(…) A ideia era de que a exposição do professor Belluzzo fosse sobre a crise, sobre os aspectos mais estruturais da crise. A sugestão aqui da direção da Escola (João Amazonas), à qual agradeço pelo convite, era de tocarmos também um pouco nesses aspectos da crise capitalista atual. Nessas circunstâncias a nossa contribuição vai ser limitada.

Vou dividir minhas observações em três questões gerais e uma conclusão. A primeira é recuperar um pouco esse trabalho que a escola, o partido e sua direção vêm fazendo, no sentido do exame detalhado – eu diria bastante acurado, embora com as limitações evidentes relacionadas à complexidade e à natureza do contemporâneo processo de formação teórico-ideológica. A seguir, as características e as fases dessa crise de 2007-2008, a sua evolução e a tendência atual.

E, de fato, o Luís (Fernandes) já falou sobre isso e tem insistido e escrito bastante sobre o tema, representando também a nossa opinião sobre o assunto. Nós vivemos um período de transição, um elemento de grande profundidade desse sistema de relações internacionais tanto do ponto de vista geoeconômico quanto geopolítico. Então, quero resgatar que, desde 2003, quando reestruturamos a Escola Nacional, o principal tema do debate que orientou os trabalhos desse primeiro Curso Nacional nosso foi, exatamente, o exame do capitalismo contemporâneo. Suas características, a natureza do capitalismo contemporâneo.

Noto então que, bem antes da grande crise, já vínhamos procurando examinar essas mudanças que vêm se processando na dinâmica do capitalismo. Mais para frente um pouco, no ano da crise, no final de 2007 (em agosto), fizemos, em novembro, um seminário no qual abordamos a crise e seus aspectos geopolíticos, contemplando as transformações, o mundo em transição. Também promovemos um seminário internacional sobre o assunto, com convidados estrangeiros etc. 

Lembro-me que havia representantes da Venezuela, da China, do Vietnã, de Portugal. O exame, da nossa parte e do trabalho da escola, vem se orientando exatamente por esse processo de busca do entendimento dessa nova situação criada. Mais para frente, nós fizemos esse outro esforço de contribuição, com análise mais abrangente, sobre a crise capitalista global, de 2007 até 2013, suas conexões e tendências. Culminou num estudo que já pega a crise num certo andamento e que teve a colaboração de 20 autores daqui e de fora do país, resultando num livro que acreditamos ter uma contribuição importante a dar.

Nessas três facetas da crise (a gênese e o desenvolvimento dela e as conexões de perspectiva que elas apresentariam), vai nesse sentido o esforço da Fundação, do trabalho da Escola, do Partido, e com a ajuda de vários intelectuais, de fazer o exame também mais aprofundado dessa junção. Digo isso entrando na segunda questão, porque algumas dessas conclusões vimos debatendo na escola, nos Estudos Avançados.

Nós fizemos o primeiro ciclo de Estudos Avançados sobre a crise e a finança capitalista e também tivemos grande audiência e participação muito grande. O professor Belluzzo abriu esse debate com uma conferência. E, então, a crise e a finança capitalista, quer dizer, a dinâmica da finança capitalista nesse processo da crise, e, como eu dizia, vimos então procurando extrair algumas conclusões desse debate, embora sabemos, com a crise ainda em curso, que continua sem horizonte de definição concreta, real.

O comando político da “financeirização”

A primeira dessas conclusões foi lançada já no seminário de 2007. E foi uma das preocupações que o camarada Renato Rabelo levantou como um dos pontos que serviram para orientar o nosso debate, ou à qual os conferencistas pudessem responder durante as suas exposições e no curso do seminário. E a questão é essa que o Renato levanta: a “financeirização”, “a dominância financeira” ou o “regime dirigido pelas finanças”, e as suas diversas denominações, já apareciam com frequência na literatura, na interpretação de vários autores e na análise mesmo do movimento comunista. Uma contribuição dos marxistas e do movimento comunista. Ou seja, por um outro viés, a liberalização das finanças, a desregulamentação comparecia no debate. Mas, como se relaciona o processo de “financeirização” com o sistema de poder do capitalismo global? Então, essa ideia vai, a partir de 2007, colando a ideia de que o processo de financeirização capitalista ou financeirização da riqueza ou o processo de produzir, gerir e realizar essa riqueza tem um comando político e concreto. Isto é, ele sofreu orientação de um programa que terminou por se denominar neoliberal, a partir da crise capitalista dos anos 1970, em particular com a ascensão de Thatcher e Reagan – fato que expandiu essas políticas, posteriormente para a Alemanha, para o Japão e outros países, tomando essa feição na qual os governos passaram a aplicar um programa de desmonte das conquistas de pós-guerra, em particular a partir do desmonte dos pilares dos acordos econômicos, financeiros e comerciais que tiveram vigência nos famosos Acordos de Bretton-Woods (1944).

