Fundação Grabois debate desafios da inovação na 67ª Reunião da SBPC
A atividade, que contou com a audiência de cerca de 80 pessoas entre pós-graduandos, professores universitários, pesquisadores e gestores públicos, foi o debate de abertura 4º Salão Nacional de Divulgação Científica da ANPG, que ocorre no âmbito da 67ª SBPC.
A mesa contou com a presença de três grandes apoiadores e incentivadores da pesquisa e da inovação no país: Luís Fernandes, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Inácio Arruda, ex-senador e secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do estado do Ceará, e Victor Pellegrini Mammana, diretor geral do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer. Mediado por Gabrielle Paulanti, secretária-geral da ANPG, e Fábio Palácio, diretor da Fundação Maurício Grabois, o debate jogou luz sobre a necessidade de o país avançar na transformação de conhecimento em riqueza social e econômica. “É esse o caminho genuíno para o crescimento e o desenvolvimento do país”, afirmou Palácio em sua fala de apresentação da mesa.
Autonomia tecnológica
Luís Fernandes iniciou sua fala lembrando que vivemos na chamada “sociedade do conhecimento”, termo comumente evocado por instituições como a União das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (Unesco). O conceito busca destacar, como explicou Fernandes, o fato de que “a ciência e a tecnologia encontram-se cada vez mais no coração dos processos de agregação de valor a produtos e serviços”.
Fernandes apresentou, em seguida, um panorama dos investimentos em pesquisa desde os anos 1960, período no qual o Brasil desenvolvia seu parque industrial a partir da compra de pacotes tecnológicos. Essa prática tinha como resultado a importação de tecnologias de segunda mão, em geral obsoletas. A situação só começaria a mudar com as reformas operadas pelos militares nas instituições de pesquisa e ensino superior, as quais abririam um novo ciclo em nosso país, marcado pela busca da autonomia tecnológica. Esse primeiro ciclo, no entanto, conheceria seu ocaso na crise da dívida, no final dos anos 1980, quando os investimentos em ciência e tecnologia conheceram uma queda vertiginosa que se estenderia por toda a chamada década neoliberal – os anos 1990.
Após duas décadas perdidas, a eleição de Lula, em 2002, significou o marco da retomada de uma política de desenvolvimento nacional. Nesse período, várias iniciativas em apoio à inovação foram adotadas, com destaque para a Lei de Inovação e os dispositivos de subvenção econômica, mediante os quais o Estado subsidia a inovação nas empresas. Também durante o governo Lula foi possível negociar com a área econômica do governo – especificamente com o então secretário do Tesouro, um certo Joaquim Levy – um cronograma para o progressivo descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O FNDCT é o dispositivo financeiro que congrega o conjunto dos fundos setoriais de apoio à pesquisa, entre os quais se destaca o CTPetro, milionário fundo setorial composto com recursos de royalties do Petróleo. A partir do completo descontingenciamento do FNDCT, que veio a ocorrer apenas em 2010, o orçamento para a área de ciência e tecnologia saltou para R$ 2 bilhões, mais do que o dobro dos R$ 600 milhões que havia no início do primeiro governo Lula.
Porém, em 2015 o contingenciamento do Fundo foi retomado, sob a batuta da equipe econômica capitaneada pelo mesmo Joaquim Levy. A retomada dos cortes e contingenciamentos de verbas para a ciência contraria, na visão de Luís Fernandes, os interesses maiores do país. Isso porque os atuais dispêndios em ciência e tecnologia ainda nos colocam distantes dos países de destaque na área. Nestes, embora exista grande participação do setor privado no esforço inovador, parte considerável dos investimentos vêm do governo. Fernandes citou o exemplo dos Estados Unidos, país onde boa parte das tecnologias surgiram na área militar com subsídio do Estado. “Decomponham um smartphone”, exemplificou: “Todas as tecnologias que estão lá foram criadas para uso militar e receberam financiamento do Estado norte-americano”.
A necessária recomposição do FNDCT
Conforme explicou o presidente da Finep, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e em outros países do capitalismo avançado, em nossa economia a inovação jamais foi sistêmica, mas episódica. “Exemplos exitosos de inovação em nosso país – como a busca do petróleo em águas profundas e o Proálcool – eram tópicos, buscavam enfrentar apenas desafios localizados.”
Segundo Fernandes, o desafio da inovação é encarado em nosso país de duas perspectivas distintas. De um lado encontram-se setores para quem o desafio são inovações apenas incrementais e periféricas, associadas a cadeias globais de produção de valor. “Esse é o caminho da dependência”, sentenciou. “Ao contrário disso, devemos ter instrumentos para cobrir toda a cadeia de produção do conhecimento e toda a cadeia da inovação. Um país do porte do Brasil não pode contentar-se com inovações incrementais, ou nos condenaremos eternamente à posição de ator secundário no contexto internacional.”
