Um Brasil Medieval em pleno séc.XXI – a batalha da Educação
O caso seria para rir e acrescentar ao rol de anedotas que o governo interino de Temer já protagonizou (o caso MinC, um primor de capacidade de planejamento político foi o primeiro ?”tiro-no-pé?”1).
Entregue originalmente à mesma pessoa, o ministro ainda tentou apresentar-se aos servidores públicos no ministério da Cultura, mas não se revelou capaz sequer disso. O protesto da comunidade artística a nível nacional ditou o primeiro desaire de Temer, ficando então o ministro apenas? com a Educação.
Na ocasião, questionamo-nos sobre o que nos reservava o futuro, diante da evidente falta de preparo do político escolhido para a função na Educação. E surge a primeira: Frota recebido pelo Ministro da Educação!
Passado o efeito hilariante, há que olhar para o evento nas suas significações várias. A carreira artística do visitante acabaria por ser o menos relevante (o gosto pela pornografia barata é um direito que até um Ministro pouco preparado pode exercer). Fica como curiosidade para quem queira entender os valores e referências que norteiam aquela parcela da sociedade que se empenhou ativamente nos protestos contra Dilma Rousseff e seu governo. E, também, aqueles que, de forma interina, agora ocupam o poder.
Importa, isso sim, estar atento às ideias propaladas pelo grupo de visitantes em torno da Educação, nomeadamente, do movimento intitulado ? “Escola sem partido?”.
O combate à presença de ideologia progressista nas escolas foi bandeira do movimento de contestação a Dilma, tendo como alvo principal a imagem e o pensamento de Paulo Freire, e aparecendo em faixas de grupos que alternavam o ataque à Pedagogia da Libertação com a apologia ao golpe militar.
Passado um ano, vemos como as bravatas se transformaram em possibilidades reais, assim que o governo passou para as mãos da direita. A oportunidade foi farejada rapidamente pelos grupos mais retrógrados e, indiferentes ao ridículo de algumas situações, avançaram com o seu projeto que, como indicamos no título deste artigo, representa um salto para um ? “Brasil Medieval em pleno século XXI?”.
Entramos na batalha da Educação, algo que está patente num documento aparentemente menor, produzido pelo grupo ?Escola sem partido?– que foi efetivamente recebido pelo ministro da Educação, embora a entrevista tenha sido indicada como ? “visita de cortesia?” (sem pauta nem relato de imprensa mais detalhado).
O grupo ? “Escola sem partido?” ostenta no seu site uma minuta2 onde sugere aos pais dos alunos que apresentem uma notificação extrajudicial, mesmo que anônima, dirigida ao professor, com vista a coagi-lo a não emitir opiniões e juízos que possam ser considerados como ?diversos das convicções? dos pais.
Se o primeiro parágrafo citado (ver 11, no final deste artigo) denota desde logo a sua ideologia medieva na frase espantosa ? “o exercício da atividade docente é incompatível com a liberdade de expressão?”, concluindo que cabe ao docente ensinar mas não expressar-se, reduzindo-o a instrumento reprodutor da ideologia dos país, já os parágrafos seguintes (ver 21 e nota*) colocam a impossibilidade lógica desse pensamento fora de um conceito medieval de moral social, quando exigem que o docente apenas reproduza mensagem compatível com as suas convicções pessoais.
Mas além do sentido retrógrado que destila do texto citado, há a impossibilidade lógica de o considerar, perante a diversidade de credos e mesmo do direito de não crença que assiste a todos os pais.
E, sendo o ensino realizado normalmente em coletivo, havendo mais que um pai entre todos os alunos considerados numa turma, haverá em hipótese mais do que uma convicção sobre um mesmo tópico. Assim, o docente não poderia simplesmente expressar-se, ou somente poderia fazê-lo em trato individual (ou juntando filhos do mesmo pai…).
Mas, mesmo observando a última absurda hipótese, segundo a minuta proposta pelo grupo ? “Escola sem partido?”, tal demanda seria de muito difícil aplicação, visto o texto sugerir também o anonimato na ? “notificação extrajudicial?”. Nesse caso, não haveria condição prática do professor saber qual convicção pessoal, de qual pai, que deveria atender ou abster-se de ferir.
