Putin: golpes de poder são absolutamente inaceitáveis para a Rússia
Charlie Rose: Vocês estão prontos para se juntar aos EUA na luta contra o Estado Islâmico e por isso se fazem presentes na Síria? A manutenção de B.Assad junto ao poder é o objetivo da presença da Rússia na Síria?
Vladimir Putin: Exatamente, é isso mesmo. Mais do que isso, na minha profunda convicção, agindo no sentido de destruição de estruturas legítimas de poder, nós podemos criar a mesma situação que hoje é observada em outros países da região.
Charlie Rose: Como você sabe, alguns dos parceiros na coalizão querem primeiro que Assad abdique do poder, para somente então se disporem a apoiar o governo.
Vladimir Putin: Eu recomendaria a eles submeter essa posição ao povo sírio. Somente o povo sírio está no direito de decidir quem e como deve governar o país.
Charlie Rose: Você apoia o Presidente Assad. E o Sr. apoia aquilo que ele faz na Síria e aquilo que acontece com milhões de refugiados e centenas de pessoas que morreram e muitos dos quais foram mortos por suas forças?
Vladimir Putin: É o que o Sr. acha, é correto como agem aqueles que apoiam a oposição armada e, principalmente, as organizações terrorismo, apenas para derrubar Assad?
Vocês falam o tempo todo, com uma insistência digna da melhor causa, que o exército sírio luta com o seu povo. Mas vejam quem é que controla 60% do território da Síria – ou o Estado Islâmico ou outras organização terroristas.
Charlie Rose: O Sr. está pronto para enviar exércitos russos à Síria caso surja tal necessidade no âmbito da luta contra o Estado Islâmico?
Vladimir Putin: A Rússia não participará de quaisquer operações envolvendo exércitos nem no território da Síria, nem em outros países.
Charlie Rose: Muitos acreditam que as ações de B. Assad estão sendo vantajosas para o EI, que as terríveis atitudes em relação ao povo sírio não um tipo de ajuda para o EI. Consequentemente, se Assad sair, o país entrará num período transitório, que irá contribuir para a luta contra o EI.
Vladimir Putin: Refletindo a linguagem dos serviços especiais, posso dizer que tal avaliação é claramente uma ação ativa dos inimigos de Assad. Isto é propaganda anti-síria.
Charlie Rose: Esta é uma formulação muito ampla, entre outras coisas, isso poderia significar um novo esforço por parte da Rússia, a assumir um papel de liderança no Oriente Médio, e que é a sua nova estratégia. É realmente assim?
Vladimir Putin: Não. Mais de dois mil combatentes provenientes da ex-União Soviética se encontram no território da Síria. Existe o perigo de que eles voltem para nós. Então ao invés de esperar até que eles voltem para nós, é melhor ajudar Assad a combatê-los no território da Síria. Esse é o incentivo principal que nos leva a prestar assistência a Assad. Em geral, nós certamente não queremos que a situação na região seja semelhante ao caso da Somália.
Charlie Rose: O Sr. se orgulha da Rússia, e isso quer dizer que você gostaria que a Rússia representasse um papel mais significativo em todo o mundo. E isso é uma das prioridades.
Vladimir Putin: Este não é um fim em si mesmo. Eu me orgulho da Rússia. Temos algo para se orgulhar. Mas nós não temos alguma espécie de fetiche sobre a Rússia ser uma superpotência na arena mundial.
Charlie Rose: Mas a Rússia é um dos países líderes, porque possui arma nuclear. Vocês são uma força que deve ser reconhecida.
Vladimir Putin: Eu espero, pois, de outra forma, por que teríamos essas armas?
A Ucrânia é um grande problema à parte, e inclusive para nós. É o país mais próximo de nós. Estamos sempre dizendo que a Ucrânia é um país irmão. Não é apenas um povo eslavo, é o mais próximo do povo russo: a língua e a cultura muito semelhantes, uma história comum, uma religião comum, e assim por diante. O que eu acho completamente inaceitável para nós? A decisão de questões, incluindo as questões contenciosas, em questões de política interna nas repúblicas da ex-União Soviética, com a ajuda das chamadas revoluções “coloridas”, com a ajuda de golpes e formas inconstitucionais para mudar o governo. Isto é absolutamente inaceitável. Nossos parceiros dos Estados Unidos não escondem que apoiaram aqueles que se opunham ao presidente Yanukovych.
Charlie Rose: O Sr. considera que os EUA estão relacionados com a derrubada de Viktor Yanukovich, quando ele foi forçado a fugir para a Rússia?
Vladimir Putin: Eu tenho certeza disso.
Ch.Rouz: Como você sabe?
Vladimir Putin: É muito simples. Porque as pessoas que vivem na Ucrânia, temos milhares de contatos em conjunto com elas e milhares de conexões. E sabemos como, onde e quando se encontraram, trabalharam as pessoas que derrubaram Yanukovych, como eles eram apoiados, quanto eram pagos, de que área, de que países e quem eram esses instrutores. Nós sabemos tudo. Na verdade, os nossos parceiros americanos já nem escondem isso mais.
