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    Comunicação

    A história de um retrato

    I   Meu pai teve 8 filhos – Uma nação – E por eles lutou feito um leão. Teria fracassado Se não tivesse ao seu lado Uma leoa. (Ela tinha doçura nas garras, E era tão ou mais sábia do que ele.) O amor era o que os entrelaçava, Os atracava, sempre, àquela casa. Doaram-se […]

    POR: Adalberto Monteiro

    I

     

    Meu pai teve 8 filhos

    – Uma nação –

    E por eles lutou feito um leão.

    Teria fracassado

    Se não tivesse ao seu lado

    Uma leoa.

    (Ela tinha doçura nas garras,

    E era tão ou mais sábia do que ele.)

    O amor era o que os entrelaçava,

    Os atracava, sempre, àquela casa.

    Doaram-se aos quatro filhos,

    Doaram-se às quatro filhas.

    Sabe um rei, uma rainha que mereçam

    Verdadeiramente esses nomes?

    – Eram eles.

    Renunciaram a tudo

    Pela prole:

    O país.

     

    II

     

    Trabalhava de domingo

    A domingo.

    O martelo no pé de ferro,

    A ponta do prego

    Dobrada com esmero.

    Dele me recordo,

    O cheiro de sola e da cola

    De sapateiro.

    Dele me recordo,

    Do perfume da loção

    Com que banhava a face

    Depois que a gilete

    Arava seu rosto,

    Desbastava a barba,

    Sem sacrificar

    O elegante bigode.

    Dele não me esqueço,

    Por aquele cheiro

    De café quente

    Que povoava a casa,

    Que ele bebia encostado

    No portal da cozinha,

    Olhando para as fruteiras

    Do quintal.

    Às vezes seu rosto me fica oculto,

    Cobre-lhe a fumaça do cigarro…

     

    III

     

    Aos sábados

    Trabalhava de garçom

    No salão de festas do Jockey Club.

    Lá varava a madrugada.

    Naquela época,

    Nas tampinhas dos refrigerantes

    Quando se raspava a cortiça

    Algumas delas eram premiadas.

    Ele mesmo na dura jornada,

    Pacientemente, as recolhia,

    Enchendo os bolsos

    Do jaleco e da calça.

    Pelas manhãs de domingo

    Era aquela farra.

    Aquele suspense, a demora interminável.

    A cada tampinha contemplada,

    Destampava-se um grito

    Como se um tesouro tivesse

    Sido encontrado.

     

     

    IV

     

    Aos domingos

    Meu pai

    Vendia apostas

    No hipódromo da cidade,

    Levava em revezamento

    Cada um dos meninos.

    Eu ali na arquibancada,

    Entre os ricos e as madames

    Do lugar.

    Banhado, penteado,

    A roupa alva bem lavada e passada,

    Que ela mesma costurara,

    Um sapato de couro preto reluzente,

    Que ele mesmo fabricara.

    Criança amada,

    Caminhava de queixinho erguido

    Entre aquela gente grã-fina,

    Que me assustava

    Quando uma égua malhada

    Na qual um grupo apostara

    Cruzava em primeiro a linha de chegada.

     

    Conforme combinado,

    De tempos em tempos,

    Eu me apresentava

    Ao guichê onde ele trabalhava.

    Perguntava se estava tudo bem,

    E me dava uns trocados

    Para a guloseima que escolhesse.

     

    V

     

    Por uns tempos,

    Tocou um bar

    Que ficava no caminho

    Do nosso grupo escolar.

    Foi quando vi uma cena

    Que me impactou para todo o sempre.

    Ele atrás de uma máquina,

    Que tinha hastes que giravam em espiral…

    Meu infante coração disparou:

    Meu pai sabia a mágica de fazer sorvete.

    Você quer de quê?

    Tem de creme, chocolate, uva e de manga.

    E eu, de admiração, mudo.

    Na infância,

    Não tinha por que invejar nenhum pai desse mundo.

     

    VI

     

    Dele sabemos de seus defeitos,

    Mas minha mãe já nos ensinara

    O que aprendera com Deus e a vida: a perdoar

    Os talvez pecados.

     

     

    Monteiro, Adalberto

    Pé de Ferro & Outros Poemas

    São Paulo > Fundação Maurício Grabois; Anita Garibaldi, 2017

     

     

     

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