Ressalta do texto que foi comentado, que há absoluta coerência entre o documento, seus pressupostos ideológicos retrógrados e a incapacidade política evidenciada nestas áreas (da Cultura e da Educação) pelo governo interino de Temer.
O argumento inicial, com que se abre a pérola que estivemos a citar (a dita minuta), será o de que, na ideia desse grupo, assiste aos pais o direito de exercer ameaça aos professores por causa ? “premonitória?”, face a um ?delito de opinião?, sendo que de opinião que ainda não foi expressa.
Partem, assim, do princípio que, havendo possibilidade, o docente irá prevaricar (é, antecipadamente considerado culpado, sobretudo, de pensar). Ao mesmo tempo, promovem o aluno a delator e, no passo seguinte, sugerem aos pais mentir (por omissão) aos seus próprios filhos. Ideologicamente, tresanda a fundamentalismo!
Pregam, de fato, um comportamento absolutamente imoral e com ele pretendem amordaçar a classe docente. Tudo isso seria apenas motivo de chacota –e é-o, certamente – não fosse o caso de essa gente estar agora no governo, a exercer o poder. Os dislates que apregoam mostram como os ciclos históricos tendem a reaparecer (acabamos de assinalar o 70º aniversário da Vitória sobre o Nazismo, mas a sua base ideológica não morreu).
Há que trazer a consigna ? “Brasil Pátria Educadora?” a um novo patamar de luta, de resistência, na defesa das conquistas científicas, pedagógicas, econômicas, sociais e políticas que marcaram a última década na área da educação no Brasil.
Para finalizar, voltando ainda ao traço ridículo do desempenho ministerial, importa assinalar a incongruência que representa um grupo, liderado por um ex-ator de filmes pornográficos, apresentar publicamente ideias que colocam em causa a liberdade de expressão explicitamente na área da educação sexual (conforme a minuta citada indica aos potenciais signatários no articulado proposto), sendo óbvio que foram exatamente os tópicos sexuais (ver 14) que fizeram, no essencial, a imagem pública do ex-ator, e onde reside o seu (mesmo que pequeno) crédito intelectual e cívico, tópicos que, em última instância, também pesaram para ser recebido pelo interino Ministro da Educação.
[Em Alagoas, o projeto de “Escola Livre” foi aprovado, vetado pelo governador e derrubado o veto pelos deputados]
* * *
Segue citação do restante texto comentado da minuta (realce nosso): Notificação extrajudicial (…) ?
11. Por desconhecerem a Constituição Federal, muitos professores imaginam que o exercício da atividade docente está acobertado pela liberdade de expressão. Nada mais equivocado. Liberdade de expressão significa o direito de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. É evidente que, se os professores desfrutassem desse direito em sala de aula, eles sequer poderiam ser obrigados (como são) a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina. A simples existência dessa obrigação já demonstra que o exercício da atividade docente é incompatível com a liberdade de expressão. Mas há mais: se o professor pudesse dizer em suas aulas qualquer coisa sobre qualquer assunto, a liberdade de consciência e de crença dos alunos ? cuja presença em sala de aula é obrigatória ? seria letra morta. Por essa razão, o que a Constituição assegura ao professor é a liberdade de ensinar, não a liberdade de expressão?. (…) ?
14. Isto se aplica de modo especial ao campo da sexualidade humana, onde praticamente tudo é objeto de regulação estrita por parte da moral. Tome-se, por exemplo, a relação de temas cuja abordagem é sugerida ilegalmente pelo MEC, no caderno de orientação sexual dos Parâmetros Curriculares Nacionais: masturbação, homossexualidade, (…) erotismo, pornografia, desempenho sexual, …”(…)
21. Informo que meu filho tem ciência da presente notificação e está orientado a reportar-me de forma detalhada as possíveis transgressões à sua liberdade de consciência e de crença e ao meu direito a que ele receba a educação religiosa e moral que esteja de acordo com minhas convicções. *?E, acrescentam os autores da minuta:
?* Ao nosso ver, o item 21 é importante, e deve constar da notificação, ainda que, para poupar seus filhos de um estresse desnecessário, os pais decidam não lhes falar sobre a iniciativa.?
1 Ver http://www.resistencia.cc/acabar-com-o-minc-o-primeiro-tiro-no-pe/.
2 http://www.escolasempartido.org/artigos-top/552-notificacao-extrajudicial-