Dilma avalia que seu governo deu “um pequeno passo” em direção à redução da desigualdade no Brasil ao distribuir renda. “Não conseguimos atacar a distribuição da riqueza, que continua concentrada”. Para ela, esta seria uma segunda etapa dos governos democráticos e populares, daqui pra frente. Ela falou sobre como o mundo vem tratando a cobrança de impostos dos mais ricos. Um elemento colocado como importante para definir a concentração da riqueza.

Para além da distribuição de renda, Dilma avalia que conseguiu resultados ao permitir maior acesso ao serviço público, antes inacessíveis aos grandes contingentes de brasileiros. Ela falou do acesso à casa própria por meio das quatro milhões e 100 mil casas feitas pela primeira vez no país. “Nosso povo começou a viajar de avião, o que não fazia antes. Tudo isso, não só pelo bolsa família, mas pela valorização do salário mínimo”, afirmou, mencionando as políticas de acesso à educação e a estratégia para os royalties da exploração do pré-sal.

Dilma apontou o momento em que a direita começa a interromper esse processo descrito por ela. Houve uma desaceleração profunda da economia, em meados de 2015, desde a derrubada dos preços das commodities, a desvalorização do dólar pelo governo dos EUA, matando indústrias e diminuindo empregos. Junto com isso, o Brasil tem uma das maiores secas, o que elevou o preços de alimentos e energia. Este é o cenário que a oposição precisava para dar início à desestabilização do governo com apoio da mídia.

“Começa uma crise política inicialmente sorrateira. Não tinha a dimensão que imaginávamos”, admitiu Dilma, revelando que não acreditava no sucesso da desestabilização. Ela lembrou que o início foi dado com o pedido de recontagem dos votos, a auditoria nas urnas, e, posteriormente, o pedido no Tribunal Superior Eleitoral para ela não ser diplomada. “Desta forma, outro elemento que comprometeu a economia foi a crise política”.

O problema é que, diante da crise, conforme observa Dilma, os atores do golpe decidiram resolvê-la em seu favor, seja a mídia, o judiciário ou o Congresso. A presidenta afastada lembrou que Fernando Henrique Cardoso falava em “virar a página do Getúlio”. “Virar a página do Getúlio significa duas coisas, atacar a CLT e as empresas estatais”, explicou ela, sobre a agenda de desmonte dos direitos trabalhistas e de venda do patrimônio nacional mais valioso.

 

Outra agenda criticada por Dilma foi a PEC dos gastos. Segundo ele, o orçamento é um grande instrumento que o governo tem para executar suas propostas para avançar no desenvolvimento do país. Para ela, o programa de governo do golpe denominado Ponte para o Futuro virou a  PEC 55, que engessa os gastos públicos por 20 anos, uma reforma ultraconservadora da Previdência e a flexibilização do trabalho. “Não é possível fazer isso na democracia. É preciso ter um roteiro que possa ser seguido sem interrupção do povo. O primeiro passo é tirar o poder da população. Retire os direitos da população. Quando as expectativas da população não são respondidas pelo governo, a política se torna irrelevante. Há um processo de despolitização da luta”, apontou ela. “Daí a importância dos instrumentos que assegurem a existência de um inimigo.”

Dilma mostra como é importante para os golpistas destruírem seus adversários. “Começam a surgir momentos em que o juiz diz que tem convicções, mas não tem provas. A Lava Jato tem um caráter excepcional e suas medidas também precisam ser excepcionais”, diz ela, expressando o clima de autoritarismo que tomou conta do país, com o intuito de destruir as lideranças de esquerda. “Aos jovens que ocupam escolas em defesa dos direitos sociais se trata com dureza enquanto um grupo que invade o Congresso em defesa de uma ditadura são tratados com brandura”, lamentou Dilma.

Ela acredita que os golpistas subestimaram a crise econômica. “Diziam que era responsabilidade exclusiva da minha pessoa.” Agora que convivem com efeitos indesejáveis da crise econômica mundial, conforme explica a presidenta deposta, somam-se os fatores que garantem que pode ocorrer a tentação do golpe no golpe. Ela lembrou que, em 1968, ocorreu o “golpe dois”, uma radicalização do primeiro golpe de 1964.

