‘Ao revogar a Lei de Segurança Nacional, Câmara reafirma a democracia’**
Há tempos que diversos segmentos da sociedade brasileira clamam pela remoção do entulho autoritário, herança do regime militar, que resta vivo na Lei de Segurança Nacional. Há mesmo uma controvérsia acerca de sua recepção pela Constituição de 1988. Esta lei tem claro pendor antidemocrático, posto que construída ainda na concepção de “inimigo interno” que ameaçava o poder de turno, no caso o dos generais.
Por sua estrutura, a Lei de Segurança Nacional pretendia dificultar a organização política das oposições através de partidos, sindicatos ou associações e, com tipos penais abertos, possibilitar a criminalização de lideranças e movimentos sociais. Não à toa, tem sido cada vez mais evocada pelo aspirante a tirano Jair Bolsonaro para investigar e constranger seus críticos, como ocorrido recentemente contra Felipe Neto e Guilherme Boulos, dentre outros.
A construção do projeto de lei foi baseada na sistematização iniciativas legislativas, sob coordenação da competente deputada federal Margarete Coelho (Progressistas-PI).
A revogação da Lei de Segurança Nacional, em si, é uma conquista que deve ser celebrada. Ótimo que seja uma ação do parlamento, em sua prerrogativa exclusiva, e não via controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que também seria caminho jurídico legítimo, mas não tão afirmativo para a democracia.
Através do Congresso Nacional, ao retirar do ordenamento a LSN e incorporar a defesa do Estado Democrático de Direito, o Brasil passa a mensagem de que deseja revigorar sua opção pelo regime democrático e suas instituições, justamente em um momento de crise, quando estas passam por verdadeiro teste de fogo.
Portanto, ao tipificar condutas atentatórias à democracia, ergue-se uma barreira de contenção contra aqueles que, de maneira sistemática e organizada, têm buscado fragilizar nossa Constituição, o sistema de tripartição de poderes, com independência e harmonia entre eles, e mesmo colocado em xeque a legitimidade do processo eleitoral.
Neste sentido, haverá um capítulo sobre Crimes Contra as Instituições Democráticas, visando punir ações organizadas que, de maneira violenta ou com grave ameaça, atentem contra a ordem constitucional democrática, seja através de tentativas de golpes de Estado ou incitando animosidade entre as Forças Armadas e os poderes e instituições civis.
O relatório é cuidadoso para não dar azo a restrições das liberdades de expressão, imprensa, manifestação e organização popular, preocupação legítima e sempre cara aos atores democráticos. Aliás, ao contrário disso, a proposta cria o capítulo dos Crimes contra a Cidadania, que visa justamente punir aqueles que, sem justa causa, impeçam o livre exercício de manifestação, como, por exemplo, a repressão violenta pelas forças de segurança contra atos e movimentos reivindicatórios pacíficos.
Também há uma salvaguarda contra os ataques ao sistema político e eleitoral. No capítulo dos Crimes Contra o Funcionamento das Instituições Democráticas nas Eleições, se busca defender o livre exercício do voto, punindo eventuais atentados cibernéticos contra os tribunais eleitorais e a comunicação enganosa em massa contra o sistema eleitoral, como as fake news distribuídas em escala industrial questionando, sem nenhuma base probatória, a segurança das urnas eletrônicas e do resultado eleitoral.
Aqui também, tipificam-se atos de violência política, aqueles discriminatórios em virtude de sexo, opção sexual, cor, raça, etnia e religião.
Como se vê, a proposta votada pela Câmara traz inovações importantes, mas, sobretudo, faz a reafirmação da Constituição, do sistema democrático e de suas instituições, removendo o entulho autoritário do passado e prevenindo aventuras autocráticas do presente.
(*) Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Orlando Silva (PC do B-SP) e Paulo Teixeira (PT-SP) são deputados federais.
Texto publicado originalmente no Blog do Leonardo Sakamoto no UOL