Passou então a intervir na periferia do capitalismo, no sentido de que o processo de liberalização e desregulamentação, antes ocorrido no centro do capitalismo, se estabelecesse também como uma imposição dos grandes grupos financeiros e do poder econômico capitalista dos países imperialistas. Não só dos Estados Unidos, mas também do comando dos países imperialistas. Prevaleceram os interesses dos bancos, das grandes corporações etc. Esse processo vai se materializando de uma maneira a se afirmar a compreensão da relação existente entre a materialidade do poder político, das correntes políticas e a aplicação paulatina do programa neoliberal. Aquele processo posterior de crise evolui depois e se estabelece sobre essas premissas. Ou seja, não é um mecanismo do movimento endógeno da hegemonia histórica da finança no modo de produção capitalista em si.

Marx, já no final do século 19 – discutimos sobre isso no seminário A crise, Marx e as finanças capitalistas –, tratava do problema do predomínio do capital portador de juros, do capital financeiro sobre as outras formas do capital (industrial e comercial), e como uma manifestação superior das formas que a riqueza assumiu em relação às formas pretéritas desse modo de produzir riquezas.

Essa questão geral, uma visão extraordinária de Marx, evidentemente um processo, sofreu enormes transformações. Lênin examinou o mesmo tema já sob uma outra ótica, do século 20. As formas de produção dessa riqueza e as formas da crise do capitalismo se estabeleceram nesse processo de desenvolvimento que vai, no pós-Segunda Guerra, da ruptura dos acordos e da ascensão e aplicação desse programa neoliberal.

Então, nessa segunda ordem de questões, ou seja, de uma conclusão de interpretações, é importante ressaltar que essa ideia da relação da “financeirização” e a operação de poder político – que estabelece o programa neoliberal –, do que nós temos debatido e escrito também, pode-se configurar esta crise evoluindo – de modo esquemático – em pelo menos três ou quatro momentos.

O primeiro momento se estabelece com a crise de agosto de 2007, que é a das hipotecas “subprime” (inadimplentes) – embora o pessoal comente muito que a crise é de 2008. Claro que essa de setembro de 2008 (falência do banco Lehman Brothers) tem impacto internacional muito mais forte: ela trona a crise global, iniciada um ano antes aproximadamente, em uma crise sistêmica. Mas ela está inteiramente vinculada aos mesmos processos endógenos que se estabeleceram sobre a crise de caráter financeiro das hipotecas subprime. Mas não só isso: apesar de ter tido sua emergência nos Estados Unidos – por isso que é importante distingui-las do processo de 2008 –, ela não foi só um problema “americano”.

Assim, em setembro de 2007 os problemas no mercado de crédito fazem o banco de empréstimo subprime, Northern Rock, pedir ajuda ao Banco Central britânico e, cinco meses depois, o Northern Rock é nacionalizado. E também o grande banco francês Paribas, no segundo semestre 2007. Em março de 2008 houve resgate do Bear Stearns: o banco de investimentos JP Morgan Chase – seu rival – se oferece para resgatá-lo. E assim por diante.

Um sistema financeiro sombra

Ora, tais colapsos ocorreram fundamentalmente em função do acúmulo de dívidas, títulos e papéis podres, que eram as hipotecas “empacotadas” em empréstimos tidos como securitizados (seguros), em inúmeros bancos do sistema financeiro internacional. Na prática, dívidas tituladas que não tinham como ser pagas, dado principalmente a aguda crise de crédito, sob abrupta subida da taxa básica de juros dos EUA. O processo entrara num grande circuito de crise financeira ou de crédito internacional. Posteriormente, foram analisados detalhes complexos de configuração interbancária que, na verdade, escondiam o que foi denominado, já em 2008, como bancos–sombra: o “sistema financeiro sombra” (shadow financial system). É um sistema bancário no qual os próprios Bancos Centrais dos países mais importantes do centro do capitalismo omitiam a existência dessas operações nos balanços dos outros grandes bancos, que não eram registrados. Ou seja, eram balanços falsos, fantasmas. Realizavam-se gigantescas operações fictícias e especulativas, encobertas, que não constavam nos balanços. 

Essas características aparecem em 2007 e 2008. Mas ela surge como a explosão na chamada bolha financeira das hipotecas subprime – e não antes ou depois. E isso não é uma coisa menor. Teve influência significativa no colapso do próprio banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, lotado de hipotecas inadimplentes “empacotadas” por outros serviços bancários.