“Temos que reivindicar uma solução por baixo, que é o voto democrático”, propõe ela. Não podemos esquecer que a fisiologia e ausência de propostas e a troca de cargos, segundo Dilma, não é uma questão moral no Brasil. Dos 33 partidos existentes, questiona, como chegar ao poder se não for disputando cargos no mais branco fisiologismo?

Dilma acredita que, para “salvar o futuro desse país”, precisa ter eleição direta e reforma política, política tributária que tribute o capital, e ter a capacidade de retomar o desenvolvimento do país e não cortar gastos. Ou aumenta receitas ou tributa fortunas ou tributa dividendos. “Somos o único país do mundo, junto com a Estônia, que não tributa dividendos”.

Dilma se antecipou à pergunta de porque isso não foi feito antes. “Porque não passa no Congresso. Por isso a importância da reforma política”, completou.

Convencer os que foram enganados

 

A ex-presidenta da Argentina, Cristina Kirshner, fez em seu discurso um painel de como estava a economia do seu país antes de sua saída e na atualidade, em que se construiu um consenso de que o que faltava para a economia argentina deslanchar era trocá-la por Macri. Ela citou índices de hoje, que mostram que o terceiro trimestre dos balanços revelam o menor índice de ocupação da década, 5,9% da mão de obra ativa.

Ela lembra as condições em que seu marido, Nestor Kirshner, governou o país a partir de 2003, durante a maior crise econômica e endividamento da Argentina. Cristina encerra seu mandato tem pago as dívidas com o FMI, assim como Lula o fez no Brasil, se livrando de intervenções desagradáveis do organismo internacional. De 130% do PIB, o endividamento caiu para 9%. Por outro lado, seu governo sequer tinha acesso aos mercados de capitais para eventuais empréstimos. “Nosso país sofreu uma política desindustrializadora devastadora, para se tornar um país de serviços”.

Ela afirmou que houve uma inversão de prioridades quando ela passou a gastar 6% do PIB com educação e 2% para pagamento de serviços da dívida. Com isso, ela conseguiu fundar 19 novas universidades nacionais públicas e gratuitas. “Isso permitiu que centenas de milhares de filhos de trabalhadores chegassem a universidade pela primeira vez”, disse ela, lembrando um cenário muito semelhante ao brasileiro nos anos de Lula e Dilma.

“Os dólares vêm, quando recebem remuneração adequada, não porque o presidente é um velho, branco e loiro”, ironizou ela. E os dólares que ela diz precisar são para investimento produtivo, não para especulação financeira. 

Cristina recorda que a Argentina era um país em que, nos feriados prolongados, as rodovias ficavam intransitáveis, por todos os lados do país, e Ezeiza com voos para Miami e Brasil. Os shoppings eram lotados e os restaurantes sem mesa disponível. Os argentinos podiam programar suas ferias e compras de maior monta. Sabiam quanto iam pagar de aluguel, de gás, quanto iam receber de salário. “Foram eles que desorganizaram a vida dos argentinos”, acusou.

Enquanto nós remávamos contra a corrente, distribuindo renda e riqueza, a imprensa em conluiu com a oposição criaram um sentido comum nas populações de que as coisas que conquistaram não se deviam a um governo, mas ao esforço pessoal de cada um. “O ataque midiático era formidável e por todos os lados. E antes que vieram esses governos, essas pessoas não trabalhavam, não se esforçavam? Seguramente faziam o mesmo, mas se o país não fizer sua parte, não adianta todo o esforço pessoal”.

“E para completar, diziam que o que faltava ao trabalhador era culpa do governo. E começaram a criminalizar as políticas sociais. O que lhe faltava era culpa do governo que dava para quem não tinha nada.” 

Cristina não se furta a sugerir a formação de uma nova maioria para combater essa propaganda ideológica de direita. Como construir uma nova maioria? Essa é uma questão importante em toda a América Latina. “Trata-se de como construir uma nova maioria que possa reunir forças políticas favoráveis a mudanças. Temos que construir frentes sociais de todos aqueles que são agredidos por essas políticas. Temos que resistir, para resistir temos que nos organizar, e para nos organizar temos que ter uma estratégia clara. Trazer de volta essas pessoas que foram confundidas”, concluiu.

“Estes espaços de debate não podem ser autoindulgentes. Temos que interpelar a sociedade a partir de como viviam e as coisas que conquistaram com aquelas políticas e como estão agora com as políticas neoliberais”, encerra ela.