Iniciamos hoje, no Brasil, a semana de mais um importante capítulo do golpe de Estado de 2016 (que entrará para a história do País juntamente com os golpes de 1889, 1930 e 1964). Em dois dias, infelizmente, vai ter golpe! O julgamento político já está preparado, e a “prisão preventiva” (afastamento provisório) de Dilma Rousseff já está declarada. Porém, impedimento sem crime de responsabilidade é golpe! E, no cenário, não há crime de responsabilidade!

A tipificação da “denúncia” combina os artigos: 85- V e VI da CF; 4º-V, VI e VII e 9º e 10 da Lei nº 1079/50; e 36 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF). As duas primeiras regras são genéricas, e a especificidade surge apenas na Lei de Responsabilidade Fiscal. É importante citar a norma:

Art. 36 – É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
Mesmo com a especificidade, perdura a ambiguidade. Para tentar compreender, basta dividir a norma em três passagens:

(I) OPERAÇÃO DE CRÉDITO

Operação de crédito é o “compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros” (cf. Art. 29, III da LRF).

As “pedaladas fiscais” – cujo termo inexiste no ordenamento jurídico mundial – foram capturadas “no ar”, pela mídia e pela oposição, para acentuar um tom pejorativo no expediente da suposta e pretensa operação de crédito, concernente – em verdade! – no “atraso” de repasse de dinheiro do Tesouro Nacional para as instituições financeiras estatais (BB / CAIXA / BNDES).

Vale a pena “desenhar” o que é operação de crédito, para fins de adequação à regra proibitiva da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 36) que fundamenta o impeachment; repetir pausadamente, organizadamente. Operação de crédito é:

mútuo;
abertura de crédito;
emissão e aceite de título;
aquisição financiada de bens;
Recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços;
arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas (…).
O não repasse ou o atraso no repasse de verbas públicas (receitas públicas) do Tesouro Nacional para os bancos públicos NÃO É mútuo, NÃO É abertura de crédito, NÃO Éemissão e aceite de título, NÃO É aquisição financiada de bens, NÃO É recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, NÃO Éarrendamento mercantil e outras operações assemelhadas!

Logo, para efeito de responsabilidade fiscal, as chamadas “pedaladas fiscais” NÃO configuram operação de crédito! Aliás, temos a impressão de que a Lei de Responsabilidade Fiscal AUTORIZA EXPRESSAMENTE, em determinadas condições, as “pedaladas fiscais”, conforme art. 38, assim disposto: “A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes (…)”. É o que pode ter ocorrido, pois a falta de repasse oportuno do Tesouro para os bancos públicos se deu por exclusiva insuficiência de caixa (diga-se: numa conjuntura de acirramento da crise econômica mundial), expediente corriqueiro nas finanças públicas e privadas, que muito bem justificam adequações cotidianas, desde que relatadas e supridas, como foi o caso! (cf. Relatório do próprio TCU).

(II) RELAÇÃO ENTRE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ESTATAL E ENTE CONTROLADOR

Instituições financeiras estatais (no caso: BB, CAIXA e BNDES), muito embora sejam bancos públicos e estejam sob controle da administração pública, também estão submetidas às regras – e controle – do Sistema Financeiro Nacional. O ente público ou o governo não detém autonomia e poder absoluto de manipulação ou ingerência sobre os atos do banco público!

Trata-se, afinal, de mera relação entre instituição financeira estatal e ente controlador, respeitadas as respectivas autonomias: BB / CAIXA / BNDES de um lado, e União de outro.

(III) BENEFÍCIO DA OPERAÇÃO DE CRÉDITO

Na última parte do texto legal, que parece não ter sido lido ou compreendido pelos midiáticos acusadores, o requisito essencial da vedação (é proibida a operação de crédito) está contido no benefício próprio auferido pelo ente da federação (controlador da instituição financeira) a partir da operação de crédito executada (proibida).

