O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos enviou uma correspondência aos integrantes do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial cobrando uma posição do mesmo denunciando o golpe de Estado no Brasil. Boaventura questiona o silêncio do Conselho sobre o fato e propõe a criação do Tribunal Ético Internacional do FSM ao longo dos próximos seis meses, cuja primeira sessão seria realizada em Brasília. Segue a íntegra da carta com a proposta do sociólogo:

“Companheiros e companheiras,

Para todos os que estiveram com o Fórum Social Mundial desde o início e sobretudo para todos os membros do Conselho Internacional do FSM (CI) este momento da crise brasileira devia ser motivo para uma profunda reflexão que nos permitisse discutir algumas perguntas perturbadoras. Eis algumas delas:

1- Por que razão nos mantemos em silêncio? Por que razão não tem sido possível aprovar no CI uma moção contra o golpe parlamentar no Brasil ou contra quaisquer graves violações das leis democráticas em qualquer outro país? Evidentemente porque, de acordo com o entendimento dominante da nossa Carta de Princípios, não nos é permitido, enquanto CI ou FSM, tomar partido seja em que causa for.

2- Que preço pagamos nós por esta abstenção, se não mesmo omissão, política?  Nenhum, porque nos autodeclaramos politicamente irrelevantes?

3- Aproximam-se tempos turbulentos, à medida que o capitalismo financeiro neoliberal global toma conta de país após país. Concebemos o FSM para um tempo diferente, um tempo de lutas ofensivas e não defensivas. Será que vamos apostar na inércia como a única razão para prosseguir sem repensar profundamente o FSM?

4- O Brasil não é um caso especial, apesar de ter sido o país que nos inventou a todos enquanto FSM. Mas não será o que está a acontecer no Brasil a metáfora mais cruel do nosso fracasso histórico? O FSM-Montreal virá a ser uma ruína viva? Que deverá fazer-se para que tal não aconteça?

Proposta

O CI toma a iniciativa de criar o Tribunal Ético Internacional do FSM (TEI-FSM) cuja primeira sessão é convocada para ter lugar em Brasília nos próximos tempos.

Objetivo: analisar e avaliar politica e juridicamente o impeachment da Presidenta Dilma à luz de duas questões de importância global para os movimentos sociais e forças democráticas no mundo: quais os fatores que impedem a democracia representativa de se defender de forças antidemocráticas que produzem estados de exceção com fachada de normalidade democrática e golpes de Estado sem aparente ruptura institucional (os neo-golpes)? Quais as medidas e transformações exigidas para que no futuro a democracia prevaleça contra os seus inimigos?

Tempo: Esta sessão do TEI-FSM deve ter lugar nos próximos seis meses (enquanto dura o julgamento do impeachment) e quanto mais depressa melhor. Se for antes do FSM de Montreal as suas decisões serão amplamente discutidas durante o Fórum.

Juízes: Os juízes do tribunal serão escolhidos pelo seguinte  método (simples proposta, como tudo o resto):

– metade dos juízes serão escolhidos entre os membros do CI (igual número de homens e de mulheres e representando as várias regiões do mundo)

– este juízes escolherão por cooptação a outra metade entre homens e mulheres, personalidades internacionalmente reconhecidas pela sua luta em prol da justiça social  e da democracia real.

Procedimentos: A sessão dura três dias. Nos dois primeiros dias serão ouvidas testemunhas brasileiras e  de outros países. No último dia, será tomada e tornada pública a decisão. Todas as discussões, incluindo as que respeitarem à decisão, serão públicas.

Um abraço,

Boaventura de Sousa Santos, Universidade Popular dos Movimentos Sociais”