O papel da “aristocracia operária” no golpe em curso
Sem entrar no importante mérito das novas configurações das relações de trabalho, onde o fordismo sai de cena para dar lugar a formas e processos de produção segmentados, flexíveis e pulverizados – com a emergência de uma nova classe operária que dificilmente se agrupa fisicamente em seus locais de trabalho e se aliena à máxima potência do resultado de seu trabalho -, aquilo que Marx, Engels e Lenin chamavam de a “aristocracia operária” ganhou imensa força política em nosso país nos últimos anos.
Em suas épocas, ao se referirem a uma parcela minoritária, porém numericamente extensa do movimento sindical inglês, Marx e Engels batizou de “aristocracia operária” as organizações de trabalhadores com qualificação acima da média do restante da classe operária, que era habitualmente identificada com os “artesãos”, ou seja, trabalhadores e artífices qualificados nas palavras de Eric Hobsbawn, e que flertava com “os perigos da ‘espontaneidade’ e do economicismo ‘egoísta’ no movimento sindical”. Lênin, mais adiante, mencionava esta “aristocracia operária” como sendo “uma aristocracia dentro da classe trabalhadora”.
No Brasil, há muitos segmentos dessa nova “aristocracia operária” que ascendeu enquanto categoria justamente após a adoção de uma nova agenda política de retomada dos investimentos públicos no fortalecimento do Estado Nacional.
A partir de 2003, o Brasil passou a conviver com constantes novos editais de concursos públicos e investimentos em áreas que antes estavam à míngua. É visível o novo patamar alcançado por órgãos, agências e instituições públicas, tais como o Ibama, a Polícia Federal, as universidades públicas e os institutos federais, os bancos públicos, a Receita Federal, entre tantos outros.
Destaca-se também o fato de que essa importante parcela dos trabalhadores mais qualificados, formados nas diversas áreas dos saberes, quase sempre egressos das melhores universidades consolidadas nos grandes centros, puderam ter mais espaço político diante de um novo momento de abertura democrática patrocinado pelos governos Lula e Dilma.
Ressalta-se, também, a adoção do tal “republicanismo”, onde categorias se sentiram cada vez mais estimuladas a agirem à margem de uma agenda de governo para seguirem suas pautas próprias interpretadas como de interesse do Estado republicano.
Em outras palavras, setores estratégicos do novo proletariado brasileiro foi se deslocando da luta comum dos demais trabalhadores, agindo em separado das reivindicações da grande maioria da classe operária. Para esta “aristocracia operária”, a pauta moralista do combate à corrupção – onde na maioria das vezes é ela própria quem se apresenta como a guardiã dos valores morais da sociedade – aparece em primeiro plano, de forma mais destacada do que a própria defesa do emprego e da oposição à precarização do trabalho.
E com o discurso do combate à corrupção, essa “aristocracia operária” acabou fazendo o jogo de seus algozes, ou seja, os neoliberais que agora estão de volta ao governo impondo uma agenda de flexibilização do trabalho e enxugamento do Estado Nacional. A própria reforma trabalhista aprovada é uma demonstração inequívoca da vacilação desse segmento da classe trabalhadora.
Por mais qualificados que sejam em suas áreas específicas de atuação, essa “aristocracia operária” é analfabeta política. Confunde a corrupção inerente a um sistema político como sendo a de um governo. Compram gato por lebre ao serem iludidos pelo “lacerdismo” e pelo moralismo burguês, bombardeados diuturnamente pela grande mídia privada. E o pior, agem de forma sectária, olhando para o próprio umbigo, tornando-se presas fáceis do inimigo de classe.
Lênin, já em 1922, no início da construção da Nova Política Econômica (NEP) da União Soviética, alertava que “os sindicatos só são efetivos quando unificam camadas muito amplas de operários sem partido”. Em outras palavras, clamava para que o sindicalismo agisse como uma frente ampla, aprofundando suas relações com as massas, educando-as em torno de seus direitos e deveres enquanto classe operária.
De entrada, há de se estudar o porquê de nos governos Lula e Dilma ter havido uma média de greves entre a “aristocracia operária” muito superior ao dos governos FHC. Se, por um lado, a explicação da abertura democrática patrocinada por Lula e Dilma pode justificar as greves na iniciativa privada, o mesmo argumento não vale ao setor público que, tanto em governos liberais ou progressistas, sempre gozou de o mínimo necessário de liberdade e autonomia.
Ocorre que boa parte do sindicalismo brasileiro, fundamentalmente desta elite do setor público federal, se degringolou. Acomodou-se na simples tarefa de cobrar dos governos reivindicações corporativistas que mais atendem a interesses particulares de alguns setores em detrimento da coletividade. Na área da educação pública federal, por exemplo, esse fenômeno atingiu o seu ápice.
Andes e Sinasefe, duas das mais importantes organizações sindicais na área da educação, chegaram a liderar um movimento “paradista” contra o Reuni (o programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). E ao contrário da amplitude política tão destacada por Lênin, esses sindicatos pouco se diferenciaram de partidos políticos, onde a maioria de seus dirigentes discursavam as mesmas palavras de ordem típicas do PSTU ou do Psol como o “Fora Todos”.
E o que dizer da tal Associação dos Delegados da Polícia Federal, que adotou na íntegra o discurso da extrema direita e se posam como os representantes dos cidadãos de bem na cruzada contra o eixo do mal?
Ou a “aristocracia operária” desce do seu pedestal e, como se diz no popular, calce as “sandálias da humildade” a fim de marcharmos todos juntos, classe trabalhadora unida, ou despencará de seu mundinho de classe média enquanto assiste o país explodir em meio a sua mais devastadora crise social.