Sobre golpes, golpistas e diplomacia
Quando o Golpe Civil – Militar de 1964 já cumpria quatro anos, os militares editaram o AI-5 e a repressão política no Brasil intensificou-se com mais detenções, torturas, mortes e desaparecimentos de membros dos diversos grupos de esquerda existentes na época. Um dos que conseguiu se evadir e partir para o exílio na França, onde viveu de 1968 a 1979 quando veio a anistia, foi o atual senador pelo PSDB, Aloysio Nunes Ferreira. Foi ao exílio porque fazia parte da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo dirigido por Carlos Marighella com quem cooperara intensamente em diferentes ações, na época, chamadas de expropriações. Muitos de seus companheiros de Organização, inclusive, o próprio Marighella, foram assassinados pela ditadura, outros passaram por torturas bárbaras, anos de prisão e alguns são considerados desaparecidos.
É impossível não recordar esta história quando o Senador, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, vai aos Estados Unidos para tentar explicar o inexplicável, isto é, que o atual golpe de Estado em execução no Brasil por meio de um impeachment sem motivo da Presidente Dilma não é um golpe. Tentará explicar que a votação na Câmara no dia 17, em pleno domingo e comandado por um notório meliante é coisa séria e que as instituições brasileiras vão muito bem. Que a ode à tortura e torturadores, apresentada por um deputado da extrema direita, durante a votação é coisa normal. Expressão da democracia! Que o machismo explicitado nos cartazes de “Tchau Querida” é apenas parte da tradicional cultura brasileira. Por fim, que a democracia predomina e que o Brasil não é uma “República de Bananas”.
Será uma tarefa difícil mudar a opinião pública mundial sobre o acontecido. O governo Lula havia recuperado o respeito do mundo pelo nosso País por meio de políticas domésticas de combate à pobreza pornográfica que assolava o Brasil e por meio de uma Política Externa “Altiva e Ativa”. A aprovação do impeachment na Câmara e os argumentos dos golpistas nos levaram de volta ao status de país subdesenvolvido onde grassa a corrupção e a ignorância aos olhos do mundo.
Mas, possivelmente, a intenção da viagem não seja esta e sim promover a venda do Brasil por meio da adesão ao TPP,TiSA e abertura de uma nova Alca com os EUA que é o que os neoliberais de plantão realmente querem. O duro é que muitos “esquerdistas” arrependidos tem uma compulsão psicológica ou quem sabe, apenas oportunista, de radicalizar suas novas opções políticas e assim vão da esquerda para a direita, do socialismo para o neoliberalismo e de defensor da liberdade para o golpismo. Parece ser o caso do Senador.
Por outro lado, lamento a postura dos Honoratiores do Itamaraty que se comportam como se não fizessem parte do governo, provavelmente utilizando-se costumeira da arenga de serem servidores do Estado. Até agora a mídia não apontou nenhuma ação do Itamaraty em relação ao golpe, a não ser o rumor de que o atual Secretário Geral poderia ser aproveitado como ministro do conspirador-mor, Michel Temer, se ele assumir. Mesmo assim, o MRE tem o dever de esclarecer no exterior o que está acontecendo no Brasil neste momento. Podem ser mais diplomáticos do que eu estou sendo, mas não podem se omitir de defender o governo do qual fazem parte sob pena de serem considerados aliados dos golpistas.
Esta postura contrasta com algo que aconteceu em 1968. Na ocasião, formou-se uma rede de diplomatas, alguns no Brasil e outros em Londres que desafiaram a política do Itamaraty na época de intensa colaboração com os militares para monitorar as ações dos “subversivos”, como os da ALN, que se encontravam no exterior e que eventualmente poderiam regressar clandestinamente, entre eles, o hoje Senador Aloysio Nunes. Os que atuaram na embaixada brasileira em Londres recebiam as informações da intensa violação de direitos humanos dos prisioneiros políticos no Brasil pela “mala diplomática” e as repassavam para organizações como a Anistia Internacional. Estes foram os diplomatas Miguel Darcy de Oliveira e Rosiska Darcy de Oliveira. Quando foram descobertos em 1970, pagaram a sua desobediência à hierarquia itamaratyana com o exílio. Porém, sua intenção era a de proteger os perseguidos e salvar vidas, inclusive a do senador se ele tivesse passado pelos dissabores que tantos companheiros seus passaram.
O interessante é que em 1970 foi possível encontrar pessoas com coragem e decência para enfrentar o arbítrio, em um momento muito difícil, mas hoje o que temos é o espetáculo deprimente de domingo passado ao qual o senador e cia lamentavelmente pretendem dar continuidade.
Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.