Fernandes criticou ainda o que chama de “bipolaridade do Estado brasileiro”, configurada no fato de que uma parte do Estado apoia a inovação e outra parte atravanca esse esforço. Ele refere-se ao papel de instituições de controle do Estado, como o TCU, que muitas vezes parecem desconhecer as exigências de agilidade e flexibilidade que marcam a pesquisa científica e tecnológica no século XXI.
Sobre o papel da Finep, Fernandes afirmou que a principal agência estatal de apoio à inovação do país não pode estar focada apenas no crédito, ou não cumprirá papel efetivo para a modernização de nosso parque industrial. A subvenção econômica também é de fundamental importância para a induzir os investimentos empresariais em inovação. No que respeita aos recursos operados pela agência, ele lembrou que a Finep só começou a recuperar sua capacidade de financiamento com a criação dos fundos setoriais, os quais contribuíram para turbinar o FNDCT. Recentemente, a perda do CTPetro comprometeu a capacidade de financiamento do Fundo. “Isso só poderá ser compensado”, afirma Luís Fernandes, “com uma regulamentação que garanta a recomposição do FNDCT a partir da destinação de parte significativa do Fundo Social do Pré-sal à ciência, tecnologia e inovação”. Outra medida defendida é desonerar o Fundo de ações como o programa Ciência sem Fronteiras, que devem ser financiadas com recursos ordinários do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e não com verbas oriundas do FNDCT.
Por fim, Fernandes lembrou que a luta contra o contingenciamento do FNDCT está na ordem do dia, e conclamou os militantes da ANPG a lutarem por essa causa. “No limite, precisamos garantir um novo cronograma de descontingenciamento, tal qual fizemos na década passada”, finalizou o presidente da Finep.
“Sem investimento não se faz nada”
O secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, Inácio Arruda, começou sua fala lembrando que o Brasil possui inúmeros exemplos bem-sucedidos de instituições de apoio à pesquisa e à inovação. É o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que comprovou, ao longo dos anos, ampla capacidade de incorporar tecnologia a uma série de produtos e processos. A Embrapa possui financiamento público e privado e, como resultado disso, consegue obter constância em seus projetos, muitos deles reconhecidos mundialmente. Para Arruda, uma das conquistas recentes na área de inovação foi a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que busca replicar junto à indústria a experiência da Embrapa.
Arruda ponderou, no entanto, que essas e outras iniciativas ainda não são suficientes para alçar nosso país ao patamar da autonomia tecnológica. “Hoje, para colocar um foguete em órbita precisamos importar até combustível de fora”, lembrou o secretário, para emendar em seguida: “Apesar de termos lançado nos últimos anos uma série de instrumentos de apoio à inovação, como a Lei do Bem e outras, ainda não alcançamos os resultados desejados, e não será contingenciando recursos que vamos conseguir isso. Não foi contingenciando recursos que se construiu, por exemplo, o Porto Digital em Pernambuco”, declarou. Fazendo com as afirmações anteriores de Luís Fernandes, Arruda afirmou que investir em áreas estratégicas é sem dúvida importante, mas defendeu a necessidade de investimentos amplos, capazes de cobrir toda a cadeia de produção do conhecimento.
Ao lembrar a queda dos investimentos, que atrapalha as pesquisas em andamento, o ex-senador pelo PCdoB do Ceará afirmou a importância do debate sobre o financiamento da ciência, proposto pela ANPG como tema central do 4º Salão de Divulgação Científica. “É evidente que existe a questão dos talentos, dos recursos humanos, mas sem investimento não se faz nada.” Por conta disso, Arruda propôs que, no debate sobre a Lei de Diretrizes orçamentárias, a ANPG se coloque à frente da luta pela inclusão de um dispositivo que impeça quaisquer contingenciamentos para a área de C&T.
O tema do financiamento é oportuno ainda, na visão do secretário, por conta do Plano Plurianual (PPA) 2016-2019, atualmente em debate no Congresso Nacional. No âmbito dos debates sobre o Plano é necessário, segundo Arruda, pautar uma melhor distribuição dos recursos para a C&T, de maneira a descentralizar a produção científica para as regiões menos desenvolvidas. “O Nordeste é área de forte potencial em termos de crescimento do PIB, e necessita de um olhar especial da ciência e tecnologia. Por conta disso, precisamos de mais investimentos federais. Em cada edital que lançamos, por exemplo no Ceará, é surpreendente o número de empresas que apresentam projetos”, observou. O secretário acrescentou que em seu estado tem sido praticada a política chamada de “3×1”: para cada um real investido pelo Governo Federal, o Governo Estadual acrescenta outros três reais. Arruda defendeu ainda a proposta de criação de novas unidades de pesquisa do MCTI no Nordeste.
Trazendo novamente o exemplo de seu estado, o secretário afirmou que no Ceará foi realizada toda a transformação da estrutura de laboratórios da Embrapa com recursos oriundos de emendas parlamentares. “Isso foi bom, antes de tudo, para a autoestima do pesquisador, mas também foi bom porque, quando existe infraestrutura de qualidade para a produção de tecnologia, o setor privado passa a confiar e vem participar.”
