Unidade da esquerda é indispensável à derrota do golpe
O objetivo prioritário do governo interino é condenar a presidenta Dilma Rousseff no julgamento do Senado Federal, e, assim, governar até 2018. É uma obviedade: os golpistas estão focados em consumar o golpe. E a resistência democrática e a esquerda, que é seu núcleo propulsor, evidentemente, se batem, para derrotar o golpe, mas, nesta hora crucial, marcam passo, uma vez que estão divididos quanto ao melhor caminho.
Embora avariado pela queda de três ministros alvejados pela Lava Jato, e impactado pela desgraça que traga Eduardo Cunha, seu irmão siamês, Michel Temer, usa e abusa do trono presidencial usurpado, para obter os 2/3 de votos necessários no Senado para se livrar da terrível dualidade de um só país e dois palácios; um presidente e uma presidenta a um só tempo. Ele, ilegítimo, ela detentora de um mandato sufragado por mais de 54 milhões de votos.
Freneticamente em busca de votos do Senado, Temer dá mostras de a que se destina seu governo. Subordina as empresas estatais aos interesses do mercado; entrega o cobiçado setor da aviação comercial ao capital estrangeiro, na ordem de 100%; por falar em entrega, estão engatilhados para os próximos dias a quebra do regime de partilha do Pré-Sal, o fim do monopólio do Estado na exploração da energia nuclear e a liberação de venda de terras para estrangeiros; e está em andamento o desmonte da política externa que nos últimos tempos reforçou a soberania nacional.
A caçada aos votos ao impeachment levou Temer a suspender, por seis meses, a dívida dos Estados e a chancelar o aumento de salários do setor público que estavam à mesa, mandando às favas, em parte, o fervor ao credo da austeridade. Austeridade, austeridade mesmo, somente contra o povo e os trabalhadores, ameaçados de cortes de direitos pelas reformas da previdência e do trabalho, com o fim das dotações orçamentárias obrigatórias para a Saúde e a Educação, além do “sumiço” do reajuste do Bolsa Família.
Como era de se esperar, a grande mídia, sócia polpuda do consórcio golpista, faz a blindagem de Temer naquilo que pode; abre as tampas de vidros de loção para abafar, ao menos em parte, a fedentina que o ministério interino exala. Pesados interesses econômicos e financeiros, de dentro e fora do país, as maquinações do imperialismo, isso tudo conflui para acelerar a marcha do golpe.
Apesar de tudo isso, a consumação do golpe não é inevitável. O governo interino se assemelha a um casarão erguido sob um alicerce frágil. O governo que foi instaurado por um golpe é ilegítimo, e essa ilegitimidade é o que o fragiliza, o condena à instabilidade. Além disso, a Operação Lava Jato, que foi determinante para encastelar Temer, pode, agora, por vias diversas seguir minando esse governo.
A esquerda cumpriu e desempenha um papel extraordinário para o êxito da resistência democrática. Contudo, desde a grande derrota de 12 de maio, desde o afastamento da presidenta Dilma, enfrenta-se o natural e momentâneo refluxo da grande onda democrática que se levantou pelo país afora.
É imperativo desfraldar uma bandeira nova que a um só tempo robusteça novamente a resistência democrática e ganhe setores do povo para engrossar a jornada contra o golpe, enfim, que concretize o Fora Temer no julgamento do Senado Federal.
Essa bandeira, essa plataforma, como se queira, é o plebiscito por eleições diretas para presidente. Tem apelo popular, tem apelo entre os senadores e senadoras que decidirão o veredito do julgamento.
Alguns argumentam que erguer a bandeira do plebiscito é abdicar do Fora Temer. Como? Se o objetivo dessa bandeira é revigorar as mobilizações, aumentar as possibilidades de virar votos no Senado exatamente para arrancar o usurpador da cadeira presidencial e devolvê-la à presidenta Dilma?
Outros ponderam. A proposta do Plebiscito nos envereda novamente aos velhos acordos de cúpula em desprezo ao povo e aos seus movimentos. Como? Se exatamente o que se propõe é uma consulta ao povo, que do alto de sua soberania decidiria o melhor caminho para o país reconquistar a normalidade democrática.
O retorno da presidenta Dilma restaura a legalidade, expurga o usurpador, o que por si só já representaria uma vitória extraordinária. Apoiadas nesta vitória e no horizonte que ela abriria, as forças democráticas e populares sustariam a pauta antinacional e arrasadora de direitos do governo interino. E também enfrentariam em melhores condições a “operação de cerco e aniquilamento” à qual estão submetidos sobretudo o PT e a esquerda em geral.
Mas, por que se comprometer com a bandeira do Plebiscito, se uma vez antecipadas as eleições a probabilidade maior seria o retorno da direita neoliberal pelas urnas?
Ora, se não concretizarmos o Fora Temer no julgamento do Senado, essa direita governará até 2018, com uma agressiva agenda neoliberal que só um governo instaurado por um golpe pode impor. A bandeira do Plebiscito é um meio para tentarmos expurgar um governo neoliberal já eleito numa eleição indireta. Por isso, não faz sentido algum sacar do argumento de que haveria um risco de perder uma possível eleição advinda do Plebiscito.
O que está em foco é a luta das forças democráticas e populares para reverter uma derrota já ocorrida, prestes a se tornar irreversível. Essa é a realidade.
Lênin, o revolucionário que dirigiu a mais importante Revolução do Século XX, sempre alertou para o risco de nos tornarmos prisioneiros de condutas políticas que envelhecem no curso da luta de classes. As palavras de ordem, tal e qual as pessoas que as bradam, envelhecem, caducam. “Não vai ter golpe” envelheceu, pois o golpe está a pleno vapor.
Volta Dilma, Fora Temer, abaixo o golpe estão atuais. Todavia, se não as vincularmos ao compromisso do Plebiscito não reuniremos força política no nível necessário para que se sagrem vitoriosas.
Jornalista é editor da revista Princípios e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois