a pátria socialista para uma guerra que se avizinhava e na qual seria o alvo principal.
A preparação soviética
O governo de Stálin ganhou assim dois anos de tranqüilidade pois a agressão alemã contra a URSS começou em junho de 1941. E aquele período foi bem aproveitado. Já em setembro de 1939, poucas semanas depois da assinatura do pacto de não agressão, o governo de Moscou decidiu construir nove novas fábricas de aviões e reformar as que existiam. “A indústria começou então a funcionar em ritmo frenético”, escreveu William l. Shirer. Novos tanques de guerra foram projetados, entre eles o T-34 (considerado o melhor então existente) e o carro pesado KV.
Em 1940 a fabricação de material bélico cresceu 27% em relação a 1939. O orçamento militar que, entre 1928 a 1933 variou em torno de 5% do PIB, pulou para 43% em 1941. Quando a invasão alemã começou, os soviéticos haviam fabricado 2.700 aviões de tipos novos e 4.300 carros-de-combate.
Uma das operações de defesa empreendidas então foi a transferência do grosso da indústria soviética para leste dos montes Urais que, assim, passavam a ser uma muralha natural contra uma eventual invasão. Em janeiro de 1942, 1523 fábricas (entre elas 1360 de materiais bélicos) haviam sido transferidas e estavam em operação normal.
A invasão alemã
O dia 22 de junho de 1941 foi “a data decisiva da Segunda Guerra Mundial”, diz o historiador Eric Hobsbawn. Foi na madrugada daquele dia que a máquina de guerra alemã moveu-se contra o território russo.
As informações da espionagem alemã sobre os preparativos soviéticos eram precárias e fundamentaram um otimismo fantasioso. Eles previam uma ação rápida e Joachim von Ribbentrop (ministro de Relações Exteriores de Hitler, também condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg), refletindo o estado de espírito da cúpula nazista, chegou a prever que a Rússia seria “riscada do mapa em oito semanas”.
Mesmo os ingleses e os americanos se enganaram, Os primeiros calculavam que duraria apenas alguns meses, e o ministro da guerra dos EUA, Henri Stimson, calculava que duraria de um a três meses, “um máximo imaginável”
Logo os nazistas perceberam que a invasão não seria um passeio e já no dia 1º de agosto, a pouco mais de um mês depois do início da agressão, o próprio Joseph Goebbels, o todo poderoso ministro nazista da propaganda, escrevia em seu diário: “os bolcheviques revelam uma resistência maior do que havíamos suposto; sobretudo os meios materiais à sua disposição são maiores do que pensamos”. E, em16 de setembro, reconheceu que haviam errado: “havíamos calculado o potencial dos bolcheviques de modo todo errado”.
Os relatos dos generais alemães que estavam na frente de batalha foram eloqüentes a respeito não só dos erros de seu serviço secreto mas, principalmente, sobre o preparo das tropas e da resistência russas. O general nazista Franz Halder, um mês depois do início da invasão, também reconheceu o erro de avaliação: “No início da guerra, contávamos com cerca de 200 divisões inimigas. Já contamos agora com 360” e, se “esmagamos uma dúzia os russos simplesmente aumentam outra dúzia”. Outro general alemão, Guenther Bluimentritt, escreveu no mesmo sentido: A conduta das tropas russas, desde o início, “contrastou extraordinariamente com a dos poloneses aliados ocidentais na derrota. Mesmo quando cercados, os russos resistiam e lutavam”, reconhecendo também que as tropas soviéticas eram em maior número e com melhor equipamento, dos que os nazistas achassem que fosse possível.
Em 11 de agosto Halder voltou ao assunto em seu diário, dizendo que se tornava “cada vez mais evidente que subestimamos o poderio desse colosso russo não só na esfera econômica, como, também, na militar”, complicando a situação militar dos invasores. “Nessa grande extensão de terra”, escreveu, “nossa frente é demasiado estreita. Não tem profundidade. Resulta que os repetidos ataques do inimigo são, muitas vezes, coroados de êxito”. Outro comandante nazista, o marechal de campo Gerd von Rundstedt foi direto e admitiu, sem rebuços, quando foi interrogado pelos seus captores depois da guerra: “Percebi., logo depois de termos começado o ataque, que tudo o que se escrevera sobre a Rússia não passara de tolices”.
Mesmo assim, as semanas iniciais foram vitoriosas para os alemães, que entraram fundo no território soviético. Em 8 de julho (duas semanas depois do cruzamento da fronteira), os alemães já haviam posto fora de combate 89 divisões de infantaria e 20 blindadas. Em um mês, Smolensk, a 350 quilômetros de Moscou, estava cercada, Uman e Kiev, as chaves para a Ucrânia e para a bacia do Dnieper, estavam assediadas e áreas ao sul de Leningrado haviam caído nas mãos dos alemães, diz Bagguley. Eles entravam, confiantes, na mesma armadilha em que Napoleão havia caído mais de um século antes, internando-se em um território imenso onde teriam que enfrentar uma população que nunca se rendeu a invasores estrangeiros que tinha no inverno inclemente um aliado estratégico.
Os nazistas não conseguiram realizar seu plano inicial de derrotar a URSS antes do início do inverno. Eles chegaram ás portas de Moscou em, 5 de dezembro enfrentando uma temperatura de 36 graus abaixo de zero, para a qual estavam absolutamente despreparados. Mesmo porque as autoridades da capital russa havia mobilizado 450.000 moradores, dos quais 75% eram mulheres, para preparar a defesa, edificando fortificações e defesas antitanque.
Um grande obstáculo, que os alemães não conseguiram superar, veio junto com as chuvas de outono (setembro a novembro) na Rússia: a lama. As chuvas começaram em outubro, impedindo os carros de avançar e fazendo o exército alemão perder seu ímpeto. O depoimento do general alemão Heinz Guderian é esclarecedor das dificuldades. Tanques eram retirados da batalha para desatolar canhões e caminhões de munições, escreveu ele. “As semanas seguintes foram dominadas pelo lodaçal”, e o gelo causou muitas dificuldades. A mira telescópica, uma inovação tecnológica, revelou-se inútil na neve, e os alemães chegaram a ter que acendeu fogueiras debaixo dos motores dos tanques para aquecê-los o conseguir dar partida. “Há ocasiões em que a gasolina fica congelada e o óleo viscoso… Cada regimento (da 112ª divisão de infantaria) já perdeu cerca de 500 homens, vítimas de ferimentos provocados pelo frio. Em consequência do frio, as metralhadoras não mais puderam ser usadas, e nossos canhões de 37 mm antitanques tornaram-se ineficazes contra os tanques T-34 (dos russos)”.
*jornalista, editor do jornal Classe Operária