Miguel Nicolelis: Brasil não pode renunciar a sua soberania científica
À convite da Associação de Pós Graduandos da USP Helenira Rezende (APG-USP), nesta quinta-feira, o cientista Miguel Nicolelis ministrou a aula magna “Universidade, Estado e Democracia: desafios e perspectivas para a ciência brasileira” aos ingressantes dos cursos de mestrado e doutorado da universidade.
Durante cerca de três horas, o neurocientista reconhecido internacionalmente deu um testemunho de paixão pela ciência e pela ousadia da invenção do conhecimento. Mostrou seu projeto de Campus do Cérebro em Macaíba, sertão do Rio Grande do Norte, onde se propôs a formar cientistas desde o útero materno, utilizando alta tecnologia e pedagogia que casa “a ousadia de Santos Dumont com o humanismo de Paulo Freire”. Contou de forma saborosa, os resultados extraordinários do projeto, que hoje faz parte dos aparelhos sustentados pelo Governo Federal. Algo que foi comemorado em outros tempos, hoje, de acordo com Nicolelis, não tem a menor garantia de que vá se manter com a atual política de cortes em ciência e tecnologia do Governo Temer.
Nicolelis mostrou pesquisas internacionais que mostravam o Brasil como um dos “players” em investimento científico de ponta, com investimentos crescentes, interrompidos pelo impeachment da presidenta Dilma. O impacto da Lava Jato sobre a Petrobras, empresa que mais investe em inovação e tecnologia, também foi criticado. Ele mencionou as marchas de cientistas ocorridas, recentemente, nos EUA, devido aos cortes de investimento de Donald Trump e lamentou a falta de mobilização da universidade e institutos brasileiros diante de políticas muito mais graves.
Nicolelis mencionou o conceito de utopia, como aquela referência que nos faz caminhar pra frente, já que nunca será alcançada. Para ele, é esta referência de ousadia, de buscar fazer melhor que qualquer outro país do mundo, que falta entre os cientistas brasileiros. Ele criticou o complexo de vira-latas que já o atacou de tantas formas, mas que nunca o impediu de seguir em frente em suas ambições científicas.
“O nosso grande drama hoje é a desinformação. A questão da ciência é uma questão de soberania nacional. As sociedades que renunciarem à produção do conhecimento de ponta, a produção da sua própria ciência e tecnologia renunciam a sua independência enquanto nação, enquanto sociedade. É isto que está em jogo. Se o nosso país quer continuar sendo uma nação ou quer se transformar única e exclusivamente em um vassalo de outras nações”, declarou.
Nicolelis falou das dificuldades de se fazer ciência no Brasil, dos problemas relacionados ao financiamento da pesquisa, do retrocesso representado pelo encerramento do programa “Ciência Sem Fronteiras”, que deu oportunidade a dezenas de milhares de jovens cientistas brasileiros a estudarem em universidades de ponta no exterior, mas teve seu fim anunciado pelo governo.
Mais renomado neurocientista brasileiro da atualidade, Nicolelis atribuiu o retrocesso que vive a ciência no Brasil à histórica falta de clareza das elites políticas nacionais sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento soberano para o país. Evocou a responsabilidade política da comunidade científica na realidade pós golpe. “É muito importante que os cientistas se deem conta do que se passa no país de verdade e passem a atuar na vida nacional”.
Engajado na resistência contra o golpe jurídico-parlamentar no Brasil, Miguel Nicolelis afirmou que a maior violência praticada no país foi rasgarem as regras da eleição. E defendeu que o momento é de a academia ter posição: “cientista também tem direito à opinião, de ter visão política, ter um projeto de Nação e externar esse projeto com toda a liberdade. Tem direito a ter lado. O meu lado, deixo bem claro, é o do Brasil e da democracia brasileira”.