Charlie Rose: O Sr. respeita a soberania da Ucrânia?
Vladimir Putin: Claro. Mas nós gostaríamos que outros países também respeitassem a soberania de outros países, incluindo da Ucrânia. E respeitar a soberania significa não permitir golpes de governos, ações anticonstitucionais e mudanças ilegais de autoridades legítimas.
Charlie Rose: De que forma ocorre a alteração de autoridades legítimas? Qual é o papel da Rússia na renovação do poder na Ucrânia?
Vladimir Putin: Mas a Rússia nunca foi e não vai participar nas ações destinadas a derrubar o governo legítimo.
Charlie Rose: Mas não foi necessário que fosse usada a força militar a fim de alcançar esse objetivo?
Vladimir Putin: Claro que não.
Charlie Rose: Muitos falam da presença militar russa nas fronteiras da Ucrânia, e alguns chegam a afirmar que as tropas russas estão no território de um país vizinho.
Vladimir Putin: Vocês têm presença militar na Europa?
Charlie Rose: Sim.
“Na Europa, há armas nucleares táticas dos Estados Unidos, não vamos esquecer. Isso significa que vocês ocuparam a Alemanha ou apenas transformaram as forças de ocupação nas forças da OTAN? E se nós mantemos nossas tropas no nosso território na fronteira com algum estado, vocês considerariam que isso é um crime?”, disse Putin.
Charlie Rose: Nos EUA muito se fala a seu respeito.
Vladimir Putin: Não tem mais do que se ocupar?
Charlie Rose: Talvez eles sejam apenas curiosos? Talvez você seja uma pessoa interessante, talvez esse é o ponto? Eles sabem que você trabalhou na KGB, em seguida construiu sua carreira política em São Petersburgo, tornando-se vice-prefeito, e depois se mudou para Moscou. Vale ressaltar que se vê fotos suas com o torso nu, a galope em um cavalo, e eles dizem: é uma pessoa que cria a imagem de um homem forte.
O Sr. gosta do seu trabalho, você gosta de representar a Rússia, e eu sei que você trabalhou na inteligência estrangeira, e eu entendo que o seu trabalho é “ler” as pessoas.
Vladimir Putin: Foi o meu trabalho. Hoje eu tenho outro emprego, e já há algum tempo.
Charlie Rose: Alguém na Rússia me disse que não existe funcionários ex-KGB.
Vladimir Putin: Você sabe, nenhuma fase da nossa vida passa sem um traço. Não importa tudo o que se fez, tudo o que fazemos, esse conhecimento, essa experiência, estão sempre conosco, e nós levamos isso pra frente, e usamos de alguma forma. Neste sentido, sim. Eles estão certos.
Charlie Rose: Certa vez um funcionário da CIA me disse que você tem as habilidades essenciais. Você pode fascinar as pessoas, e você é bom no que faz.
Vladimir Putin: Bem, se lhe foi dito pela CIA, então provavelmente assim que é. Eles são bons profissionais.
Charlie Rose: Seus índices de popularidade na Rússia causam inveja em qualquer outro político no mundo. O que te faz tão popular?
Vladimir Putin: Há algo que une eu e outros cidadãos russos, temos algo em comum, o que nos une é o amor à pátria.
Charlie Rose: Durante a celebração do 70º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, quando todos se lembraram das vítimas na Rússia, uma imagem tocou a todos: você em pé com lágrimas nos olhos, segurando uma foto de seu pai.
Vladimir Putin: Sim, minha família sofreu uma grave perda de parentes durante a Segunda Guerra Mundial. É verdade. Na família do meu pai havia cinco irmãos, quatro morreram. Na família da mãe é mais ou menos o mesmo cenário. A Rússia sofreu muito. Claro, não podemos esquecer, e não esquecemos, não para culpar alguém, mas para assegurar que nada como isso aconteça novamente no futuro.
Charlie Rose: Você também disse que a tragédia mais horrível do século passado foi a dissolução da União Soviética. No entanto, algumas pessoas olham para a Ucrânia e a Geórgia, pensando, que a sua motivação não é recriar o império soviético, mas sim uma esfera de influência que a Rússia, na sua opinião, merece por causa das relações que existiram ao longo dos anos. Por que você está sorrindo?
Vladimir Putin: Você me diverte. O tempo todo estão suspeitando algo de nós, de alguma ambição e todo o tempo tentam distorcer algo. Eu disse que eu acho que o colapso da União Soviética é uma grande tragédia do século XX. Você sabe por quê? Em primeiro lugar, porque de repente 25 milhões de russos se encontravam fora das fronteiras da Rússia. Eles viviam em um país unificado — de repente se viram no exterior. Imaginem quantos problemas vêm com isso? Questões domésticas, separação de famílias, problemas econômicos, problemas sociais – não dá pra listar todos.
E vocês acham que é normal que 25 milhões de pessoas russas de repente se encontrem no exterior? Os russos se tornaram a nação mais dividida hoje. Isto não é um problema? Para você, talvez não, mas para mim é um problema.
