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Enfrentar o neofascismo e o desmonte da educação

18 de novembro de 2022

Coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino discute o futuro governo Lula

Neste cenário de frente ampla, precisaremos de habilidade e amplitude política, mas também de firmeza e determinação. O diálogo com as forças de mercado que apoiaram a eleição do presidente Lula deve ser construído por princípios e posições claras e inegociáveis

Por Gilson Reis, publicado originalmente em Carta Capital

A vitória política e eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do povo brasileiro

no dia 30 de outubro de 2022 tem dimensões históricas, tanto em âmbito nacional

quanto internacional. A eleição de Lula repercutiu em todo o mundo de forma profunda,

ao mesmo tempo que a derrota do neofascismo num país da importância estratégica do

Brasil, dentro de um conturbado xadrez geopolítico, foi comemorada como um feito

ímpar e extraordinário.

Uma vitória dessa dimensão foi possível devido à força, à determinação e à amplitude

das correntes políticas e dos movimentos populares constituídos no País ao longo das

últimas décadas. Passadas as eleições, agora é hora de definir o rumo do novo governo

e, de forma criteriosa e ousada, a participação de cada um segmento político e social na

reconstrução do país. O desafio será enorme e o grande objetivo será a consolidação e o

aprimoramento da democracia nacional, bem como a ampliação dos direitos sociais e

trabalhistas. De imediato, urge enfrentar a fome e a miséria de milhões de brasileiros e

brasileiras.

Sabemos que o programa e a ação institucional do governo Bolsonaro têm como intuito

a destruição e a desmoralização de todo o arcabouço jurídico, político e social criado no

País a partir da constituição de 1988. O atual governo, ultraliberal e neofascista,

desmontou e destruiu grande parte das estruturas estatais e públicas construídas pelo

País ao longo do século XX. Centenas de portarias, decretos, leis ordinárias e emendas

constitucionais foram propostas, efetivadas e aprovadas neste curto e trágico período.

Contudo, é na educação que reside o mais intenso ataque promovido pelo governo

Bolsonaro e seus apoiadores. A destruição e o desmonte da educação vieram acoplados

a uma ação política e ideológica sistêmica, profunda e permanente. A extrema direita

nacional e internacional elegeu a educação como centro nevrálgico de seus ataques, a

fim de dominar e controlar estrategicamente o ensino e a escola. Tudo fizeram para

consolidar seus objetivos estratégicos, políticos e ideológicos, e para destruir a educação

em todas as suas dimensões: pedagógica, democrática, cultural, inclusiva, pública e de

qualidade. Essa é a busca frenética da extrema direita global e local.

No Brasil e no mundo, a guerra cultural — ou, como diz a extrema direita, “o marxismo

cultural” — teria sido, para esse grupo, a responsável pela falência da educação, que

supostamente, nos argumentos deles, transformou a escola num “antro de pervertidos

comunistas”. A verdade, porém, é que a meta estratégica da extrema direita, apoiada

pelo mercado, é destruir todos os pilares construídos pela educação desde a Revolução

Francesa até o presente momento: o iluminismo, o racionalismo e o humanismo.

Para consolidar tal projeto, as forças neofascistas e o mercado educacional no Brasil se

aliaram e lançaram um conjunto de ações e programas governamentais: apoio ao/do

movimento Escola Sem Partido; combate a uma suposta (e inexistente) ideologia de

gênero; implantação de escolas cívico-militares; home schooling; reforma do ensino

médio; BNCC (nova Base Nacional Comum Curricular); autorregulamentação da

educação privada; redução drástica do orçamento público; privatização das

universidades públicas federais; aparelhamento da educação infantil por meio de

convênios; gestão financeira e pedagógica privada das escolas públicas etc.

Diante do tsunami que nos atingiu neste último período sob o olhar complacente e apoio

firme de fundações privadas, ONGs educacionais e instituições privadas de ensino,

precisamos debater, com muito mais profundidade, os desafios da educação brasileira. É

preciso mostrar ao governo eleito que não podemos errar no enfrentamento às reais

possibilidades de consolidação dessa tragédia educacional. Em última instância, é

urgente mostrar que a consolidação do projeto educacional posto em curso pelo atual

governo (e por seu antecessor ilegítimo) é a consolidação do neofascismo e da extrema

direita no País.

O caminho do campo democrático e popular está em posição antagônica ao caminho

neofascista e conservador de Bolsonaro e sua trupe. E não nos esqueçamos de que, no

espectro dele, está parte do mercado privado de educação, das fundações privadas, das

ONGs e das empresas de educação privada que, de forma oportunista, se juntaram à

extrema direita para proteger e fazer avançar seus interesses mercadológicos e

financeiros.

Neste cenário de frente ampla, precisaremos de habilidade e amplitude política, sim,

mas também de firmeza e determinação. O diálogo com as forças de mercado que

apoiaram a eleição do presidente Lula deve ser construído por princípios e posições

claras e inegociáveis. Amplitude e radicalidade. Reconstrução e avanços.

Nesse sentido, a reconstrução da educação brasileira passará por um conjunto de ações

estruturantes e estruturadas: consolidação de todas as metas e estratégias do PNE (Plano

Nacional de Educação); aprovação e aplicação do Sistema Nacional de Educação;

ampliação do investimento da educação pública nas três esferas governamentais;

revogação da reforma do ensino médio e da BNCC, reconstruindo-as sobre novas bases;

retomada do papel das universidades federais, dos institutos federais e das áreas de

pesquisa do setor público; fechamento das escolas cívico-militares; investimento maciço

na educação infantil de tempo integral; enfrentamento às questões políticas e

ideológicas da extrema direita e dos conservadores no ambiente escolar (Escola Sem

partido e ideologia de gênero); valorização dos trabalhadores em educação;

investimento na formação plena de milhares de professores e professoras; investimento

maciço nas áreas de tecnologias digitais etc.

Portanto, reconstruir a educação brasileira dependerá de um investimento político e

econômico incomensurável. Reconstruir a educação dependerá de enfrentamentos

políticos e ideológicos contra o fascismo, o mercado e o conservadorismo presente na

escola. Reconstruir a educação passará pela regulamentação da educação privada e das

relações do trabalho docente. Reconstruir a educação é colocar em prática o PNE.

Reconstruir a educação é proporcionar a milhões de estudantes, humilhados durante a

pandemia pelo governo Bolsonaro, o pleno direito a uma educação de qualidade.

Reconstruir a educação é declarar guerra ao neofascismo e à extrema direita que busca

controlar a educação para executar o seu projeto definitivo: a barbárie.

Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee