Desvendando o “impeachment”
Em um romance policial clássico começa o detetive, para descobrir o criminoso, com a identificação de motivações. Quem é que tem a ganhar com o assassinato? Com frequência há, para o sucesso do enredo, uma série de possíveis culpados, cada um com uma razão para o crime. Em seguida coleta o bom detetive as pistas, os indícios. Pois bem, vamos seguir o mesmo roteiro para determinar afinal quem é ou quem são os prováveis perpetradores do crime, e comecemos com uma lista de quais são os potenciais ganhadores com o impedimento da Presidente Dilma Rousseff, ou melhor, os suspeitos. Comecemos com os mais óbvios:
Os inconformados perdedores do PSDB que sonhavam voltar ao poder em 2015. O ganho seria a vingança pela frustração? Reconquista do poder?
Um maquiavélico Temer, cujo partido oportunista e pouco ético desperta desconfianças generalizadas na população e, portanto, jamais alcançaria o poder por conta própria em uma eleição legítima.
Cunha e sua gangue, uma súcia de primatas inescrupulosos, travestidos de congressistas. E o ganho seria escapar à prisão?
A mídia. Seria o gostinho de ganhar? Ou o serviço prestado às classes dominantes, as quais representa? Ou a seus proprietários, pertencentes à elite dominante? A FIESP e congêneres?
Pois bem, alinhamos os possíveis ganhadores com o eventual sucesso do impedimento. Agora precisamos identificar quais os indícios, as pistas que permitirão identificar dentre os suspeitos o delinquente, ou melhor, o facínora. Alguns acontecimentos recentes talvez possam orientar-nos nessa busca. Vamos enumerá-los abaixo:
A revelação da existência dos mais que um milhão de “documentos do Panamá”, que irão progressivamente servir de provas contra milhares de brasileiros, não apenas políticos. Será talvez por isso que a FIESP se lançou tão agressivamente na campanha pró impeachment? E os poderosos da mídia?
Também é óbvio que outras listas vão surgir, além daquela recém revisitada de Furnas, que distribui propina para quase todo o PSDB e para muitos políticos do DEM, do PMDB e do PP.
Mais reveladora ainda foi a declaração pelo pessoal da Lava Jato de que estarão encerrando suas atividades no fim deste ano. Estariam com medo de que após o impedimento a liberdade que tiveram até agora deixaria de existir?
Diga-se o que quiser contra Dilma Rousseff, mas qualquer que seja o analista político honesto, não poderá deixar de reconhecer que Dilma foi o sustentáculo da Lava Jato contra tudo e contra todos. Estariam, pois, os Promotores Públicos esperando que o que vier depois do impedimento cancelaria a Lava Jato?
Pois bem, vocês se lembram do romance de Agatha Christie, Morte no Orient Express, em que se descobriu que todos os suspeitos haviam esfaqueado a vítima juntos? Pois bem, este é o caso atual, embora a recente debandada dos partidos até agora governistas só possa ser atribuída ao temor do uso das informações dos documentos do Panamá. E talvez seja pela mesma razão que a FIESP tenha entrado tão ferozmente na briga.
Rogério Cerqueira Leite é físico, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia