No já indispensável “Flores, votos e balas” (Companhia das Letras, 2015), Angela Alonso nos convence que André Rebouças, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, cada qual a seu modo, iludiram-se fartamente com a possibilidade de uma agenda reformista dum “Terceiro Reinado”, no torvelinho do pós-Abolição. Ademais, desses três grandes revolucionários brasileiros restarem aprisionados pelo monarquismo.

A catapulta policlassista

Resumindo muito, Patrocínio, o criador das “conferências-concerto” contra a escravidão, antes republicano, mudou de lado com “a passionalidade costumeira”; Rebouças, e seu “programa rural” (direitos políticos, terra a trabalhadores livres com pequena propriedade, imigração de famílias europeias), e Nabuco com sua “democracia rural” (imposto rural, liberdade de consciência, casamento civil, imigração de colonização) defrontaram para duas oposições inconformistas: a escravocrata e a abolicionista. Um ano após o maio de 1888, o combativo abolicionista Silva Jardim já denunciava o ex-escravo na miséria. O inarredável libertador baiano-paulista e filho de africana livre Luís Gama já havia morrido em 1882 (p.p 361-369). [1]

Ao que nos diz respeito: entre 1878 e 1885 o associativismo abolicionista “explodiu” a se alastrar pelo país, com destaque para Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro. Heterogêneas, pequenas e grandes, efêmeras e longevas, as associações povoavam estados então com grande número de escravos (Sul) como nos de poucos (Norte). Socialmente, o instituto dos Advogados, órgãos de imprensa, a União Acadêmica (associação de alunos da Faculdade de Medicina, São Paulo) e outros declaravam apoio e auxiliaram a luta antiescravista. Como assinala Alonso, a inclinação do movimento se disseminava, “tanto intraelite como fora dela” (pp.181-82).

E não menos importante: de fato, a rebelião abolicionista, de posse das conferências-concerto ou das “Conferências Emancipadoras” de Rebouças empolgaram amplos setores das camadas médias, onde o universo misto de espetáculos teatrais e comícios “forneceu a linguagem para a expressão e a ritualização do proselitismo abolicionista” (idem, p. 134).

Secular DNA da traição

O Brasil de 1894 prosseguia retalhado em rebeliões separatistas, a ponto de, na primeira eleição direta (fim do período 1889-94 Deodoro/Floriano), o Rio Grande Sul, o Paraná e Santa Catarina não participarem das eleições. Chamou-se de a Revolução Federalista (1893-1895), encetada logo após a proclamação da República.

Sendo visivelmente inviável entronizar a candidatura de Prudente de Morais – intrépido conspirador -, fazendeiros e industriais paulistas apoiaram Floriano Peixoto, após a renúncia de Deodoro. Em 1891, Floriano concorrera a presidente e a vice, separadamente, via Congresso Constituinte, também a primeira eleição presidencial do Brasil.

O ápice das elites paulista não só apoiou Floriano – atenção: “colocaram grandes somas de dinheiro à disposição que pragmaticamente foi usado para compra de armas no exterior, recrutar tropas para robustecer as fileiras do Exército e adquirir navios de guerra reformados dos Estados Unidos”, então necessidade premente do governo Floriano para combater as sublevações que se espalhavam pelo país.

Na verdade, a burguesia e os latifundiários paulistas ganhavam tempo “como era previsível”, e já articulavam para depor Floriano, para, a seguir, assumir a presidência com o apoio inclusive dos setores oligárquicos de outros estados. [2]

Ao que nos interessa: o rompimento das classes dominantes com Floriano foi calculado sobre a base das dificuldades gigantescas provocadas pela guerra civil no Sul, num Brasil ainda sob estado de sítio; e na vigência gravíssima do “encilhamento” econômico. Ainda em abril de 1892 a cúpula das forças armadas conspirava contra ele celeremente, no que levou o Marechal-Presidente a expulsar 13 generais e almirantes de suas fileiras.

Ninguém conseguiu derrotar a obstinação republicana de Floriano Peixoto apesar de tamanha adversidade, recusando-se ele a transitar formalmente o governo para o mesmo oligarca vencedor, Prudente de Morais – o Marechal desculpou-se depois.

O segundo Vargas e o sistema de alianças

Pouco antes das eleições de 1950, em maio, Getúlio Vargas estava acossado por uma corrente de militares golpistas, cuja disputa eleitoral ferrenha no Clube Militar confrontava Estilac Leal e Cordeiro de Farias. As duas alas do Exército brasileiro sintetizavam uma oposição entre “nacionalistas” e “entreguistas”, respectivamente, os primeiros sendo acusados de “comunistas”. Naquele momento, no centro, duas posições sobre o monopólio estatal do petróleo. Estilac venceu por pouco.