Ele mencionou seu retorno recente ao Largo São Francisco para defender a democracia brasileira diante do golpe de 2016. “Eu nunca imaginei que eu estaria, quase quarenta anos depois, na mesma vida, de volta ao mesmo auditório da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para falar da possibilidade de outro golpe de estado”, lamentou o cientista, após mencionar a geração de professores nos quais ele se espelhava, que desapareceram na USP durante a ditadura militar. “Eu escapei por muito pouco de estar entre a geração que foi dizimida pelo golpe militar”.
Aula histórica
Para a coordenadora da APG-USP, Gabrielle Paulanti, a aula do professor Miguel Nicolelis foi histórica para a entidade e para a própria Universidade de São Paulo. “Nesse momento de golpe na democracia, é significativo que um grande cientista brasileiro, com enorme prestígio internacional, tome posição política na maior universidade do Brasil contra a agenda regressiva que vem sendo implementada à revelia da vontade popular”, afirmou ela à reportagem do portal Vermelho.
A dirigente estudantil destacou o fato de Nicolelis não ter restringido sua exposição apenas ao seu trabalho científico, mas também sobre o papel político e social da ciência. Para ela, “além de conhecermos mais a pesquisa e o trabalho do professor, essa aula nos trouxe mais confiança na ciência brasileira e sua potencialidade de mudar a realidade e diminuir desigualdades”.
Sobre Nicolelis
Graduado em Medicina e doutor em Fisiologia Geral pela Universidade de São Paulo, Nicolelis tem pós-doutorado em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann, na Filadélfia (EUA). Apontado pela Revista Scientific American como um dos 20 maiores cientistas da atualidade, o cientista lidera grupos de pesquisadores que empregam as ferramentas computacionais da robótica e da neuroengenharia para desenvolver neuropróteses com potencial para restaurar a mobilidade de pacientes paralisados por trauma ou degeneração do sistema nervoso central. Nos seus laboratórios também são estudados os mecanismos neurofisiológicos e possíveis novas terapias para a doença de Parkinson.
Em 1994, passou a atuar como professor do Departamento de Neurobiologia e Codiretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University, nos Estados Unidos. Em 2003, retornou ao Brasil e criou, no Rio Grande do Norte, o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IIN-ELS). É fundador e preside voluntariamente a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) desde sua criação, em 2004.
O evento
O evento foi uma iniciativa da Associação de Pós-Graduandos da USP Capital – APG Helenira ‘Preta’ Rezende, realizado no Auditório Professor Francisco Landi, que fica no Prédio da Administração da Poli, no campus do Butantã, em São Paulo.
Perfil – Nicolelis foi apontado pela Revista Scientific American como um dos 20 maiores cientistas da atualidade. Ganhou 40 prêmios internacionais e publicou mais de 200 artigos, dos quais 12 na Science e na Nature, as revistas científicas mais importantes do meio científico.
Graduado em Medicina e doutor em Fisiologia Geral pela Universidade de São Paulo, Nicolelis tem pós-doutorado em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann, na Filadélfia (EUA). O cientista lidera grupos de pesquisadores que empregam as ferramentas computacionais da robótica e da neuroengenharia para desenvolver neuropróteses com potencial para restaurar a mobilidade de pacientes paralisados por trauma ou degeneração do sistema nervoso central. Nos seus laboratórios também são estudados os mecanismos neurofisiológicos e possíveis novas terapias para a doença de Parkinson.
Em 1994, passou a atuar como professor do Departamento de Neurobiologia e Codiretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University, nos Estados Unidos. Em 2003, retornou ao Brasil e criou, no Rio Grande do Norte, o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IIN-ELS). É fundador e preside voluntariamente a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) desde sua criação, em 2004.
A Associação de Pós-Graduandos da USP Capital – APG Helenira ‘Preta’ Rezende representa os alunos de pós-graduação da USP que estudam em todas as unidades da Capital: Faculdades da Cidade Universitária, Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Instituto de Medicina Tropical, Faculdade de Saúde Pública, Escola de Enfermagem, FAU Maranhão e Escola de Artes, Ciências e Humanidades.