O benefício da operação de crédito consistiria na União / Dilma Rousseff como beneficiária (s) diretas das “pedaladas fiscais”, como se o dinheiro emitido pelos bancos públicos (BB / CAIXA / BNDES) tivessem retornado para os cofres da União ou para a conta bancária da Presidenta! (?)

Na realidade, o que não ocorreu, como dito, foi o repasse da verba [integral e necessária] do Tesouro para os bancos públicos, antes que estes cumprissem com os compromissos referentes a programas sociais e créditos rurais (aliás, em proporção muito aproximada). Quando o Tesouro Nacional não repassou [integralmente] as receitas que fariam frente às despesas públicas emitidas pelos bancos públicos – essas “pedaladas” realizadas histórica e notoriamente por TODOS os Presidentes da República desde a redemocratização! –, foram os bancos públicos que “bancaram” provisoriamente essa conta, repassando verbas aos respectivos programas e créditos. Ou seja: os BENEFICIÁRIOS da pretensa ou supostaoperação financeira (que não houve!) foram aqueles que receberam as verbas públicas diretamente dos bancos públicos – os estudantes, as famílias, os agricultores! E NÃO, como pretende a denúncia e sua consequente midiatização, a União e/ou a Presidenta!

O atraso nos repasses não configuram empréstimo bancário, ou operação de crédito. E, seja como for, com ou sem atraso, com ou sem empréstimo, a Presidenta não se apropriou de recursos públicos! O verdadeiro destinatário / beneficiário das antecipações de repasses pelos bancos públicos foi o povo brasileiro, a sociedade brasileira, e não a Presidenta! E foi feito o que foi feito por pura falta de caixa decorrente de consequências de uma crise econômica mundial… Esse expediente corriqueiro serve apenas para cumprir metas que na realidade são “impostas” pelo mercado internacional, mas que nada tem a ver com eleições e muito menos com o cometimento de crime! Imputar à Presidenta o crime de responsabilidade é simplesmente não compreender a imposição do capital internacional e a trama sórdida do capitalismo no que tange aos famigerados índices [norte-americanos] de classificação de risco, que dão o tom à economia mundial e – estes sim! – manipulam a economia e o comportamento da sociedade.

Num enorme exercício de “complementação” do pedido deimpeachment, que é confuso e prolixo, até poderíamos articular o texto constitucional do crime de responsabilidade com a regra proibitiva das operações de crédito previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, e ainda assim não encontraríamos elementos que configurassem crime de responsabilidade. E mesmo que fossem encontrados tais elementos:(i) seria “crime” comum, cujo processamento e julgamento estaria sob competência do STF; (ii) não haveria sanção por pura falta de previsão legal. A lei está errada! (e é fácil corrigir: com um ou dois parágrafos ampliadores da definição de operação de crédito e de beneficiário, além da estipulação da sanção cabível).

Finalmente, para raspar qualquer fagulha que possa restar – quanto ao lançamento de créditos suplementares por Decreto –, quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual são encaminhadas do Executivo para aprovação do Legislativo, no seu tempo (agosto), a Casa de Leis deve aprovar, igualmente, em prazo determinado (dezembro), SEM ATRASO, sob pena de invalidar o rito da lei orçamentária – aquela que dá vazão ao cometimento genérico de crime de responsabilidade. Sendo assim, e já que há mais de uma década o Legislativo não aprova as LOAs no prazo correto, de que maneira esse Poder, in casu legislador, acusador e julgador (o Legislativo) – sempre atrasado! – poderia ter legitimidade para cobrar um atraso do Executivo? Não é querer justificar um erro com outro – como também não se defende as “pedaladas” do atual governo a partir do cometimento declarado de “pedaladas” pelos ex-Presidentes da República nos últimos 20 anos – mas, sim, pretender ser coerente com uma simples conclusão que grita à menor inteligência, no sentido de que o impeachment ora apresentação à Nação é irregular, fraudulento, interesseiro, partidário, ilegítimo, desonesto, ilícito, ilegal, imoral, antidemocrático.

É golpe de Estado!

Publicado em Canal Ciências Criminais