Charlie Rose: Muitos criticam você na Rússia. Como você sabe, eles dizem que a Rússia é mais autocrática do que democrática. A oposição política e os jornalistas estão em prisões russas, eles são mortos. Eles argumentam que o seu poder é indivisível, e que o poder e, sobretudo, o poder absoluto corrompe absolutamente. O que você diria a essas pessoas que estão preocupadas com o clima político na Rússia?
Vladimir Putin: Não pode haver democracia sem respeito pela lei, e todo mundo tem que respeitá-la, este é o mais importante e básico, o que todos nós precisamos lembrar, o que ninguém deve esquecer. No que diz respeito a estas coisas trágicas, como a morte de pessoas, incluindo jornalistas, infelizmente isso acontece em todo o mundo. Mas se isso acontece com a gente, vamos fazer de tudo para garantir que os perpetradores sejam encontrados, expostos e punidos.
Mas o mais importante é que vamos continuar trabalhando para melhorar o nosso sistema político, de modo que as pessoas comuns sintam que afetam na vida do Estado e da sociedade, afetam o poder, e que o poder sinta a responsabilidade frente às pessoas que confiaram nas autoridades durante as campanhas eleitorais.
Charlie Rose: Como você bem sabe, se você, como líder deste país, insistir no primado do direito e da justiça, então é possível conseguir muito em termos de erradicação dessa percepção negativa.
Vladimir Putin: Há muito que pode ser feito, mas nem todos e nem de uma só vez é possível realizar tudo. O quanto o processo democrático se desenvolve nos Estados Unidos? Desde o início da criação dos EUA. E agora, vocês consideram que está tudo resolvido do ponto de vista da democracia? Se tudo estivesse resolvido, não existiriam os problemas de Ferguson, não é verdade? Não existiriam outros problemas deste tipo, não haveria arbitrariedade da polícia. Nosso objetivo é enxergar todos esses problemas e reagir no tempo e adequadamente a eles. O mesmo se aplica à Rússia. Nós também temos um monte de problemas.
Charlie Rose: Você tem interesse na América em mais larga medida do que qualquer outro Estado com o qual você interage?
Vladimir Putin: É claro que estamos interessados no que está acontecendo nos Estados Unidos. A América tem um enorme impacto sobre a situação do mundo em geral.
Charlie Rose: O que você mais gosta na América?
Vladimir Putin: A abordagem criativa para resolver os problemas enfrentados pela América, abertura e emancipação – isto dá uma oportunidade para revelar o potencial interior das pessoas. Eu acho que é em grande parte graças a isto que a América fez tais grandes avanços no seu desenvolvimento.
Charlie Rose: Deixe-me perguntar, o que você acha do presidente Obama? Como você o avalia?
Putin: Eu não me considero no direito de avaliar o Presidente dos Estados Unidos. Isso é uma questão do povo americano.
Charlie Rose: Você acha que sua atuação nas relações internacionais reflete fraqueza?
Vladimir Putin: Eu não acho isso de forma alguma. A questão é que, em qualquer país, inclusive nos EUA, onde pode ter ainda mais do que em qualquer outro país, os fatores ligados à política externa são usados para a disputa da política interna. Nos EUA em breve acontecerá a campanha pré-eleitoral. Sempre acaba sendo usada a cartada russa, ou outra carta.
Charlie Rose: Deixe-me lhe fazer uma pergunta: você acha que ele te escuta?
Vladimir Putin: Eu acho que todos nós juntos, em parte, apenas ouvimos a parte que não contradiz nossas próprias idéias sobre o que devemos fazer e o que não devemos.
Charlie Rose: Você acha que ele considera a Rússia em nível de igualdade? O que você acha ele considera você em nível de igualdade? E é assim que você quer ser tratado?
Vladimir Putin: Isso você pergunta a ele, já que ele é seu presidente. Como posso saber o que ele pensa?
Charlie Rose: Você já assistiu ao debate político do Partido Republicano?
Putin: Assistir de uma forma que seja em um regime diário, não.
Charlie Rose: Marco Rubio, um dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, chamou-lhe de gangster no debate.
Vladimir Putin: Como posso ser um gangster se eu trabalhava na KGB? Isto é completamente falso.
Charlie Rose: As pessoas na Rússia sentem medo de você?
Vladimir Putin: Acho que não. Presumo que a maioria das pessoas confia em mim, se votam em mim na eleição. E isso é a coisa mais importante. Isso coloca uma responsabilidade enorme, colossal. Sou grato ao povo por essa confiança, mas é claro, sinto uma grande responsabilidade pelo o que eu faço, e pelo resultado do seu trabalho.
Charlie Rose: Como você sabe, algumas pessoas te chamam de czar.
Vladimir Putin: E então? Você sabe, me chamam de maneiras diferentes.
Charlie Rose: Este nome lhe convém?
Vladimir Putin: Não. O que importa não como somos chamados pelos simpatizantes, amigos ou seus adversários políticos. É importante o que você mesmo pensa, o que você deve fazer no interesse do país que confiou a você tal posto, como chefe do Estado russo.