Seu argumento expressa uma opinião de esquerda diferente do lugar comum de que o desmonte da Comunidade Econômica Europeia significaria o enfraquecimento do projeto neoliberal que domina o continente, hoje. Embora a Irlanda do Norte, a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales não tenham aderido ao euro, são contribuintes do bloco e obedecem a suas regulações, embora tenham menos influência política que Alemanha e França. Por outro lado, usufruem dos benefícios de negociar condições comerciais em bloco, e garantir um equilíbrio econômico mínimo devido a investimentos e intercâmbio comercial com o resto da comunidade. Especialistas dizem que sua saída teria impacto imediato de até 5% do PIB nos próximos anos.

Loach, que acaba de ser premiado por um filme com seus temas mais caros, “Eu, Daniel Blake”, sobre as dificuldades dos trabalhadores britânicos para acessar direitos trabalhistas, considera este momento muito perigoso para o continente. Para o cineasta, a “alternativa é muito mais terrível, pois levará a um mundo de nações pequenas isoladas, de mais intransigência, de mais racismo e de mais xenofobia”. As principais vozes pela saída do bloco são conhecidos políticos racistas e xenófobos.

Seu novo filme mostra o desmonte do estado de bem estar social que a União Europeia vem praticando por meio da austeridade fiscal brutal que imprime em seus países, fazendo os trabalhadores pagarem pelos erros cometidos pelos bancos. “A maior parte desse Estado de bem-estar social já sumiu. Era como um grande iceberg que está derretendo rapidamente”, compara. Para ele, embora haja uma crise econômica profunda, não há nada surgindo no lugar do que havia para proteger as pessoas que precisam daqueles benefícios. “As empresas privadas não farão isso. E é essa a questão levantada no filme”. De uma certa forma, o filme dialoga com o contexto do plebiscito, por mostrar que a UE não tem prioridade alguma para essa situação vulnerável de trabalhadores e desempregados.

Loach recebe a Palma de Ouro por “I, Daniel Blake”

No filme, os protagonistas são um trabalhador doente e uma mãe solteira que enfrentam um calvário de burocracia e humilhação para serem atendidos. A pesquisa foi feita sobretudo em centros de atendimento a desempregados e de saúde no Reino Unido. “Mas tenho certeza de ter falado da Europa de um modo geral. Esse sistema em que vivemos hoje praticamente culpa as pessoas pela sua situação de vulnerabilidade e pobreza e as humilha”.

Mas Loach defende uma nova configuração da União Europeia, no qual grupos e partidos de esquerda se unam e tenham papel mais ativo, deixando de ser apenas um bloco de negócios, para também proteger trabalhadores e diminuir os índices de desemprego e pobreza. Nas entrevistas durante o evento e na divulgação do filme, o diretor tem se referido à possibilidade da saída do Reino Unido do bloco como algo trágico e de “consequências cruéis” para os trabalhadores europeus em geral.

O assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, na última quinta-feira (16), pode impactar o resultado do plebiscito, na opinião do cineasta. Existe a hipótese do assassino ter vínculos com grupos de extrema-direita favoráveis à saída da UE, o que pode gerar reações contra o ideário da direita.

Loach critica a União Europeia pelo projeto que se restringe à viabilização de negócios, “mais do que para pensar estratégias comuns de políticas sociais”. Segundo ele, é um programa direcionado para privatizações em geral, “sem excluir setores fundamentais, como saúde e educação”. “Desregula ainda mais o trabalho, deixando os mais pobres e os desempregados vulneráveis. Na atual União Europeia, tudo está à venda”, disse ele.

Loach cita o caso grego durante o auge da crise econômica e o ajuste fiscal imposto pela UE, que humilhou aquele povo e serve como um exemplo extremo dos efeitos nocivos do bloco sobre uma economia endividada. “Ao estabelecer o livre mercado sem proteção aos trabalhadores, se faz um elogio à meritocracia sem dar assistência a quem não tem condições de participar de um ambiente muito competitivo”.

Embora defenda a permanência do Reino Unido, Loach diz que não tem elogios à União Europeia. “Não vem sendo boa para nós nem para os europeus”. Mas, para ele, a alternativa é muito pior. “É uma alternativa que nos jogará mais à extrema-direita, que dará mais espaço ao racismo e à xenofobia, à intolerância com os imigrantes. Caminharemos para sermos países isolados tentando defender-nos uns dos outros e daqueles que vêm de fora”.

Loach comparou os defensores do Brexit (resposta ao plebiscito pela saída) a Donald Trump, candidato ultraconservador à Presidência dos EUA, por suas posições anti-imigratórias, racistas e nacionalistas. No entanto, segundo ele, os britânicos não se seduzem por uma figura caricaturesca como a de Trump.

Loach se diferencia de David Cameron, o premiê que também defende a permanência do Reino no bloco por considerar positivo o neoliberalismo em vigor em Bruxelas. “Se defendo a permanência, é porque creio que devemos enfrentar os problemas da Europa a partir de dentro, e não estando fora. Estando fora, os problemas serão mais graves e teremos menos instrumentos para atuar”.

O cineasta defende uma unidade entre os grandes partidos de esquerda europeia, como o Podemos, na Espanha e o Syriza, na Grécia, para combater o projeto neoliberal da União Europeia. Para isso, em sua opinião, é preciso estar no bloco e lutar dentro de sua institucionalidade.

Loach ainda lamentou o fato de não ter chegado a Cannes no dia do protesto da equipe do filme brasileiro “Aquarius”, do diretor Kleber Mendonça Filho, em que o elenco se manifestou contra o processo de impeachment pelo qual está passando a presidente Dilma Rousseff. Ele gostaria de ter se juntado aos artistas manifestantes. “Vi e fiquei admirado. Hoje existe muito mais pressão no mundo do cinema e da televisão para que não façamos mais protestos ou defendamos causas em eventos assim. Os espaços diminuíram, você pode passar a não ser bem visto se faz algo assim. Por isso creio que o que os brasileiros fizeram foi muito corajoso. Aplaudo o que essa equipe fez”.