Arruda propôs também modificações na estrutura de registro de patentes em nosso país. Citando áreas de extremo dinamismo, como biotecnologia e tecnologias de informação e comunicação (TICs), Arruda afirmou que não podemos ficar dez, doze anos aguardando pela concessão de uma patente, sob pena da perda de competitividade em relação a outros países.
Em defesa da Petrobras
Victor Mammana, do Centro Renato Archer, unidade de pesquisa do MCTI situada em Campinas (SP), começou recordando o papel importante dos institutos de pesquisa. “Unidades como o Observatório Nacional (RJ) e o Museu Goeldi (PA) são centenárias e têm longa folha de serviços prestados ao país.” Mammana pontou que, apesar disso, a década de 1990 foi muito difícil para estes e outros institutos. A descontinuidade de investimentos teria gerado até mesmo um “gap” geracional. Contribuíram para a superação dessa situação medidas como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE –, de 2004, que recolocou os institutos de pesquisa como protagonistas do esforço desenvolvimentista.
Na visão do pesquisador, a situação dos institutos melhorou bastante no plano federal. Porém, no que diz respeito às instituições de pesquisa estaduais de São Paulo, a situação segue sendo de carência de investimentos. Instituições como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Instituto Agronômico, o Euvaldo Lodi e o Adolfo Lutz vivem neste momento grandes dificuldades. Isso se dá, segundo Mammana, por causas políticas semelhantes às que abateram os institutos federais nos anos 1990.
O diretor do CTI Renato Archer discutiu ainda as ameaças à Petrobras. Logo após convocar todos os presentes para um ato em defesa da empresa em Paulínia (SP), que vem ajudando a organizar, ele falou que essa importante pauta tem sido ainda pouco discutida, o que se reflete na 67ª SBPC. “A Petrobras é a principal empresa no país que oferece investimentos à pesquisa, à cultura e à educação. Além disso, o fundo do pré-sal também deve ser destinado em partilha para incentivos à Ciência e Tecnologia”, avalia. O tema atraiu diversas falas e intervenções no debate que se seguiu às falas dos expositores.
Mammana defendeu ainda as políticas de compras governamentais e de conteúdo local, segundo ele de fundamental importância para a conquista da autonomia tecnológica em nosso país. “Querem criminalizar a engenharia nacional. As empresas perseguidas são as mesmas que estão envolvidas na produção de submarinos e outras tecnologias de ponta”, denunciou.
O gestor alertou ainda para o perigo representado pelo crescimento de ideias fascistas em nossa sociedade. “Propostas como a redução da idade penal, motivada pela histeria com a segurança pública, vão aumentar e não reduzir a violência. Violência mesmo, e isso ninguém fala, foi a escravidão. O que precisamos é acabar com o país da Tia Anastácia e construir o país da doutora Anastácia”, afirmou Mammana, entre aplausos e gritos de apoio.
Ele encerrou sua fala explicando alguns projetos que o CTI destina à juventude, visando a levar ciência e tecnologia para as escolas de ensino básico. O gestor apresentou programa do Centro denominado “Wash!” (Workshop de Aficionados m Software e Hardware). Mais popularmente conhecida como “Rolezinho da Ciência”, a iniciativa leva a pesquisa para junto dos jovens de baixa renda. “O programa estimula o interesse dos jovens na ciência de uma forma diferente e também recebemos a notícia de que teremos bolsas de iniciação científica para estudantes do ensino médio participarem”, explicou. A iniciativa foi bastante comemorada por pós-graduandos e estudantes do ensino médio e técnico presentes ao debate.
“A ciência não tem pátria, o cientista tem”
A Reunião da SBPC vai até o próximo sábado (18). Tendo como tema “Luz, ciência e ação”, o evento homenageia o Ano Internacional da Luz, iniciativa capitaneada pela Unesco. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, esteve presente à Reunião durante os três primeiros dias e falou à comunidade científica em diversos momentos. Na abertura da Reunião, lembrou a frase de Louis Pasteur segundo a qual “a ciência não tem pátria; o cientista tem”. Em outro momento, Rebelo discursou a cerca de 200 jovens participantes do Salão Nacional de Divulgação Científica da ANPG.
Na abertura do Salão, logo antes da mesa sobre os “Desafios da Inovação no Brasil”, o público presente pode conferir o discurso da presidenta da ANPG, Tamara Naiz, além de uma intervenção artística realizada pelo ator Carlos Palma, que, interpretando o físico Albert Eistein (1879-1955), falou da importância da imaginação, da intuição, dos mistérios do universo e, claro, da importância da ciência e da pesquisa para desvendá-los.
Foto: Presidenta da ANPG, Tamara Naiz homenageia Luiza Rangel, ex-presidenta da entidade
* Jornalista, diretor da Fundação Maurício Grabois.
** Jornalista, membro da assessoria de imprensa da ANPG