Não é exagero lembrar de algumas práticas dos tribunais de exceção diante do barbarismo do juiz de primeira instância Sérgio Moro que vem substituindo o conceito de justiça do Estado Democrático de Direito no Brasil. Adolf Hitler, por exemplo, na fase mais crítica da autoridade do regime nazista, determinou que os inimigos do Reich fossem arrastados para o tribunal sumário do governo para serem julgados com a rapidez do relâmpago e executados duas horas depois da sentença. A ordem foi executada fielmente pelo presidente do tribunal, Ronald Freisler, um maníaco vil e imoral.

Ao arrastar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o depoimento coercitivo, o tribunal político de Sérgio Moro não deixou de ter certa semelhança com os métodos de julgamento do nazista Freisler. Como bem comparou o jornalista Pedro Porfírio (clique aqui), Lula sofreu um sequestro relâmpago. Com ele, foram sequestrados diretores e funcionários do “Instituto Lula”.

Além da ilegalidade do ato — uma afronta o artigo 218 do Código do Processo Penal, que determina a requisição da autoridade policial pelo juiz somente se a testemunha intimada deixar de comparecer sem motivo justificado — o sequestro não se baseou em nenhum fato concreto. A leitura do pedido apresentado pela “Força Tarefa Lava Jato” ao Juiz mostra somente a intenção do Ministério Público Federal de intimidar um dos advogados de Lula, violando suas prerrogativas profissionais e pisoteando o Estado Democrático de Direito.

Marcos do direito democrático

O Brasil viveu, nesse episódio, uma demonstração de regressão civilizatória, uma prova explícita do que disse Teori Zavascki, ministro do STF, ao classificar os métodos de Moro como “medievalesco”, que envergonha qualquer “sociedade civilizada”. O ato atrabiliário do juiz também confirma as palavras de Charles Darwin de que o temor de um retorno da humanidade à bestialidade é certamente infundado, mas regressões ocasionais sempre ocorrerão.

Esse retorno manifesta a tendência de certas mentalidades medievais de brutalizar seus atos, de agredir aquilo que não tolera. Essa é, no fundo, uma discussão filosófica acerca da natureza humana. E passa pelo Estado Democrático de Direito, um projeto racional a um só tempo produto da civilização e um dos mecanismos políticos que a garantem. Ele, em última análise, deve existir para instaurar a ordem e a igualdade de direitos e deveres entre os cidadãos.

O pano de fundo desse cenário democrático é a tolerância, o viés humanista, as forças da civilização. A alternativa a tudo isso é a barbárie. O argumento de que é justo perseguir alguém simplesmente por não gostar de suas opiniões, utilizando-se para isso de ilações e de campanhas criminosas da mídia para a desconstrução da imagem de seus adversários ideológicos, não se sustenta nos marcos do direito democrático. Não há a menor justiça na justiça feita por ímpetos, ao arrepio da lei. É a antítese do Estado Democrático de Direito.

Olho por olho, dente por dente

Ao abdicar da civilização e jogar pelas anti-regras da barbárie, Sérgio Moro assume o papel de justiceiro e pratica a lógica da vingança no lugar da justiça. Ele rompe com a função precípuó do magistrado de agir sob a égide da lei e suplanta o papel do Estado Democrático de Direito, que deve sempre assumir uma posição imparcial para gerar justiça e levar as diferenças do litígio aos preceitos do direito da ordem democrática.

Só a atuação ancorada na lei quebra o moto-contínuo da vingança. E assim dirime-se a tentação da barbárie, da truculência. Esse raciocínio confirma que a anti-regra do “olho por olho, dente por dente”, muito comum nas ruas como produto derivado do ódio político semeado pela conduta de Sérgio Moro, é coisa afeita ao tempo dos clãs, onde não havia Estado Democrático de Direito, lei ou justiça. Imperava a lógica da vingança: quem matava morria, quem mutilava era mutilado. Uma realidade anterior à civilização, em que reinava o caos.

É contra essa tendência que os cidadãos modernos, democratas do século XXI, se insurgem; uma luta para impedir o retorno às sombras medievais. A grande questão que se impõe, e que ajuda a definir o estágio de civilização de uma sociedade, é que o direito à justiça deve ser garantido a todos, indistintamente. Fora dessa regra, resta o retorno ao regime do Talião, quando a vítima ou seus familiares deveriam poder matar o assassino, estuprar o estuprador, esfolar quem esfolou etc. Uma lógica, aliás, muito presente nos métodos do juiz Sérgio Moro.