José Serra, um chanceler ‘decorativo’
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, ameaçou demitir todos os assessores de seu gabinete, exceto um, assim que voltou a Brasília de uma viagem a Nova York, aonde fora acompanhar o presidente Michel Temer. A conferir se as demissões se confirmarão nos próximos dias, mas o rompante é compreensível. Serra regressou enfraquecido dos Estados Unidos, país ao qual sonha atrelar o Brasil.
O chanceler foi ignorado na elaboração do discurso presidencial proferido na terça-feira 20 na Assembleia Geral das Nações Unidas, motivo principal da viagem da dupla. Viu Temer assumir posições conflitantes com as suas. Ficou (por opção própria) em um hotel diferente daquele usado pelo chefe e por ministros da comitiva. Ausentou-se de uma histórica reunião global sobre refugiados.
Relegado ao papel de figurante, embora seja um conhecido aspirante à cadeira hoje ocupada por Temer, não surpreende o tucano ter deixado o peemedebista esperando por uma hora em um jantar oferecido pelo presidente no domingo 18.
No pronunciamento perante a Organização das Nações Unidas (ONU), Temer adotou um tom mais geopolítico do que comercial, ao contrário da postura vista até aqui em seu ministro da área. E expôs posições que soaram como puxões de orelha no subordinado.
“A integração latino-americana”, disse, é uma “prioridade permanente” do Brasil, não importa que haja “em nossa região governos de diferentes inclinações políticas”.
Em seus quatro meses no cargo, Serra tem sido um criador de casos na América Latina. Por razões ideológicas, trabalha abertamente pela derrubada de Nicolás Maduro do governo na Venezuela. Até conseguiu, com um golpe jurídico, impedi-lo de assumir a presidência rotativa do Mercosul.
Em sua cruzada contra Maduro, tentou “comprar” o voto do Uruguai no Mercosul, razão para queixas públicas dos uruguaios. Não é à toa que certos ministros fazem piada a portas fechadas: “quando será que Serra convocará tropas para invadir algum vizinho?”.
Temer também defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU, colegiado que dá a seus cinco membros poder de veto em decisões do organismo. Na gestão do PT, o Brasil cobiçava uma vaga no Conselho via reforma. Logo ao assumir, o chanceler tucano desdenhou do tema e apequenou o País. Para ele, a reforma não é “moleza”, é “briga de gente grande”.
Curiosidade: paralelamente à Assembleia Geral, houve uma reunião do G4, grupo criado por inspiração brasileira na era petista a juntar mais três países com ambição de entrar para o Conselho: Alemanha, Índia e Japão. Após o encontro da quarta-feira 21, ocorrido por iniciativa da Alemanha, seus chanceleres divulgaram uma nota a reafirmar o compromisso com a reforma. Serra incluído.
Não é difícil entender por que o ministro foi um ator secundário na viagem de Temer a Nova York. Serra não escuta diplomatas, não estuda assuntos de sua área. Em um vídeo gravado às vésperas de ir aos EUA, revelou desconhecimento sobre os BRICs. Precisou de ajuda do entrevistador e de um assessor para citar as nações integrantes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Cercou-se de assessores estranhos ao Itamaraty, inclusive um policial militar, Hideo Augusto Dedini, processado pelo massacre de 111 presidiários em São Paulo em 1992. Ao mesmo tempo, não faz questão alguma de entender a estrutura da chancelaria, nem de conversar por ali.
E olha que no Itamaraty não falta boa vontade com os poderosos do pós-impeachment. Consta que um chefe de departamento abriu uma champanhe em seu gabinete no dia em que Dilma Rousseff foi afastada provisoriamente pelo Senado, em maio.
Mais afeito a sentar-se com diplomatas, Temer aos poucos tem estabelecido canais diretos com o Itamaraty, um bypass no chanceler. Foi assim que ele preparou o discurso da ONU.
Consolo do ministro: em um encontro com empresários e investidores estrangeiros em Nova York, Temer disse que em “brevíssimo tempo” haverá mudança na legislação petrolífera para permitir às multinacionais explorar o pré-sal sem a Petrobras. Um projeto, fez questão de ressaltar, de Serra.
Texto publicado em Carta Capital