Os terrenos da luta política no Brasil são diversos, indo desde os espaços rurais até ao centro das grandes cidades, nas lutas reivindicativa e de protesto popular que envolvem movimentos sociais em crescente afirmação e, também, no âmbito institucional. Um dos momentos da batalha pela democracia, protagonizado por Vanessa Grazziotin, encontra-se registrado nas sessões da Comissão Especial do Senado que debate o processo de impeachment à Presidente Dilma Rousseff.

As contradições intrínsecas à sociedade brasileira, herança da sua história e do modo como se concretiza hoje a dominação capitalista à escala global, refletem-se no Senado, mesmo num processo que deveria respeitar critérios jurídicos – esse é o papel constitucional que o Senado deve cumprir nesta fase do processo – e de julgamento da pertinência da acusação, do seu cabimento jurídico em termos estritos.

A fase atual é a de oitiva das testemunhas apresentadas pela defesa, assumindo os Senadores o papel de juízes. Essa função aconselharia um atendimento maior à matéria do processo, aos fatos e à articulação destes. Procura-se a compreensão detalhada e profunda da matéria em discussão. Mas os Senadores que integram a referida comissão são também, e sobretudo, políticos. Logo, o esforço deveria ser redobrado e, havendo tal esforço, ser isso patente no seu modo de atuação.

O processo atual é eminentemente político, de tomada do poder sem atender ao primado da vontade popular expressa através do voto. Procura-se construir a legitimação do golpe através da vontade da multidão engajada por ação da mídia. É um tipo de golpe que recorre a essa nova forma, cada vez mais efetiva, de poder, já chamado de “4º poder”.

Ao visionar o registro da oitiva de testemunhas, ocorrida no dia 16 de junho, encontramos um episódio marcante, elucidativo das contradições referidas no início deste texto. O advogado Eduardo Cardozo esclarece a estratégia da defesa, que busca demonstrar, passo a passo e peça a peça, a improcedência da acusação.

Fica, a cada vez, mais evidente que, em face da lei, não houve crime de responsabilidade por parte de Dilma Rousseff. Mas, o que capta a nossa atenção neste momento é o discurso de outro personagem, tanto pelo seu conteúdo como pela sua forma, onde a forma, pela tipificação que consciente ou inconscientemente assume, encontra-se ela própria carregada de conteúdo ideológico.

Relato em forma de estória

Estranho momento aquele. Assistia, pela TV Senado, a oitiva de testemunhas da defesa. Vários tinham sido os inquiridores e diligentemente a testemunha procurava atender ao solicitado, com rigor assinalável.

Começaram a surgir problemas técnicos. Os microfones deixam subitamente de funcionar. A voz do presidente da comissão perde-se, obrigando-o a mudar de posição, afastando-se do centro da mesa que era o seu lugar.

Subitamente, surge na tela um personagem com um visual estranho e modo de falar arrastado. Não era problema de microfone ou da televisão. Era como  numa viagem ao passado – regressávamos à década de trinta do século passado.

Numa caracterização tipificada, o novo personagem parecia o Duce, Mussolini, pelo traço, pelas maneiras, pelo modo de contorcer os beiços e mover o maxilar enquanto preparava a questão, e pelo olhar vácuo e a pausa dramática, antes de falar. Repetia de forma obcecada: prisão… vão para a prisão.

O senador que presidia à sessão dizia que aquele não era o modo próprio de proceder, suplicava quase ao estranho sujeito para parar, para não tentar intimidar a testemunha. Dizia … meu caro amigo … vou cortar da ata o termo “prisão”… posso?

Mas, para o nosso pequeno Duce, a testemunha não servia. Não dizia o que ele queria ouvir. Era o vilão … prisão, prisão! E, em clara tentativa de intimidação, leu até artigos do código penal, como se isso lhe desse razão!

Parecia que estávamos num espaço paralelo, onde o fascismo italiano não teria sido vencido, e nós à mercê de pequenas réplicas do Duce, num retorno a tempos negros da História. Mas não estávamos na Italia de Mussolini, nem na presença do Duce. Presenciávamos virtualmente, no Senado do Brasil, uma batalha pela democracia.

O registro continuou. Falava agora uma mulher, com sorriso calmo e certeza na voz. A sua intervenção recolocou a questão no lugar certo. Devolveu ao Senado a dignidade momentaneamente perdida. Obrigado, Senadora Vanessa Grazziotin. 

[Fala de Ataídes Oliveira, às 3h51 e de Vanessa Grazziotin às 4h01]

 

Epílogo

O “4º poder”, o poder da mídia, contrapôs-se ao poder representativo do voto. Cabe, primeiramente, ao Senado deslindar o problema. E, o caminho plausível, é apenas o da dignificação da função representativa, a começar pelo modo como os Senadores atuam e, também, pelos critérios que seguem no desempenho da sua missão.

Os interesses de uma parcela minoritária foram transformados, mascarados, em interesses da grande massa, processo momentaneamente avalizado pela multidão reunida em atos políticos que sustentaram a instalação do processo de impeachment.

A força da multidão foi assim contraposta ao interesse público. Caberá somente ao povo brasileiro resolver o problema, através de eleições. Projeto que ganhará maior força e consistência na medida em que as forças políticas e os movimentos sociais sintonizem em objetivos comuns.