A manhã sem alquimia, sem entretons mal nasce

e já breu outra vez.

 

O sol negro da alegria impele-nos ao delírio 

e crava um novo carnaval:

 

em nossa cruz, em nossa crise.

 

A bossa estéril do sistema financeiro internacional

faz também a gente triste sorrir e rebolar para rebater

a diuturna ração sombria de juros, os requebros de desemprego

 

e de improdutividade massacrada.

 

Nossa alma desdentada desdenha do fim do mundo

do sistema que trina em agonia entre uma e outra queda 

do dólar, do índice Nasdaq, das bolsas da China –

 

simples síncopes / tristes trópicos.

 

Daremos chiliques e morreremos de desesperado prazer,

celebraremos a depressão e os barbitúricos, mal do século,

mal do self… e a tirania de fascistas imprevistos rola no gélido asfalto.

 

E beijaremos, que dançar sem beijar não tem graça, no meio deste bacanal!

 

Homens de bem e de gravata, cara botulínica, cabelos falsos

enfiarão no bolso dos viventes do porão um tufo de tudo que perderemos;

que perderemos sem jamais ter ganho, cães que somos, sem penas e desejo.

 

De uma nota só samba: “e voltei pra minha nota”.

 

Segue o baile. Segue o baile banhado em máscaras.

Capital puro, art pour l´art – Al carajo, pendejos!

Nosso enredo de afogados quem, entre álcoois, ouviria?

 

E eu? um ET à toa, todavia a vida toda:

 

Vou ao porre bíblico, ao porre voltarei.

Vou cantar por toda vida: contra os business men.

Vou contar com o cordão dos derrotados.

Vou dançar contra os homens brancos da velha família.

Vou contar com o cordão dos derrotados.

Vou dançar com os negros contra Wall Street.

Vou contar com o cordão dos derrotados.

Dançaremos, dançaremos e dançaremos.

Até que o sol se encante, esquente e resolva

por vida novamente neste frio corpo chamado planeta,

que tanto cheira às etéreas notas do dinheiro.

 

Autofonia / Alexandre Pilati. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2017.