Eleições 2016, o palanque dos milionários
Dono da maior fortuna entre os pretendentes ao comando das capitais brasileiras nas eleições municipais deste ano, João Doria Júnior, do PSDB, vê-se obrigado a adotar hábitos populares e vestir a carapuça do Candidato Caô Caô. Gravado há quase 30 anos por Bezerra da Silva, o samba narra a campanha de um político em uma favela.
Ele sobe o morro sem gravata, bebe cachaça e usa “a lata de goiabada como prato” apenas para se enturmar com a comunidade e angariar votos. Doria segue o roteiro a contragosto. Nos primeiros dias da campanha à prefeitura de São Paulo, iniciada em 16 de agosto, deixou-se fotografar enquanto provava, visivelmente incomodado, um pingado de padaria em um copo americano.
Com o fim das doações empresariais de campanha, consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, candidatos milionários como Doria tornaram-se uma preferência de partidos do campo conservador para garantir o financiamento das campanhas.
Em terceiro lugar nas pesquisas, empatado com o prefeito Fernando Haddad, do PT, e Luiza Erundina, do PSOL, o tucano confia em sua fortuna declarada de 180 milhões de reais para alcançar Marta Suplicy, do PMDB, e Celso Russomanno, do PRB.
As novas regras do financiamento eleitoral o favorecem: não há limite às doações de políticos às próprias candidaturas. Um convite à perpetuação do poder econômico. Em lugar da promiscuidade entre empresários e candidatos, os partidos investem em empresários-candidatos.
O aspirante tucano à prefeitura de São Paulo afirma ter seis vezes o valor declarado por Vanderlan Cardoso, do PSB de Goiânia, segundo colocado no ranking dos candidatos mais afortunados nas capitais.
Em menos de uma semana de campanha, Doria transferiu 200 mil reais para sua candidatura. Com a previsão de um gasto de 20 milhões, ele sugere que custeará a quantia necessária para chegar ao orçamento previsto.
As campanhas deste ano serão mais baratas que as de 2012, dado o limite inferior de gastos estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com as novas regras, as campanhas para prefeito e vereador podem custar até 70% da campanha mais cara em cada cidade na disputa de 2012. Em São Paulo, o valor máximo cai de 67,8 milhões de reais para 45,4 milhões.
Com o fim das doações empresariais, os principais doadores dos candidatos até o momento são os próprios partidos, beneficiários de uma parcela do Fundo Partidário. Para este ano, estão previstos 819 milhões em recursos públicos para as legendas.
Até o momento, o recordista de doações partidárias em São Paulo é Russomanno, que recebeu 750 mil reais do PRB. A quantia é inferior à transferida a seu correligionário Marcelo Crivella, líder nas pesquisas à prefeitura do Rio de Janeiro, beneficiado com 1,14 milhão de reais da legenda ligada à Igreja Universal do Reino de Deus.
Os tesoureiros dos partidos admitem, porém, que os recursos do fundo serão insuficientes. Os endinheirados entenderam o recado. Dos 20 candidatos que possuem a maior fortuna nas capitais brasileiras, cinco já investiram em suas campanhas.
Escolhido pelo PSDB para as eleições à prefeitura de Porto Velho, em Rondônia, o ex-promotor Hildon Chaves doou até o momento a mesma quantia que Doria à sua campanha. Hildon possui a 12ª maior fortuna entre os candidatos à prefeitura nas capitais brasileiras, com mais de 11 milhões de reais em bens declarados.
Entre os principais milionários das disputas municipais, outros três concorrentes também realizaram doações. Ademar Pereira, do PROS, contribuiu com 66 mil reais à sua candidatura à prefeitura de Curitiba. Já Francisco Júnior, do PSD de Goiânia, e Gustavo Fruet, do PDT de Curitiba, doaram 20 mil reais cada um.
A nova regra contradiz a decisão do STF de barrar as doações empresariais para atenuar a influência do poder econômico nas eleições. Segundo o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, o fato de o fim das contribuições de pessoas jurídicas não ter sido acompanhado de uma reforma capaz de fortalecer o papel dos partidos favorece a individualização da política e a busca por candidatos milionários.
“A nova regra não limita o poder econômico, apenas o coloca em outro patamar. Consolida-se a figura do empresário e do financiador como papel de liderança máxima e jogam-se no lixo os debates programáticos.”
O poder econômico dos candidatos tem gerado incômodos. À mídia, o PT de São Paulo revelou a pretensão de pedir a impugnação da candidatura de Doria. O partido alega que o tucano desrespeitou a lei ao não se afastar da administração do Lide, do Grupo Doria, com 1,6 mil empresas filiadas. Um dos objetivos dos petistas seria impedir que o tucano utilize recursos empresariais camuflados como lucros e dividendos.
Segundo o advogado João Fernando Lopes de Carvalho, especializado em direito eleitoral, há três cenários nos quais um candidato pode ser obrigado a deixar a administração de sua empresa: quando esta atua em condições monopolísticas, se sua finalidade faz apelo à poupança e ao crédito e caso ela tenha contratos firmados com o poder público.
“Não me parece ser o caso de Doria.” Carvalho argumenta que os candidatos podem utilizar dividendos de empresas em suas campanhas, mas a Justiça Eleitoral tem o poder de questionar o uso dos provimentos, caso eles sejam transferidos aos políticos em períodos atípicos.
Alvo de piadas nas redes sociais por seu perfil elitista, Doria não admite ser ridicularizado. Na terça-feira 23, a Justiça Eleitoral exigiu a retirada de páginas do Facebook que satirizavam o tucano. A intransigência lembra outro verso de Candidato Caô Caô. “Hoje ele pede seu voto, amanhã manda a polícia lhe prender.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 916 de CartaCapital, com o título “O palanque dos milionários”.