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Destacado líder na construção e execução da política externa brasileira durante a gestão do ex-presidente Lula, ele teve importante papel na construção dos Brics e na decisão dos governos petistas de priorizar as relações Sul-Sul. Foi um dos organizadores do Foro de São Paulo, entidade que reúne a esquerda da América Latina e do Caribe.

Um dos fundadores do PT, Garcia era professor aposentado do Departamento de História da Unicamp e historicamente ligado à esquerda. Lecionou ainda na Universidade do Chile, na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Chile) e nas Universidades de Paris-VIII e Paris-X (França).

Nos anos 60, foi vice-presidente da UNE e vereador na cidade de Porto Alegre. Entre 1970 e 1979, esteve exilado no Chile e na França. 

 

Participação de Marco Aurélio Garcia na Oficina de Fundações do último dia 14. (Foto: Cezar Xavier)

Foi ainda secretário de Cultura nos municípios de Campinas (1989-1990) e São Paulo (2001-2002), e vice-presidente do PT de outubro de 2005 a fevereiro de 2010.

Coordenou o Programa de Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 1994, 1998 e 2006, e o Programa de Governo da Presidente Dilma Rousseff na eleição de 2010.

Fundações

Na última semana, ele participou, na sede do PCdoB, de encontro realizado pelas fundações Mauricio Grabois (PCdoB), Perseu Abramo (PT) e Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (PDT). 

Debatedor na mesa “Caminhos e alternativas para tirar o Brasil da crise e fazê-lo se reencontrar com a democracia, o Estado de Direito, o desenvolvimento e o progresso social”, ele  avaliou que a atual reconfiguração do capitalismo brasileiro anula conquistas populares de muitas décadas e impõe “um programa autoritário e excludente”, rejeitado nas urnas.

“A democracia política, econômica e social não pode ver-se avassalada por uma coalizão empresarial, hegemonizada pelo capital financeiro, que busca impor ao país, contra a maioria da sociedade, legislações trabalhistas e previdenciárias regressivas, ao mesmo tempo em que fragiliza – quando não destrói – os componentes mais dinâmicos de seu sistema produtivo”, disse à ocasião. 

Garcia defendeu que precisam ser criadas as bases para que o país experimente um prolongado período de crescimento sustentável do ponto de vista social, capaz de produzir a redução constante da pobreza e da desigualdade e ao mesmo tempo conseguir equilíbrio do ponto de vista macroeconômico. Para isso, ele apontou que é necessário que o Estado tenha forte presença em setores estratégicos da economia.

Diversidade ideológica  

MAG, como era conhecido, foi artífice da construção da política externa brasileira durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido um dos idealizadores das relações Sul-Sul e dos Brics. Ele era filiado ao PT e professor aposentado da Unicamp.

Garcia nasceu em Porto Alegre e atuou no movimento estudantil de esquerda no anos 60. Em 1979, voltou do exílio na França e ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores.

Foi secretário de Cultura nos municípios de Campinas (1989-1990) e São Paulo (2001-2002), e vice-presidente do PT entre 2005 e 2010. Nas eleições de 1994, 1998 e 2006 coordenou o Programa de Governo do presidente Lula, e também o de Dilma Rousseff, em 2010.

Em 1990, como secretário de Relações Internacionais do PT, foi um dos organizadores e fundadores do Foro de São Paulo, que reúne a esquerda da América Latina e Caribe. Formou-se Filosofia e Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi pós-graduado na Escola de Altos Estudos e Ciências Sociais de Paris. Além da Unicamp, também foi professor na Universidade do Chile, na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, e nas Universidades Paris VIII e Paris X, na França.

Perfil

Garcia começou a carreira como vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e militante do Partido Comunista, “a única opção de esquerda em Porto Alegre” na época, contou, em entrevista a Opera Mundi em 2009. Para seu grupo, Luís Carlos Prestes era uma figura respeitada, mas já do passado. Os jovens eram mais inspirados pelo que se passava em Cuba, onde um punhado de guerrilheiros barbudos conseguira derrubar a ditadura de Batista.

“No início, a gente desconfiava um pouco da Revolução Cubana, parecia um modelo muito heterodoxo. As coisas mudaram com o golpe de Estado no Brasil: começamos a olhar para o Partido Comunista de maneira muito mais crítica e a acreditar na luta armada”, contou.

Um ano em Paris – onde a mulher e parceira intelectual Elisabeth Souza Lobo queria estudar sociologia da literatura – confirmou a sensação de que o mundo inteiro estava prestes a passar por uma revolução.

“Eu queria escrever uma tese sobre a sociologia do marxismo no Brasil, que acabei não fazendo. Decidimos que não podíamos perder mais tempo na Europa, era urgente participar deste processo”, lembrou. Em Paris, não dava para entender o alcance do Ato Institucional número 5, de dezembro de 1968, decreto mais duro do regime militar. 

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Quando o casal chegou a Porto Alegre, em janeiro de 1969, a universidade tinha lhe retirado a oferta de um posto de professor. O jovem historiador tornou-se, assim, jornalista no diário gaúcho Zero Hora. “Foi legal. Aprendi a escrever rapidamente, com mais objetividade, e perdi minhas ilusões: no final das contas, o que você escreve hoje é usado para embrulhar o peixe na feira do dia seguinte”, contou, rindo.

“Nunca fui trotskista, apesar do que todo mundo acha, inclusive o Lula. Eles veem como prova o nome do meu filho, Leon, mas não tem nada a ver com Trotsky, é só um nome bonito”, insiste, sem convencer. Marco Aurélio apenas reconheceu ter sido influenciado pelo pensamento trotskista, que o ajudava a “escapar dos esquemas tradicionais”, e ter mantido “boas relações com os quadros da LCR [Liga Comunista Revolucionária, da França]”.

A pressão dos militares incentivou o casal Garcia a deixar o Brasil mais uma vez. “Naquele momento, me senti um desertor, alguém que fugia de uma obrigação moral muito forte. Retrospectivamente, fizemos bem”. Marco Aurélio e Elisabeth foram para Montevidéu, de onde fogem depois de alguns meses, no dia da queda dos tupamaros. “Eu vivi o filme ‘Estado de Sítio’, do Costa-Gavras, ao vivo”. 

Destino: Santiago do Chile, sacudida pela recente eleição de Salvador Allende. “O Chile era uma democracia e a chegada ao poder da Unidade Popular foi uma experiência única. Para mim, era também a possibilidade de dar aula numa universidade, que era meu sonho”.

“Toda minha vida, fiquei dividido entre a militância política e a vontade de fazer carreira universitária. Talvez por isso, acabei não sendo nem um bom político, nem um bom intelectual. A divisão teve sua riqueza: o trabalho intelectual pode ser útil para o militante, e vice-versa. Acho a esfera acadêmica excessivamente dominada por uma perspectiva cética. O ceticismo é importante, mas ter algumas certezas pode ajudar a escolher o bom caminho intelectual”, disse.

Chile

Membro do MIR, um dos principais grupos da esquerda chilena da época, ele assistiu, impotente, à derrubada do governo socialista e da Unidade Popular, em setembro de 1973. “No dia do golpe, estávamos uns 40 reclusos na universidade, com algumas armas ridículas, esperando o levante popular que, obviamente, nunca aconteceu”.

Após ficarem presos por algumas horas, os brasileiros conseguiram se refugiar na Embaixada do Panamá, antes de se espalhar entre a Argentina, ainda democrática, o México e a Europa. Marco Aurélio e Elisabeth escolheram Paris, onde acabaram ficando de 1974 a 1979, dando aulas na universidade. Na época, a capital francesa era uma verdadeira encruzilhada de latino-americanos.

O MIR encarregou Marco Aurélio de organizar a militância na Europa. Munido de um passaporte de refugiado, podia circular à vontade para organizar reuniões e juntar dinheiro para a resistência. Mas as missões podiam ser bem mais complicadas. Certa vez, o comando do partido pediu para ele levar para os companheiros clandestinos no Chile 110 mil dólares, uma fortuna para a época.

”Sabia que era muito perigoso. Todos os que tentaram cumprir esta tarefa antes acabaram mortos em alguma parte do Chile”, diz. Marco Aurélio não tinha disposição para o heroísmo, mas acabou topando. “Uma vez mais, senti o peso daquela obrigação moral e política”.

Em 1979, a distensão do governo militar permitiu ao casal Garcia (Marco Aurélio e Elisabeth) voltar para o Brasil, desta vez diretamente para São Paulo. Na chegada, encontram outro país, um movimento operário potente e um novo líder: Lula. A criação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, parece um sopro de ar fresco.

“O partido tinha uma diversidade extraordinária, que impedia qualquer ortodoxia. A coisa que nos seduzia muito é que o setor hegemônico, constituído pelo núcleo sindical, não tinha nenhuma ideologia hegemônica”, lembra. A partir deste momento, a aventura do PT confundiu-se com a luta pela redemocratização do país e a conquista da presidência.

Sua querida Elisabeth Souza Lobo, mulher e parceira intelectual, não veria o sonho se realizar. Em 1991, ela falece brutalmente num acidente de carro. Marco Aurélio era muito discreto em relação a este episódio, como explicou em artigo escrito na época: “Não vejo razão, nem interesse, para falar dos sentimentos de ausência e perda que me atravessam e, imagino, a todos aqueles que estiveram muito próximos de Elisabeth, não apenas no plano intelectual e político” (Teoria & Debate n° 14, em 30/06/1991).

A eleição de Lula em 2002 e as primeiras batalhas no governo mudaram sua percepção das qualidades do PT. “Com o tempo, a falta de ideologia hegemônica virou um problema, que começamos a entender de maneira aguda depois da eleição de Lula. Como partido de esquerda, tínhamos dado um passo importante com a decisão de disputar o poder. Mas com uma concepção do poder errada, como se fosse um lugar, o proverbial palácio de inverno. O poder não é um lugar, é uma relação de força”.

Com Lula, o país avançou muito, mas a esquerda não tomou o poder, na concepção dele: “Como você pode considerar que tomou o poder com a imprensa que temos no Brasil? Ou com o peso do capital financeiro?”. Por este erro, Garcia se sentia responsável, junto com os outros intelectuais do partido. “Era nossa tarefa, não a dos dirigentes operários”.

O julgamento de Garcia, na época, sobre a atuação do PT, era duro: “Tudo o que um partido de governo tem que fazer não foi feito. O PT tinha que, de um lado, cobrar mais do governo sobre questões como a política econômica, e do outro, felicitar o governo  quando anunciava por exemplo um forte aumento do salário mínimo. Mais que tudo, o partido tinha que apoiar o governo em momentos cruciais, como a crise de 2005 [causada pelo chamado mensalão]. Ao contrário, o partido ficou silencioso, perplexo”.

Garcia ficou no governo Dilma até o golpe contra a então presidente, em 2016.

 Com infos do Portal Vermelho e Opera Mundi