O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, contestou, no início da tarde desta segunda-feira (11), na Comissão Especial de Impeachment da Câmara dos Deputados, os argumentos do relator da Comissão Especial do Impeachment, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), e classificou o parecer favorável à abertura de processo de impeachment de “golpe”.

“Eu defendo a improcedência da denúncia e a nulidade do processo, instaurado por meio de desvio de poder. É absurdo que uma presidente eleita seja afastada por uma questão contábil que era aceita pelos tribunais. Isso é absolutamente contrário à Constituição e ao Direito. O impeachment viola a Constituição, a democracia e o estado de direito. Esse processo de impeachment não deve ser chamado de impeachment, deve ser chamado golpe”, disse Cardozo.“O fio condutor de todo o relatório é: na dúvida, que se aceite a denúncia. Na dúvida, que se afaste a presidente. Senhor relator, na dúvida, se investiga; na dúvida, se apure, e não se afasta presidente da República legitimamente eleita”, afirmou Cardozo.

Durante quase meia hora Cardozo rebateu os principais argumentos de Jovair Arantes, favorável à abertura de processo de impeachment. O parecer de Jovair Arantes pede a abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff por crime de responsabilidade por dois motivos principais: a abertura de créditos suplementares via decreto presidencial, sem autorização do Congresso Nacional; e o adiamento de repasses para o custeio do Plano Safra, o que teria obrigado o Banco do Brasil a pagar benefícios sociais com recursos próprios – o que ficou conhecido como pedalada fiscal.

Argumentos
Cardozo defendeu a nulidade do processo e argumentou que o pedido de impeachment desrespeita a Constituição de diversas maneiras. Segundo o advogado-geral da União, houve desvio de poder por parte do presidente da Câmara, Eduardo Cunha; ilegalidades processuais como a inclusão de tema alheio à denúncia, que foi a delação premiada do senador Delcídio do Amaral; cerceamento de defesa e a não comprovação de ilegalidade em relação aos decretos de suplementação orçamentária.

“O processo de impeachment nasce com pecado original, que foi a má utilização da competência do presidente da Câmara para fazer uma vingança. É um clássico do desvio de poder”, disse Cardozo.

Jovair Arantes, em seu relatório, refutou a tese alegando que é próprio da democracia haver divergências entre presidente da Câmara e presidente da República. Para Cardozo, porém, desvio de poder é motivo suficiente para anulação de processo. “E isso não tem relação com suspeição”, disse.

Cardozo também questionou o fato de a delação premiada de Delcídio do Amaral ter sido anexada ao processo, mesmo que a peça não tenha sido usada pelo relator em seu parecer final.

“O relator adota posição sui generis de que receber a delação não significa que isso seria analisado. O relator disse que não analisaria a delação, mas permitiu aos deputados discutirem o que quisessem. Há uma transgressão do princípio do devido processo legal. O relator disse ainda que só analisaria os fatos da denúncia, mas na página 118, fala da Lava Jato”, disse.

Além do que chamou de ilegalidade processual, Cardozo alegou que houve cerceamento de defesa durante o processo, quando não foi permitido o interrogatório dos autores da denúncia – os juristas Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr.

Cardozo afirmou que houve uma clara violação do amplo direito de defesa quando a Advocacia-Geral da União (AGU) foi impedida de usar a palavra, pela ordem, durante audiência de esclarecimento do parecer do relator da comissão, Jovair Arantes. Momentos antes da votação do impeachment na Comissão, Cardozo desmontou, ponto a ponto, a tese do relatório, e voltou a afirmar que o impeachment é inconstitucional.

Segundo Cardozo, o uso da palavra pelo advogado de defesa, além de ser um direito garantido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é comumente usada na Comissão de Ética da Casa, inclusive no processo de cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

 “Porque o que vale para cassar o mandato de um parlamentar não vale para o mandato do presidente da República?”, questionou Cardozo.

Para o ministro, o relatório, favorável à continuidade do processo de impeachment, possui equívocos conceituais e é objeto de vingança do deputado Eduardo Cunha.

“Eu tenho absoluta convicção de que a leitura isenta e desapaixonada deste relatório é talvez a melhor peça de defesa que a presidente da República pode ter. As contradições, os equívocos conceituais e o desejo político de chegar ao impeachment ficam borbulhantes na leitura deste relatório”, afirmou Cardozo à comissão.

Pedaladas
Cardozo questionou ainda a existência de crime de responsabilidade nos atos da presidente da República, como afirmou Jovair Arantes.

Para Jovair Arantes, houve descumprimento dos limites de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e crime de responsabilidade na edição de decretos de suplementação orçamentária feitos sem autorização do Congresso.

Cardozo rebateu a afirmação de que houve aumento ilegal dos gastos. “Metas fiscais têm a ver com execução orçamentária. Portanto baixar um decreto de suplementação não aumenta o gasto se houver um decreto de contingenciamento. E houve”, disse o ministro.

O advogado-geral da União disse ainda que não houve descumprimento de metas fiscais estabelecidas pela Lei Orçamentária Anual (LOA), já que o próprio Congresso autorizou a revisão da meta fiscal – o que foi feito por meio do PLN 5/15, aprovado em dezembro do ano passado e que revisava a meta fiscal de 2015 para um déficit de até R$ 119,9 bilhões, ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB), contingenciando R$ 11,2 bilhões.

“O próprio TCU, em 2009, disse que é saudável que se mude a meta fiscal. O Congresso aceitou. Não houve descumprimento. Onde está a má-fé? Onde está o dolo?”, perguntou Cardozo.

Cardozo também rebateu a afirmação de Jovair Arantes de que houve crime com a edição de decretos sem autorização do Congresso. “O relator afirma que isso só poderia ser feito por meio de projeto de lei ou medida provisória. Mas se a despesa é obrigatória de acordo com a lei orçamentária, eu tinha que mandar uma lei para cumprir a lei?”, questionou.

“O fio condutor de todo o relatório é: na dúvida, que se aceite a denúncia. Na dúvida, que se afaste a presidente. Senhor relator, na dúvida, se investiga; na dúvida, se apure, e não se afasta presidente da República legitimamente eleita”, concluiu.

Entrevista

Em entrevista coletiva realizada na tarde desta segunda-feira (11), o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, demonstra a irregularidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. E o erro começa na motivação por trás do processo, afirma.

“É um processo irregular que começa por uma vingança. E esse pecado vai se perpetuando a cada passo. É um processo perverso”. Cardozo lembra que um “problema momentâneo”, ou baixa popularidade, não são causas para se afastar o presidente eleito. “Isso é contra a origem do presidencialismo”. E ressalta que é necessário que o processo tenha embasamento em crime de responsabilidade, mas que toda a motivação é meramente política. “Tem teses que não se sustentam na Constituição. Só dão suporte à vontade política de afastar a presidenta”.

Cardozo afirma ainda que “é perfeitamente possível discutir esse problema no judiciário”. E aponta vícios na tramitação do processo na Comissão Especial do Impeachment da Câmara dos Deputados. Ele considera, por exemplo, que é necessário que o advogado-geral seja ouvido durante todo o processo, que tenha direito a manifestações “pela ordem”, e não apenas a um pronunciamento como o que foi feito.