A extrema direita mostra que tem pouco fôlego para manter a mobilização de 2018; a esquerda não avança deste o golpe, em 2016; e a direita tradicional se prepara com força para os desafios de 2022. A constatação é do professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Lincoln Secco, ao fazer um balanço geral do resultado das urnas e apontar as tendências que surgem desse resultado. Segundo ele, o Centrão e partidos como PSD e MDB devem lançar candidaturas de direita como alternativas a Bolsonaro em 2022.

Após o segundo turno das eleições municipais de 2020, um balanço geral confirma uma “alavancada” dos partidos que fazem parte do Centrão. Entre eles, estão o PP, que foi o 2º partido com maior número de prefeituras no Brasil, e o PSD, em 3º lugar. Com mais prefeituras ficou o MDB, mas com certo encolhimento em relação a 2016. O PT também teve uma queda, sem nenhum representante em capitais, pela primeira vez, desde a redemocratização. 

Fôlego curto, mas constante

Secco explica que é difícil medir a força do bolsonarismo para a próxima eleição a partir da sua presença institucional. “A política brasileira ainda é feita por meio de forças partidárias, pois são eles que dão capilaridade aos candidatos em cada cidade e, como o atual presidente não tem partido, é difícil ter candidatos que possam representá-lo”, explica o professor.

Também diz que, ainda que muitos desses partidos apoiem o presidente, os partidos do Centrão “não são exatamente o bolsonarismo em termos partidários”. “Já é um fracasso dele não ter constituído um partido”, resume.

“O bolsonarismo é uma força isolada no campo da direita”. Ele pondera que não é possível determinar a dimensão do papel de Bolsonaro nos próximos anos, já que sua popularidade e mobilização tem surpreendido os especialistas.

Ele ressalta que o pensamento de extrema direita demanda mobilização permanente, e tem conseguido fazer isso com um núcleo duro de cerca de 10% da população. “Mas ele ainda tem 30% de apoio como presidente, o que o credencia para estar num segundo turno em 2022, a depender do desempenho econômico do governo nos próximo anos”.

Prefeitos bolsonaristas

Sobre a derrota de grande parte dos prefeitos apoiados por Bolsonaro, Secco não acha automático interpretar que o apoio do presidente tenha sido a causa direta de suas derrotas. Acredita que os contextos locais têm mais peso nas eleições municipais e que não é tão simples a transferência de apoio por figuras nacionais a candidatos locais. Ele citou o caso da gestão Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, muito mal avaliada, e da figura de Celso Russomanno, em São Paulo, que, pela terceira vez começa bem como candidato da direita popular, malufista, e desidrata durante a campanha.

“Parece ser mais um problema dos candidatos que do apoio bolsonarista”, observa, acrescentando que não adianta ter apoio de uma figura nacional se o candidato não é bom localmente. Ele mencionou casos em que o presidente Lula também não conseguiu transferir prestígio a candidatos locais.

O especialista destaca uma queda notória do bolsonarismo, mais em São Paulo, que em outras regiões.

Vitória da direita tradicional

Secco acredita que, no balanço geral, quem venceu a eleição foi a “direita mais tradicional”, representada pelo Centrão e por partidos tradicionais como PSD e MDB, que vêem do mesmo lugar histórico de partidos que foram mudando de nome ou saindo como dissidências de outros partidos de direita bem conhecidos. “Não são partidos de ontem”. Segundo ele, esse grupo poderá ter força suficiente para formar um campo de direita tradicional e lançar candidaturas alternativas a Bolsonaro em 2022.

Sobre uma possível reeleição, o professor pontua que a situação do presidente é complicada, pois ele teria que se ligar novamente a algum partido para ganhar força, talvez algum dentro desse grupo da direita tradicional. Porém, ao se ligar a um desses partidos, Bolsonaro iria contra o seu discurso antissistêmico e antipolítico que o tornou popular, afirma o especialista.

“Bolsonaro não tem a habilidade de um Rodrigo Maia para articular esses partidos de direita. Só consegue se manter popular a partir de uma retórica antissistêmica e antipolítica. Vincular-se a algum desses partidos seria o beijo da morte”, compara.

O desempenho da esquerda

Em relação à esquerda, Secco acredita que o PT está com sua força caindo desde 2016, se comparado a 2012. Para ele, muito antes desta eleição, aquele ano já fora um tombo histórico para o Partido dos Trabalhadores com a perda de muita prefeituras. O partido governava cerca de 17 milhões de brasileiros, caiu para 6,8 milhões em 2016, e, agora, governa cerca de 6,9 milhões. A queda em número de prefeituras também foi maior em 2016, lembra ele.

Comenta que o PT é um partido de mais força no interior que nas capitais, principalmente no Nordeste. Ele lembrou que o PT já havia perdido nas capitais do Nordeste, em 2018, se interiorizando desde o Governo Lula.

“O que chama mais a atenção no caso do PT são essas derrotas de segundo turno, mas também, e principalmente, em São Paulo. Neste caso, foi erro de estratégia, mesmo”, avalia.

Liderança de Boulos

Para ele, a candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo trouxe uma figura de um representante de movimentos sociais, com o apoio simbólico da ex-prefeita Luiza Erundina. “Substituiu o PT (e Fernando Haddad), em São Paulo, com uma imagem do PT de 30 anos atrás”, constatou.

Enquanto Boulos não tinha credenciais de gestor, o PT escolheu um candidato que só tinha credenciais de gestor, na opinião dele. “Ou o PT entrou para perder, ou não entendeu o que aconteceu na política brasileira nos últimos anos”, criticou.

Com isso, Boulos agrega ao currículo um valor de liderança nacional de esquerda que poderia ter sido de Haddad. Ele teria ganho força nacionalmente para uma possível candidatura para presidente, mas sofre pelo fator de que o PSOL ainda é uma sigla pequena, incomparável com o tamanho do PT.

No geral, Secco afirma que os partidos de esquerda, inclusive aqueles de centro-esquerda como PDT e PSB, não cresceram, desde 2016, mostrando uma situação “estacionária e mais fragmentada”. “Ser uma frente política de um candidato só, deveria ser o caminho da esquerda, o que eu duvido muito que ocorrerá”, previu.

Edição de entrevista à Rádio USP