Conta-nos então Lira Neto [3] que Getúlio passou a procurar e se reuniu duas vezes com o alagoano Aurélio de Góes Monteiro, que chefiou a Revolução do 1930 desde a recusa de Carlos Prestes em dirigi-la militarmente. Getúlio ofereceu-lhe nada menos que a vice-presidência. Recorde-se: Góes Monteiro – sim, ele mesmo! – foi quem depusera o mesmo Vargas, em agosto de 1945, após assumir o Ministério da Guerra do reacionário Gaspar Dutra.

Ao que aqui nos compete: Góes Monteiro recusou o convite e Vargas teve que compor com Café Filho, quem, segundo o combativo jornalista Samuel Wainer, o presidente lhe tinha até “horror físico” – transcreve Lira Neto. Notemos que, eleito, Getúlio nomeou apenas um ministro de seu partido, o PTB, fazendo ministros gente da UDN, do PSD e do PSP. [4]

Sabemos de cor e salteado que Getúlio Vargas conseguiu adiar o golpe militar com o custo definitivo de seu suicídio, em agosto de 1954, aquele vindo a se materializar em março de 1964. Sabemos igualmente que o líder da Revolução de 1930 foi literalmente esmagado por denúncias escandalosas e multiplicadas de “corrupção” durante todo o seu segundo governo.

“Petismo”, presente e futuro

Aprende-se fartamente em nossa história que as conspiratas golpistas, sempre apoiadas pelos liberais vira-latas nucleando as forças que atuaram em 1954, 1955 (Juscelino) e 1964, repetiram mais uma vez a ladainha contra a corrupção. Desta feita com grande êxito e alcance – distintamente de 2005, contra Lula e aliados. Assim, à velhíssima armadilha justificadora das denúncias da “corrupção”, multiplicada por um milhão, na inédita ausência das Forças Armadas, agruparam-se decisivamente setores do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, o oligopólio midiático, em orquestração com o presidente da Câmara dos deputados e o próprio vice-presidente da República.

Retrospectivamente, todos sabemos e reiteramos elegias às conquistas que o nosso povo obteve sob Lula e Dilma. Como digo sempre, pequenas, porém substantivas; congenitamente impactadas pelas vicissitudes de uma economia (e sociedade) subdesenvolvida, essência dum capitalismo periférico e retardatário. Mormente quando ele passa a abdicar do manejo de sua política econômica, desde os anos 1990. Literalmente igual aos que à época da globalização neoliberal-financeira possuem moedas inconversíveis.

Refiro-me agora ao “petismo”. Sendo inteiramente necessário distinguir a evolução política inusual que passou a exibir o ex-presidente Lula, daquilo que se configurou como exclusivismo petista doentio de sua origem. Petismo famoso pela luta fratricida entre suas correntes em todas as esferas de sua atuação. Mas arrotando uma suposta superioridade de sua democracia interna. Explico.

Lula passou a abjurar os antigos ataques de matriz uspianos – e primários – a Vargas, assim como tornou-se, bem depois de sua fulminante ascensão da liderança em São Bernardo, presidente audaz e determinado costurador de governos de amplíssimas coalizões. Movimento insuficiente para paralisar as concepções oportunistas de negação da “questão nacional”, que perdura no PT e se disseminou com a globalização neoliberal-financeira.

Aliás, persiste na compreensão do sistema de alianças, encobertas por alguns num pretenso “lulismo” – o que não resiste de pronto à intensa pressão interesseira (e de grupos) pelos espaços de poder ocorrida. Claro que Lula não descobrira pólvora alguma. Mas antagonizara a partir daí a ideia-bazófia, logo espezinhada por alguns, de “ética na política”. Nesse terreno, bradava-se um valhacouto do inquisitório contra todos, um desastre coetâneo de velhíssimas práticas corruptoras das oligarquias.

Simbolizam bem tal metamorfose de Lula a presença de Henrique Meirelles, fiel representante do sistema financeiro, no Banco Central por quase dois mandatos; bem como a presença de José Alencar, grande empresário do ramo têxtil e raríssimo exemplo contemporâneo de digno patriota, como seu vice por duas vezes. Recordemos. Palocci-Meirelles foi a síntese da operação contida na “Carta aos brasileiros”, compromisso que pode ser sintetizado na abertura completa da conta de capitais do balanço de pagamentos, em 2005, conduzida por Antônio Palocci.

