Em meio a crise e denúncias ministros do STF têm definido questões cruciais da agenda política
“Faça-se a justiça, nem que o mundo pereça.” O cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), utiliza a expressão para avaliar o atual contexto de crise e a ocupação do espaço político pelo Poder Judiciário, após o pedido de prisão, pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR), do ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) e do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

“No contexto da cadeia de poder e de autoridade do Brasil hoje, de certa maneira, a judicialização acabou se tornando inevitável, porque não há uma força política capaz de liderar uma superação desse processo”, avalia Barreto. “De um lado, você tem a principal força política do Brasil até o impeachment, o PT, comprometido com problemas. A outra força, que era o PSDB, saiu derrotado do processo eleitoral, não tem legitimidade para exercer essa liderança e também está envolvido com problemas. E o PMDB, que sempre foi o elemento de estabilização do processo político, independentemente de quem vencesse a eleição, está também comprometido em denúncias.”

Para Barreto, nesse contexto de esfacelamento político e “do que resta do muito fragmentado sistema partidário brasileiro, mesmo os que não estão envolvidos em denúncias não têm bancada e força suficiente”. “Com essa situação, o Judiciário ocupou esse vazio e o que me parece é que vamos viver nesse processo de transição, e que o Judiciário vai continuar tutelando o processo por um prazo indefinido.”

Barreto lembra que, quando Eduardo Cunha foi afastado da Câmara Federal por decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, no início de maio, era possível ler nas entrelinhas de sua decisão, que essa “tutela” está instalada na realidade política do país em decorrência da ausência de lideranças capazes de superar o processo de crise pela via estritamente política.

“Foi criada uma figura jurídica que não existia, a suspensão temporária de mandato. Indiretamente, a mensagem subjacente na decisão (de Zavascki) é: ‘quem vai tutelar essa transição sou eu’. No sistema político, acho que teremos um processo de depuração, mas na política ele é lento, linear, complexo.” Para Barreto, diante desse quadro, “o Brasil vai se arrastar até 2018, com forças políticas destroçadas e a política vai ter que se reorganizar a partir de 2018”. “Tenho a impressão de que o Judiciário vai tocar o processo enquanto o sistema político se reorganiza. Até lá, acho que a gente vai continuar passando por essa situação de crise. E torcendo para que não tenha uma ruptura social”, diz.

Mesmo diante da hesitação do governo interino de Michel Temer, de seus erros políticos, das denúncias e dos pedidos de prisão de Janot, Barreto acredita que o governo “pode se sustentar por falta de opção institucional”. Para Temer cair, acredita, teria de “acontecer algum tipo de evento para que o Senado mudasse de posição”. “Por mais problemas que Temer tenha, o nível de apoio que ele tem na Câmara é muito grande. Só imagino uma coisa: o envolvimento concreto de Temer com a Lava Jato. Acho que seria o único elemento hoje que permitiria o retorno de Dilma.”

Por outro lado, Barreto aponta um paradoxo: “Dilma precisa de poucos votos no Senado para mudar o impeachment. É um paradoxo: você tem uma situação favorável a Temer, mas que pode mudar. Não dá para cravar”.

O eleitor corrupto

Para o jurista Dalmo Dallari, o processo de desintegração do sistema político-partidário é decorrente também da falta de consciência do povo. “É necessário e urgente despertar a consciência da cidadania. O povo está em grande parte colaborando com a corrupção”, diz.

“Assim como nós temos o eleito corrupto, nós temos o eleitor corrupto. Vemos isso no Congresso Nacional. Um número muito grande de parlamentares claramente envolvidos em corrupção, mas todos eles eleitos e muitos reeleitos. O povo vota em quem já sabe que é corrupto. Atribuo uma responsabilidade muito grande (pela crise) a essa cidadania sem consciência e responsabilidade.”

Na opinião de Dallari, o papel de despertar a cidadania seria, em tese, da mídia. “Essa é uma tarefa dos meios de comunicação, despertar a consciência cidadã.”

Ele diz que o Judiciário tem um papel “político por natureza”. “O Judiciário pode ser influenciado por valores políticos, mas deve dar prioridade aos valores jurídicos consagrados na Constituição. Acho que o Judiciário, na maioria, está fazendo isso. Existem desvios, mas majoritariamente ele está cumprindo seu papel constitucional. É isso o que explica pessoas muito ricas e poderosas, que até há pouco pareciam imunes a punição, estarem agora envolvidas em processos judiciais. É pouco, mas é um avanço”, diz o jurista.