A distinção que podemos – e devemos – fazer são as fases dessa crise. E que, em 2008, o sistema financeiro internacional colapsou completamente. Ou seja, nesse ano a crise se tronou sistêmica quando houve interrupção abrupta do sistema que financia o movimento do capital global! Do centro à periferia. Todo o financiamento da economia capitalista mundial sofreu o chamado credit crunch, um estancamento ou ruptura do crédito internacional.

Dou sempre dois exemplos simples nos nossos debates da escola, para ver o impacto dessa ruptura no sistema de financiamento: No final de 2008 a Vale demitiu dois mil trabalhadores, sem explicação. E, logo depois, a Embraer demitiu quatro mil e duzentos trabalhadores, sem explicações.

Lembro que Lula chamou a direção da Embraer para explicar, que disse que havia a concorrência da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica] com a Bombardier, do Canadá, e que se não ocorressem providências no sentido de cortar custos, manter investimentos, manter financiamentos internacionais, a Bombardier ultrapassaria a primazia da Embraer como a maior produtora de jatos para voos regionais do mundo.

Isso foi chantagem, não foi argumento. Um argumento corporativo de que a Bombardier passaria a assumir a posição da Embraer, que continua a ser uma empresa de excelência na fabricação de jatos regionais de alta sofisticação. E, no caso da Vale, lembrem-se de que houve uma pendenga, na qual o presidente da empresa foi demitido – mas depois, somente no governo da Dilma. Houve então uma briga entre Lula e o presidente da Vale, Roger Agnelli.

Parada abrupta dos investimentos ou dos “pagamentos”

Na crise houve então um impacto de tal ordem, a revelar uma das principais características da crise do capitalismo global – mais ainda capitalismo “financeirizado” –, que é a parada súbita do investimento. Essa era a ideia já contida em Marx, e não é invencionice. Marx fala da parada da acumulação, que é exatamente processo que, ao se gerar a mais-valia, pode levar ou não ao reinvestimento. Esse é o processo do dinamismo – ou não, repito – capitalista. A parada da acumulação, ou seja, a parada do investimento, a suspensão da compra ou encomendas já anunciadas de máquinas e equipamentos sofisticados tecnologicamente, para aumentar a produtividade, só assim para driblar a concorrência e ter maiores lucros no processo da produção.

Então, essencialmente, a crise se estabelece dessa maneira. E hoje esse fenômeno se repete. Na nossa opinião – e isso é um debate que travamos aqui na escola –, esse mesmo processo de superacumulação, desde o mecanismo originário de superprodução de capitais, e mercadorias, que Marx descrevia, se processa de modo similar nesse grande cassino que se alimenta no capitalismo “financeirizado”. No sentido de que se compreenda os títulos (imobiliários e outros), além das hipotecas, como sendo genuinamente capitais que portam – são produtores de – juros.

Há especulação desenfreada nesse processo gigantesco de acúmulo de papéis com essa interconexão que a informatização acelerou. Como sabemos, transformando tudo não só numa loucura de investimentos e de especulações de compra de títulos e jogo especulativo de futuro. É uma novidade muito forte a instituição dos derivativos, contrato de futuros que derivam de determinados contratos (moeda, commodities, câmbio, juros etc.). Então, denominando-se pomposamente de “inovações financeiras”, funciona para commodities, para barril de petróleo, funciona para moedas, títulos, para tudo que possa representar mercadoria-capital. 

Esse processo de agigantamento dos ativos financeiros é que caracteriza a deflagração dessas crises mais recentes. Não é um problema exclusivamente da produção, que vai cada vez sendo mais afetada pelo setor financeiro, pela crise que desaba do setor financeiro e incide sobre o processo da produção capitalista como um todo. É a célebre definição de “autonomia relativa” das esferas da produção e financeira.

Fase ou etapa atual da crise

Assim, após a crise das hipotecas “subprime” – depois de uma outra fase, a de setembro de 2008 ou a da falência do baco Lehman Brothers –, nós podemos visualizar uma outra fase de impacto, que é a chamada crise das dívidas soberanas na Europa, concentradamente em 2010. Ela foi o resultado de todas essas políticas “terapêuticas” que nós acompanhamos desde 2007: os Bancos Centrais financiando a crise socorrendo os grandes bancos – “grandes demais para falir”, diziam – com uma trilionária injeção de dólares, euros ou ienes, tanto faz. Uma montanha inimaginável de dinheiro que nunca se viu em nenhum momento no capitalismo, considerando-se o próprio desenvolvimento do papel da finança, e mesmo essa incontrolável proliferação do capital fictício. Esse debate vai e volta na comparação com a catástrofe e as características da Grande Depressão de 1930. 