Alencar, pilastra desenvolvimentista esteve sempre a bradar pela queda na taxa de juros, até os últimos dias de sua vida. A valorização cambial, outra concessão alienígena, atravessou uma década a destroçar a indústria, que passa a desindustrialização alimentada pelo “rentismo”. Note-se: a linha que separava esse setor do financeiro, se era tênue, foi desmilinguindo.

Coalizões e hegemonismo deletério

No cerne da ideologia do “petismo” de suas esferas, tornou-se hábito de intelectuais do círculo petista tornados “celebridades” o tom raivoso contra a (“abominável”) “classe média”. Como se ela fosse de fato uma “classe”; ou se na prática ela não tivesse sido incluída nos cerca de 82% de “aprovação” do segundo mandato de Lula, mesmo depois das diatribes do farsesco “mensalão”. Ou como se tais acusadores não tivessem tido origem nessas hostes societárias. Ora, camadas médias na sociedade capitalista são fenômenos estruturais, e sua conduta política e mesmo ideológica são pendulares (Lênin). Geralmente elas são “bipolares”. Foi e é assim.

A exemplo, A. Buonicore   [5] nos recorda a passeata dos 100 mil, 26 de junho de 1968, auge da histeria na passagem para o fascismo da ditadura militar. Na passeata, na maior já ocorrida até então, estudantes, artistas, intelectuais, religiosos e assalariados urbanos em geral tomaram as ruas da capital do Rio de Janeiro.

A meu juízo, mesmo utilizando uma definição restrita das camadas médias no Brasil da época, Buonicore acerta quando interpreta definindo-as como um “amálgama de diversas classes, frações de classe e categorias sociais, compostas de pequeno-burgueses, profissionais liberais e assalariados médios (trabalhadores assalariados não manuais de status social acima dos operários)”, que ainda se dividiam em estratos inferiores e superiores.

Isso se dá porque: 1) as formações sociais e conjunturas se articulam de maneira dinâmica, misturando interesses de classes, frações de classes e categorias sociais. 2) O desenvolvimento dessas múltiplas contradições, antagônicas ou não – à base de interesses históricos e/ou imediatos concretos – é que explica e dá sentido aos confrontos que politicamente ocorrem nas lutas de classes. (Buonicore, idem).

No terreno sindical, tive a oportunidade, pelo inexpugnável PCdoB, de conviver nove anos na executiva nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores) representando os sindicalistas da Corrente Sindical Classista. Sindicalistas destacados do PT, com os (as) quais fiz amizades, tornaram-se, após, importantes dirigentes partidários. À época, comandavam a central, que pela primeira vez (1992) assumia nítido caráter plural.

Após o ingresso de nossa corrente, para não ir muito longe nesse assunto, a pecha de “reformistas burgueses” era acusação indispensável presente em vários documentos da corrente “Articulação”, chefiada por Lula; socialdemocracia de terceiro mundo era o troco ideológico que lhes endereçávamos, por sua feita. Não se tratavam de meras divergências naturalmente plasmadas: via de regra o exercício da arrogância e do sectarismo era a política do “petismo” com aliados avançados do “mundo do trabalho”. Chegou-se à desonestidade da burla em resultados de algumas eleições sindicais, o somatório limite para a nossa presença na central sindical.

A captura para o golpe

Retornando ao problema crucial das alianças, com foco nas camadas médias. Na evolução da crise institucional golpista contra a Presidenta Dilma, mesmo Jessé de Souza em estudo mais recente – o polêmico “A tolice da inteligência brasileira. Ou como o país se deixa manipular pela elite” -, [7] o “moralismo da classe média” brasileira “conservadora” sempre foi “extremamente seletivo e antidemocrático”, ele conclui que, em “literalmente todos os casos”, ela foi “usada como massa de manobra para legitimar golpes de interesse de meia-dúzia de poderosos”. Supondo ele que toda sociedade moderna produz e se alimenta de um mito ou de uma “espécie de contos de fadas para adultos”, no Brasil essa fantasia teria origem nas ideias da oposição Estado/Mercado teorizadas, na essência, por Raimundo Faoro e Sergio Buarque. Ou seja, a apologia da meritocracia – o mercado é a “virtude”, o Estado o “vício”- para justificar a dominação social. Onde, “naturalizada” na vida cotidiana dessa “classe média”, tende-se ela a crer-se como “a classe do milagre individual” (p.p 241-2). 

Com razão, Souza assinala que o significado das “jornadas de junho” de 2013 transmutou-se com base na luta pela mobilidade urbana, como uma rarefeita e posterior adesão de massas populares, favelados e estudantes periféricos, para, a seguir ter sido capturada pelas altas camadas médias. Camadas dos “20%” mais escolarizados e de maior renda dessas frações sociais, de acordo com a pesquisa chancelada pelo IBOPE.

E arrematando sobre o golpe em curso, Souza afirma que a “pseudodemocracia tutelada brasileira” forjou órgãos de controle do governo e do Judiciário criados pela nova Constituição; que veio aliando TCU, MPF e PF “Juízes justiceiros incensados pela mídia conservadora como heróis do povo (leia-se classe média conservadora)”, supostamente “acima da política” e novos representantes da “vontade geral” ou dos interesses econômico do 1% mais rico (p.p 259-60).

Lênin, Gramsci, alianças e hegemonia

Na direção estratégica encetada pelas forças progressistas e populares, sabe-se também do sentido historicizante que Lênin emprestava ao entendimento – à cognoscibilidade – da materialização da hegemonia; da construção da hegemonia revolucionária.

Para Lênin, similarmente a Gramsci, a substância teórica necessariamente emanava da visão política da conquista do processo hegemônico. Lênin compreendia sim o desafio candente da hegemonia [“estar à frente”, “conduzir”, “comandar”, traduz L. Gruppi] emanando as escaramuças pelo predomínio cultural, moral e ideológico. [6] Da mesma maneira que sempre rememorava o princípio político (e dialético) de que não há marxismo fora da captura das condições históricas imanentes e dadas: “a análise concreta da situação concreta é a alma viva do marxismo” (idem, p.13).

Das inovadoras formulações teóricas de Gramsci sabe-se há muito que este detalhou e estendeu o conceito de hegemonia das lutas contra o capitalismo monopolista moderno e do centro mais desenvolvido e das três primeiras décadas do século XX. Um “Estado ampliado” enfrentava a questão para além das determinações econômicas da sociedade burguesa, onde sua miríade superestrutural seria o terreno das “trincheiras na guerra moderna” (idem, p. X). Destrinchemos mais ao que nos deve interessar.

Conforme Renato Zhangheri, [7] em a Questão meridional (novembro de 1926), Gramsci indicaria “o consenso das amplas massas camponesas” como a condição para mobilizar contra o capitalismo a maioria da população trabalhadora. Os intelectuais, na concreta situação italiana, teriam um papel decisivo na formação das alianças. Com efeito, no Mezzogiorno (região meridional e as duas ilhas da Sardenha e da Sicília), era necessário através da formação na massa dos intelectuais, de uma tendência de esquerda, “no significado moderno do termo, ou seja, orientada para o proletariado revolucionário”, para quebrar os vínculos entre os camponeses e os grandes proprietários rurais.

Para Zangheri, Gramsci tende a considerar abstrata a distinção entre infraestrutura (as relações sociais de produção) e superestrutura (as ideias, os costumes, os comportamentos morais, a vontade política). Na concretude histórica, haveria convergência entre os dois níveis, o que reconhece a distinção e a dialética, mas que se resolve numa “unidade real”. Remete-nos ao problema das alianças e dos intelectuais: o consenso, a direção política e cultural, são “forma necessária do bloco histórico concreto”.

Relembra também Biagio de Giovanni que, escreve Gramsci: “[…] o comerciante deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário com o fabricante; isto é, sente-se a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo”. Simultaneamente, alerta Giuseppe Petroni: Gramsci formula novos critérios metodológicos que levem em conta as características peculiares das classes subalternas e das suas estruturas sociais e mentais. Classes, camadas, estruturas sociais e mentais.

Já o renomado teórico Umberto Cerroni assinala pertinentemente que, em Gramsci, adquire um forte significado renovador a ideia da hegemonia: a supremacia de um grupo social se manifesta como domínio (coação) e como “direção intelectual e moral” (consenso). O Estado, pois, nunca é pura força nem a transformação pode ser pura violência. Logo, um grupo dominante não é, só por isso, dirigente e um grupo dominado não está fadado à subalternidade. E a possibilidade de desvincular força e consenso é atribuída ao elemento criativo e móvel de uma política capaz de superar os interesses restritos (corporativos) de uma classe. Para que se realize uma agregação mais ampla de consensos em torno de um núcleo de interesses mais gerais, enraizados nacionalmente. Daí a confluência, em Gramsci, de um antidogmático espírito de investigação das perspectivas com uma pesquisa sobre a história da nação e sua cultura – arremata Cerroni.

Rascunhos finais

A prolongada sucessão de batalhas em curso hoje no Brasil ainda está por nos lecionar equações históricas para o aprendizado das forças da transformação social. Num horizonte fortemente turvo, “nublado” pela continuidade da grande crise iniciada em 2007-8, encontra-se em jogo o futuro imediato da Nação. O que nos remete necessariamente para o extraordinário “baú” da experimentação das lutas de classes e suas diversas fases e esferas.

No entanto, não será possível prosseguir obtendo êxitos se não levarmos em conta pelo menos três questões essenciais.

1.As classes dominantes brasileiras, notada e reiteradamente sua burguesia industrial bastarda, se configuraram nas mais perversas e conspiradoras contra os interesses populares desde priscas origens. Tendo, mais recentemente e no advento da globalização neoliberal-financeira, se transformado numa espécie de cão de guarda da alta finança nacional e internacional, e na atual evolução política do país parece desconhecer a linha tênue que separava um setor “produtivo” dum setor “financeiro”. A propósito, a plataforma/programa exibida pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) apresentada ao vice-presidente golpista é uma senha inicial do que comentamos. Mas é imperioso daí análises mais fundas para que se possa extrair conclusões mais essenciais – o que não as faço aqui. Claro que as implicações são táticas e estratégicas.

2.Que Gramsci e Lênin nos ensinam que os fatores culturais, morais e psicológicos estão enraizados na tradição evolutiva ideológica das diversas classes e frações de classe. Portanto, e diferentemente do que defende acima, por exemplo, Jessé de Souza, suas mobilidades políticas tem que ser levadas em conta no mesmo diapasão do expresso por seus interesses econômicos-sociais. Não se trata de nada de “ilusão”: é só ver o comportamento dessa mesma burguesia perversa quando surfava na onda do super-ciclo de commodities nos dois governos de Lula, cuja média do crescimento do PIB alcançou 4,5%; ou ver que, há bem pouco, a parte mais culta e informada de artistas, jornalistas, intelectuais, grandes juristas, parcela do MPF, parcela mais ativa da juventude estudantil, professores universitários, movimentos populares da cultura de favelas, etc., portanto indiscutivelmente variadas camadas médias, estão se mobilizando contra o impeachment. São erros fatais e inaceitáveis, por exemplo, “blocar” contra a “abominável classe média”.

3) A esquerda brasileira, progressista, democrática e defensora da soberania nacional, terá que passar a repudiar e condenar o exclusivismo doentio que o “petismo” pratica há anos. Com a esquerda e aliados que conjunturalmente se somam ao projeto democrático-popular e antineoliberal. Não se trata também de ingenuamente, a meu juízo, repetir que tal conduta está no “DNA do PT”; simplesmente porque essa conduta é ideológica, inteiramente avessa à visão frentista despojada, e suicida para quem acompanha acriticamente tal tipo de alianças. Isso também – afirmo aqui convictamente – não pode nos confundir com a recusa de alianças com o PT ou de construção de alianças “inteiramente novas” – porque isso também não existe. Apesar de estar certamente sendo forjados agora, nessa etapa histórica da luta de classes, novos(as) tipo de combatentes da luta progressista no Brasil, o que incidirá sobre as orientações e a prática dessas correntes políticas atuantes hoje.

Notas

[1]  Em 3 de novembro de 2015, Luís Gama recebeu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 133 anos após a sua morte, o título de advogado.

[2] Ver: “Floriano, o marechal implacável. A história de Floriano Peixoto, soldado por vocação, herói da Guerra do Paraguai e Presidente da República aos 52 anos”, J. Natale Neto, Partes 3 e 4, Novo Século, 2008.

[3] Ver: “Getúlio 1945-1954. Da volta pela consagração popular ao suicídio”, Lira Neto, Caps. 9-11, Companhia das Letras, 2014.

[4] Ver: “Os boêmios cívicos. A assessoria econômica-política de Vargas (1951-54)”, Marcos C. Lima (org.), p.p 176-227.

[5] Em: http://www.grabois.org.br/portal/artigos/152677/2016-04-25/as-camadas-medias-e-a-crise-do-regime-militar

[6] Ver: “Sobre o conceito de hegemonia em Gramsci”, Luciano Gruppi, Graal, 200, 4ªa edição, p. 11.

[7] Editora Leya, 2015. Ver: Parte III, caps. 2 e 3. Abordamos aqui exclusivamente a questão das camadas médias, por ele chamada de “classe”.

 [8] Referências trabalhadas em grande parte no útil resumo de: http://laurocampos.org.br/2008/02/vocabulario-gramsciano/