Abro parênteses aqui: se em 2007 houve a crise do subprime, fundamentalmente das hipotecas, isso se alastrou pelo mundo inteiro. Não era só um fenômeno americano. Isso teve a ver a seguir, como vimos, com a implosão do Lehman Brothers, que foi muito mais grave do que a crise de 2007. Aliás, o liberal Paul Krugman reeditou um livro, atualizado em 2009, chamado exatamente A crise de 2008 – e a economia da depressão. Ele já remete aí ao shadow banking system – banco-sombra –, ou aquele processo que ficava submerso com essas mudanças que ocorreram notadamente desde a “financeirização” do capitalismo. 

Naquela época, o Estado não tinha mecanismos, até pela própria concepção liberal do padrão vigente, que era do padrão-ouro no sistema financeiro internacional. E, pela visão hegemonicamente liberal, não havia mecanismos de proteção ou defesa, fato que levou, por exemplo, a estourar a crise de outubro de 1929. Depois disso, ocorreu uma série de regulamentações, pelo próprio presidente Roosevelt, nos Estados Unidos. Não só para criar leis que protegessem, mas também isso inseriu o Roosevelt numa plataforma avançada, progressista. Se for ver hoje, é quase uma plataforma de esquerda que ele apresenta: O controle do sistema financeiro, controle dos monopólios, anistia e refinanciamento das dívidas da população, criação da Previdência Social, logo no início dos anos 1930 etc.

Também foi implantada a principal lei de regulamentação do sistema financeiro – a Lei Glass-Stegall, 1933. Na prática, o sistema financeiro americano que (ainda) é muito pulverizado, muito estadualizado. São muitos bancos. Era, e é ainda, diferente de outros países, inclusive da Alemanha. A transformação desses bancos comerciais (que financiam no longo prazo) em bancos de investimento, que trabalham no curto prazo (com títulos e todo tipo de papéis), atuou no sentido de impedir que os bancos regionais americanos tivessem autonomia e estabelecessem, por exemplo, uma taxa de juros à revelia do Banco Central americano. Enfim, foram tomadas medidas pelas quais o Estado interveio para fazer com que houvesse um processo regulatório sobre a crise originada em 1929.

Hoje, essas crises das dívidas soberanas têm muito a ver com os títulos públicos nos Bancos Centrais que passaram, na verdade, a cobrir o buraco financiando a banca privada, à custa do Estado e do povo. Outro fenômeno revelador da imensa fragilidade da teoria dos mercados autorregulados: de que na dinâmica e crises do capitalismo eles se equilibram ou se autorregulam e resolvem as crises que, com essa intervenção avassaladora do Estado. Ora, praticaram políticas e operações que nunca tiveram precedentes na história do capitalismo. Noutras palavras: da execração e do ataque cerrado ao Estado em geral passou-se à manipulação descarada das finanças públicas estatais para salvar bancos e bilionários dos prejuízos por eles criados!

Mais uma vez: os teóricos do mercado autorregulado passaram cerca de 30 anos dizendo que tinha que ser tudo desregulado e a economia protegida pelos mercados, quando veio uma crise gigantesca e o Estado veio mostrando a necessidade de se autorizar o alargamento intervencionista do próprio Estado, com endividamento extraordinário, crescente e simplesmente impagável hoje.

Expansão da liquidez, “bolhas”, crise financeira

Se analisarmos as referências do endividamento dos bancos e do endividamento dos Estados europeus antes de 2007 e 2008 e agora, vemos uma coisa que foi se multiplicando, não parou. Continua crescendo e provoca um endividamento impagável:  270% do PIB (Produto Interno Bruto), no Japão; 170% na Itália; 106% nos EUA; Na Grécia, em Portugal e na Espanha mais que dobrou. Houve um processo de agigantamento dessas dívidas.

Partindo para a última parte, em que estágio estaríamos nessa crise? Nessas fases de 2007, 2008 e 2010, há bastante nitidez de que nada do que foi feito pelos Bancos Centrais, por meio dessas injeções trilionárias e criação de outros mecanismos que os americanos inventaram, é novidade, pois os ingleses utilizaram primeiro, depois o Japão, e depois o Banco Central europeu, nessa sequência, que foi denominado de Quantitave Easing (QE). Significa – a “flexibilização quantitativa” – simplesmente que o próprio governo passa a comprar títulos do Tesouro e outros ativos e injetar o dinheiro correspondente na economia. Monetizar esse dinheiro no mercado e dispô-lo para compra e para especulação financeira no mundo inteiro. Por isso também que as “bolhas financeiras” voltaram, que é a conclusão pública de um debate à qual se chegou mais recentemente.

Então, houve um processo de expansão gigantesco, não só de expansão da chamada liquidez. Quer dizer, há a riqueza financeira fictícia que pode ser transformada em dinheiro, em qualquer canto. Esse processo de expansão, ao invés de resolver o problema dos investimentos na produção, gerou mais aplicação novamente para a esfera financeira, de uma forma avassaladora e incontrolável. Não satisfeitos com esse negócio, os Bancos Centrais passaram a fazer taxa de juro zero. Já estava baixa. Na Europa, estava em torno de 2%, na época. E o processo da crise de 2010 resultou em taxa de juros zero.

Isso se generalizou, porque passou a haver um processo de ampliação da concorrência, no sentido de que se cai a capacidade de comprar dinheiro para investir ou tal moeda de deprecia, para emprestar, tenho que fazer isso também. Não satisfeitos com isso, os juros passaram a ser negativos. Inclusive implicando certas perdas para o sistema bancário-financeiro, do sistema bancário, por causa do mecanismo complexo que estabelece o processo de empréstimos com a taxa de juros negativos sobre títulos dos governos que seriam ressarcidos por uma tal taxa de juros, que virou negativa.

Recentemente o presidente do Banco Central europeu, Mario Draghi – banqueiro esperto e fino especulador – anunciou: “nós continuaremos com a política de expansão quantitativa, novas rodadas de mais empréstimos”, a ponto de esse processo ter gerado um debate nos Estados Unidos, com economistas destacados neoliberais e mesmo reacionários – alguns que já foram do FMI –, avaliando que o negócio do “dinheiro de helicóptero” deve ser uma política, pois assim se coloca dinheiro direto na conta do consumidor para ele comprar imediatamente. Um processo de crédito barato, com dinheiro suficiente para fazê-lo consumir. E isso continua em debate, com gente deles aí defendendo.

Agora em maio último, o primeiro-ministro japonês, na reunião do G7, deu uma entrevista ao Le Monde, dizendo o seguinte: “Nova crise global financeira está no horizonte”. Tentaram desfazer, mas ele já havia dado a entrevista. O banqueiro e professor francês, Patrick Artus, disse que a crise de 2007-2008 levou a um estado de “crise financeira permanente” na economia mundial. Em entrevista há pouco tempo (Valor Econômico), comentou que recém-lançara um livro sobre o assunto, intitulado A loucura dos bancos centrais. É que, além de economista, ele deve ser psiquiatra também – ou precisar dele. Mas ele ali ainda diz de importante o seguinte: “Hoje, há um excesso de liquidez de circulação, onde a base monetária do mundo, ou a liquidez criada pelos bancos centrais, é de 23 trilhões de dólares, comparada a 2 trilhões de dólares, há 20 anos. E essa liquidez, criada pelos Bancos Centrais, representa cerca de 30% do PIB mundial hoje. Era 6% no final dos anos 1990”. 

Nessa direção o professor Belluzzo escreveu com outro economista um artigo interessante, antes da entrevista desse Patrick, na qual ele diz o seguinte: “Em 2008, a bolha de bonds, de títulos, ações, era de 80 trilhões de dólares, hoje supera 100 trilhões de dólares. O mercado de derivativos, que usa essa bolha de bonds como colateral, supera 555 trilhões de dólares”. 

A conclusão dele, e de outros autores, é a de que estamos numa nova crise financeira. E, como disse enfaticamente Patrick, essa nova crise financeira no horizonte será pior do que a de 2008. Esse sujeito é um banqueiro de 70 anos de idade. Um homem rico, economista formado. Não tem nada que ficar dizendo tolices. Por isso, destaco que esse primeiro-ministro japonês tem toda razão em expressar que a tendência que temos pela frente é a de uma nova crise financeira.

Uma consideração final

O que considero muito pior: isso deve ocorrer quando estamos num estágio, ou numa outra fase dessa crise depressiva e cronificada, inédita, pelas características acima assinaladas, em que ela se desdobra para a periferia do capitalismo. No nosso caso, a América Latina e o Caribe, o processo que resulta da crise global e europeia, e mais recentemente a desaceleração (controlada) da China, reserva-nos um agravamento no descenso das taxas de crescimento econômico e um aumento do desemprego desde o segundo semestre de 2011 (Cepal, Comissão Econômica para a América Latina).